Afinal, a gordura faz mal? Considerações sobre a teoria lipídica da doença cardiovascular

A teoria lipídica da doença cardiovascular é parte tão integrante da nossa cultura, do saber médico e do imaginário popular, enfim, do paradigma de saúde vigente, que questioná-la parece produto de ignorância ou picaretagem. Mas, se você chegou a este post lendo todos os anteriores, já está acostumando-se à postura cética com relação aos paradigmas, postura esta baseada intergalmente na lógica e nas melhores evidências científicas disponíveis.

Vencida a etapa sobre a (indiscutível) eficácia das dietas “low carb”, o grande motivo que leva nutricionistas e médicos a condená-las é o fato de tratarem-se de dietas ricas em gordura, inclusive gordura saturada. Como a teoria lipídica sugere que a gordura saturada eleva o LDL, e o LDL leva à obstrução das artérias, estas dietas seriam perigosas.

Há alguns bons motivos para crer que esta postura esteja equivocada. Em primeiro lugar, é contra-intuitivo que uma dieta que restringe os carboidratos que nos engordam faça mal para o sistema cardiovascular. Afinal, a obesidade é um fator de risco para doença cardiovascular, bem como para diabetes e sindrome metabólica, que, por sua vez,  também são fatores de risco.

Pode parecer loucura, mas a ideia de que uma dieta rica em gordura faz mal à saúde é oriunda da década de 50, baseada em um estudo epidemiológico repleto de problemas metodológicos, e nunca foi confirmada experimentalmente, não obstante os vários experimentos que foram conduzidos na tentativa de comprová-la.

A ideia de que a gordura na dieta causa doença cardíaca vem de um estudo de 1953 publicado por um fisiologista (sem experiência clínica com pacientes) chamado Ancel Keys. Keys realizou um levantamento de 6 países comparando o consumo de gordura per capita (por país, sem questionários com pacientes) e a mortalidade cardiovascular (em atestados de óbito, sem confirmação de causa). A correlação parecia muito boa – boa demais para ser verdade. Em epidemiologia, não costuma haver correlções perfeitas. Na verdade, Keys omitiu os dados disponíveis para vários outros países na época. Se tais países houvessem sido incluídos na análise, a correlação caía por terra.

O que se sucedeu depois foram vários estudos de restrição de gorduras na dieta com milhares de pacientes e ao custo de bilhões de dólares, alguns mostrando menos e outros mostrando mais mortes.

Em 2001, foi publicada a metanálise (reunião de vários estudos científicos) definitiva, pela Cochrane Foundation. O resultado? Não há nenhuma diferença na mortalidade entre pessoas que restringiram a gordura na dieta e as que não restringiram. Eis os resultados originais:

A conclusão dos autores não deixa dúvida:

Traduzindo: Há pouco efeito sobre a mortalidade (na verdade, os números mostram que não há nenhum efeito).

Apesar de décadas de esforço e muitos milhares de pessoas estudadas, as evidências dos efeitos da modificação de gorduras na dieta sobre a mortalidade cardiovascular são inconclusivas.

A referência do artigo acima é BMJ 2001; 322(7289):757-63

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