A dieta Atkins aumenta o risco cardiovascular?

Inúmeros sites e jornais publicam hoje uma notícia que já vem sendo publicada desde a semana passada na mídia internacional, com a seguinte mensagem “A dieta Atkins pode aumentar o risco de AVC e doença cardíaca”.  A notícia refere-se a um artigo publicado pelo British Medical Journal.

Desde a semana passada, há uma enxurrada de textos comentando a péssima qualidade do referido artigo, mas nossa mídia apenas traduziu a notícia como ela veio das agências internacionais, sem NENHUMA crítica. Denise Minger faz uma fantástica desconstrução do artigo, mas trata-se de um post longo em inglês, e não tenho como traduzi-lo todo. Clique aqui para ler o original.

Assim, opto por traduzir aqui um texto mais curto, do professor canadense Dr.Yoni Freedhoff, que disseca de forma crítica o referido artigo.

O que a leitura daquele artigo que afirma que Low Carb produz doença cardíaca realmente me diz?

A versão curta é que, neste caso, o British Medical Journal, e possivelmente, os autores e revisores deste estudo valorizam mais a publicação de propaganda exagerada e alarmista com grande apelo à mídia do que a verdadeira integridade jornalística e científica.

Deixe-me começar a versão mais longa com uma pergunta. O seu estilo de comer – seu repertório alimentar se quiserem – é o mesmo hoje como era há 15 anos? O meu certamente não é. 15 anos atrás eu era um médico residente solteiro. Minha dieta era composta de hambúrgueres, bifes, salsichas, pizzas, asas de frango, batatas fritas, restaurantes, comida pronta para levar, montes de xícaras de café e refeitórios de hospital horríveis. O fato é que, seja devido às mudanças de vida, problemas de saúde, modismos alimentares, novas relações, novos empregos – o tipo de alimentação varia muito com o tempo e as circunstâncias para muitas pessoas.

No entanto, os pesquisadores deste trabalho , que analisou o impacto que a dieta teria sobre risco cardiovascular entre 43,396 mulheres suecas, e que concluiu que as mulheres que seguiram dietas de baixo carboidrato tiveram um risco aumentado de doença cardíaca, usou apenas uma única entrevista de hábitos dietéticos, na qual baseou seu estudo de 15 anos duração e as suas conclusões.

E quanto a esse único e isolado conjunto de dados? Ele consistia em um questionário de freqüência alimentar em que as pessoas foram solicitadas a identificar a freqüência com que consumiam 80 itens diferentes, entre alimentos e bebidas, ao longo dos últimos 6 meses.

Você acha que isto é confiável? Você consegue se lembrar o quanto de qualquer coisa, quanto mais de 80 coisas, você comeu nos últimos 6 meses? E se você comeu e bebeu outros itens além destes 80?

Mas não vamos apenas imaginar o quão falho é este questionário, vamos analisar diretamente o artigo. Ao observar a ingestão calórica média relatada pelas mulheres a partir dos questionários, é imediatamente evidente a imprecisão dos mesmos, quando os autores relatam um consumo calórico diário médio de apenas 1.561 calorias. É um número incrivelmente pequeno, uma piada frente ao consumo calórico médio per capita de 2.990 calorias das suecas nesta mesma época, segundo dados da Organização para a Alimentação e Agricultura da ONU (FAO).

Mas vamos fingir por um momento que os dados fossem de fato corretos, e que você pudesse realmente  afirmar que o seu tipo de alimentação hoje continuará a ser o mesmo nos próximos 15 anos. Minha próxima pergunta seria: você acha que a qualidade das várias proteínas, carboidratos e gorduras da sua dieta pode ter alguma influência sobre o risco de desenvolver doença cardiovascular nos próximos 15 anos? Será que comer uma dieta rica em gorduras trans confere um grau de risco diferente do que uma dieta rica em gorduras insaturadas? Será que comer uma dieta rica em grãos integrais confere um risco diferente do que uma dieta rica em ​​farinhas pulverizadas e ultra-processadas? Que tal comer fora regularmente versus preparar sua própria comida a partir de ingredientes básicos? Fritura de imersão versus assado? Salsichas versus salmão? Quinoa versus arroz branco? Couve versus batatas? Claro que seria importante, até crianças de 10 anos sabem disso.

Mas não os pesquisadores deste artigo. Veja, eles simplesmente relataram e analisaram ​​os dados de um questionário único, em um único ponto no tempo, por meio de 10 diferentes percentis de consumo de carboidratos. Eles não prestaram nenhuma atenção à qualidade dos macronutrientes sendo consumidos, apenas suas quantidades totais. A única consideração dada quanto à qualidade dos macronutrientes foi diferenciar entre “proteína animal” versus “fontes vegetais”. Nenhuma consideração foi dada à qualidade das gorduras (isto apesar do impacto bem estabelecida das gorduras trans no aumento dos riscos cardiovasculares e das gorduras insaturadas na diminuição dos mesmos), ou dos carboidratos (mais uma vez apesar dos dados sugerindo benefícios cárdio-protetores de grãos integrais e risco cardiovascular dos refinados).

Mas ok, vamos mais uma vez fingir por um momento que os dados foram, de fato, bem controlados para os fatores dietéticos de conhecido impacto na doença cardiovascular. Ainda assim, o risco relatado aqui é digno da preocupação e da repercução obtida na mídia? Aqui, o aumento do risco relativo de 5%  significa 4 a 5 casos adicionais de doença cardiovascular para cada 10.000 mulheres na faixa mais baixa de consumo de carboidratos. Devemos parar as prensas? Dado o tamanho incrivelmente pequeno do efeito observado, e dada a tarefa incrivelmente complicada de controlar variáveis ​​de confusão (e aqui não estou falando apenas sobre as variáveis ​​de confusão alimentares incrivelmente gritantes que foram explicitamente ignoradas pelos pesquisadores, mas também sobre as variáveis ​​não-alimentares e de estilo de vida que foram muito pouco exploradas neste estudo) poderiam ou deveriam ser feitas (e, pior ainda, divulgadas) recomendações de cautela quanto à dieta?

Finalmente vamos fingir por um momento que os dados são, de fato conclusivos, e que o risco é real e assustador o suficiente para gritar aos quatro ventos. Você acha então que importaria saber que as dietas estudadas e que foram relatadas como de risco não eram de fato “low-carb”, dado que o que foi anunciado aos quatro ventos é que a dieta low-carb aumenta o risco de doença cardíaca? Olhando para os dados, o 1 º quartil de menor consumo de carboidratos é na verdade uma dieta onde os 154.7g de carboidratos correspondiam a 40% das calorias. Simplificando, isso não é uma dieta low-carb! A dieta Atkins, por exemplo, começa em apenas 20g e, em seguida, ao longo do tempo as pessoas tendem a aumentar progressivamente até 50 a 100g. 154.7g? ISTO NÃO É LOW CARB. Nem mesmo o percentil 10%, o de mais baixo consumo, em que as mulheres consumiam 123.7g ou 32% das calorias em carboidratos.

Então, para revisar: O artigo está baseando todos os seus 15 anos de conclusões no resultado de um único, solitário, e claramente impreciso questionário de freqüência alimentar aplicado no início do estudo, não controlou fatores de confusão gritantes e claramente conhecidos, encontrou um aumento minúsculo de risco absoluto, e a dieta relatada não pode sequer ser referida como uma dieta realmente pobre em carboidratos, muito menos Atkins.

Útil? Conclusivo? Digno de manchete?

E fica ainda pior.

O BMJ não apenas publicou um trabalho completamente inútil, eles deram um conselho bem claro, ainda que completamente não baseado em evidências, para os clínicos em seu editorial que acompanhava o artigo:

“Apesar da popularidade destas dietas, os médicos devem, provavelmente, desaconselhar o seu uso para controle a longo prazo do peso corporal”

Pior ainda, fontes altamente respeitável de informação médica twitaram as matérias resultantes da mídia como relevantes, e até mesmo o Jornal Watch, uma publicação do New England Journal of Medicine reportou este estudo como sendo válido para milhares de assinantes que confiam no Jornal Watch para mantê-los a par dos últimos e mais importante estudos publicados.

Quanto ao verdadeiro estado das evidências sobre os riscos e benefícios a longo prazo de dietas de baixo carboidrato, este artigo, e as conclusões editoriais do BMJ, não acrescentam absolutamente nada. Dadas as falhas cientificamente bizarras deste artigo e as conclusões completamente descabidas do editorial, eles constituem-se em contribuições completamente inúteis para a literatura médica. Na verdade eu os descreveria como piores do que inúteis, na medida em que são imperdoável, irresponsável, vergonhosa e conscientemente desinformativos – algo que o nosso mundo nutricionalmente já incrivelmente confuso realmente não precisa.

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