Veja de 11 de abril de 2001 – Gordura não faz mal – Gary Taubes

Pesquisando no Google, eis que me deparo com esta pérola: uma bela reportagem da revista VEJA repercutindo o antológico artigo de Gary Taubes na revista Science em 2001: The soft science of dietary fat.



Este artigo marcou época por ter sido publicado na mais prestigiosa revista científica do mundo, e foi o germe do que viria a ser Good Calories, Bad Calories, a obra prima de Taubes.

Fascinante também é o fato do artigo ter sido escrito 2 anos antes da morte do Dr. Atkins. E, para aqueles que acreditam na lenda urbana de que ele morreu do coração e obeso, eu reproduzo aqui um pequeno trecho de outra reportagem de 2001 da Veja:

O Dr. Atkins deu uma entrevista a “Ângela Pimenta, de VEJA, que o entrevistou em sua clínica, que ocupa um prédio em Nova York” (..) “Isso tudo é uma grande besteira”, rebate Atkins. “Você acha que se isso fosse verdade eu estaria vivo depois de 38 anos seguindo minha própria dieta?” De fato, o doutor Atkins parece estar em forma. Com 1,83 metro de altura e 89 quilos, ele é ativo e lúcido. Garante também que sua pressão arterial, níveis de açúcar e gordura do sangue estão estáveis.”

E, por fim, achei o obituário dele na veja No. 1799 de 23 de abril de 2003:

Ou seja, como consta na Wikipedia, ele morreu após escorregar no gelo em Nova York e bater com a cabeça no meio-fio. Aos 72 anos. E com IMC de 26.

***** ATUALIZAÇÃO  18/09/13 *******

O leitor Newton Pessoa me enviou uma matéria de Veja de 2004, que mostra ter havido controvérsia real sobre o estado de saúde do Dr. Atkins no momento de sua morte: http://veja.abril.com.br/180204/p_086.html

Ao que parece, era portador de miocardiopatia dilatada (uma patologia que não tem nenhuma com dieta (http://pt.wikipedia.org/wiki/Cardiomiopatia_dilatada). Para saber mais sobre a controvérsia, veja aqui: http://www.snopes.com/medical/doctor/atkins.asp

Mas, enfim, mesmo que fosse verdade, não muda muita coisa: se seu avô fumava todos os dias e viveu até os 100 anos, isso não prova que fumar é bom. Casos individuais são apenas isso – casos individuais.

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Mas, enfim, estou desviando do assunto principal.

Penso que rever este artigo de 2001 serve também de motivo para reflexão. Afinal, cá estamos, 12 anos depois, ainda tentando convencer o mundo daquilo que a revista Veja traduziu de forma tão genial em 2001: “a demonização da gordura na dieta nasceu sem muita base científica e se firmou na medicina moderna sem contestação, em parte, por absoluta falta de senso crítico dos pesquisadores.”

Isso me faz pensar em frases como estas:

The highest form of ignorance is when you reject something you don’t know anything about.
Wayne Dyer 

Truth is by nature self-evident. As soon as you remove the cobwebs of ignorance that surround it, it shines clear.
Mahatma Gandhi 

Nothing is more terrible than to see ignorance in action.
Johann Wolfgang von Goethe 

I am one of those scientists who feels that it is no longer enough just to get on and do science. We have to devote a significant proportion of our time and resources to defending it from deliberate attack from organised ignorance.
Richard Dawkins 

Against logic there is no armor like ignorance.
Laurence J. Peter 

A seguir, o artigo da revista Veja:

http://veja.abril.com.br/110401/p_076.html


 NOTÍCIAS DIÁRIAS

Geral Saúde

Pela primeira vez uma publicação científica
de prestígio abre suas páginas para um artigo
bombástico que afirma que a gordura não faz mal

Gabriela Carelli

Artigos como o publicado na semana passada pela mais prestigiosa revista científica do mundo, a americana Science, são raríssimos. Assinado pelo jornalista Gary Taubes, o artigo faz a demolição ponto por ponto de um dos dogmas mais aceitos da medicina moderna, o de que uma dieta rica em gorduras é prejudicial à saúde da maioria das pessoas. O articulista da Science lista uma seqüência impressionante de dados tirados de pesquisas de centros de excelência, como Harvard, Cambridge e Johns Hopkins. Ele mostra que a demonização da gordura na dieta nasceu sem muita base científica e se firmou na medicina moderna sem contestação, em parte, por absoluta falta de senso crítico dos pesquisadores. O artigo intitulado “A frágil ciência da gordura na dieta” é também um soco no estômago da indústria de alimentos. “Durante os últimos trinta anos, o conceito de comer saudavelmente passou pela eliminação ou redução da gordura nos alimentos. Cerca de 15.000 produtos dietéticos com teor mais baixo de gordura chegaram às prateleiras dos supermercados. Eles geraram bilhões de dólares para a indústria”, diz Taubes. A conclusão dele é inevitável. Evidências de que a gordura dos alimentos não pode ser responsabilizada pela obesidade e pelas doenças do coração sempre existiram. Mas não foram aceitas em virtude da enorme influência da indústria alimentícia e de seus lobbies poderosos exercidos sobre as autoridades de saúde americanas.

“Nos Estados Unidos nós não tememos mais a Deus nem os comunistas. Nós só tememos a gordura.” A frase acima, dita pelo médico David Kritchevsky, autor em 1958 de um dos primeiros livros sobre dietas pobres em gorduras, é usada por Taubes para mostrar a força que essa noção ganhou no país. “Apesar de tanta convicção, o que se sabe é que a ciência tradicional gastou milhões de dólares dos contribuintes em pesquisas que, na verdade, nunca provaram que as dietas pobres em gordura prolongam a vida das pessoas”, escreveu Taubes. Segundo ele, o melhor dos dados compilados para provar a tese da malignidade da gordura chegou à patética conclusão de que deixar de comer carne, ovos ou manteiga ajuda as pessoas a viver “algumas semanas mais” que aquelas que não se privaram desses alimentos.

“Em toda a literatura médica, não há estudo científico que prove que uma dieta sem gordura evita infarto. Existe o contrário”, sustenta. E que fim levaram essas pesquisas? Taubes garante que elas foram sistematicamente desprezadas pela ciência tradicional, mesmo quando vinham de fontes cujas credenciais não podiam ser colocadas em dúvida . É o caso de um grande levantamento feito pela Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard. Durante duas décadas, os pesquisadores avaliaram os hábitos de 300.000 profissionais de saúde americanos, na maioria enfermeiros e médicos, pessoas que, por seu conhecimento, técnica e disciplina, são consideradas ideais para esse tipo de investigação. Pois bem, os resultados mostraram que praticamente não havia diferenças de saúde entre os grupos que comiam alimentos gordurosos e os que se privavam deles. O estudo foi levado ao conhecimento das agências governamentais americanas e solenemente ignorado.

Enquanto os cientistas viravam o rosto para as evidências de que a gordura dos alimentos parecia não ser a causa da obesidade e da doença cardíaca, a população americana – e por influência dela boa parte dos moradores do mundo ocidental industrializado – continuava sendo vitimada pela epidemia de infartos. Mesmo com a redução da gordura na dieta, a doença cardíaca persistia e aumentava. Só muito recentemente o número de mortes por disfunções cardíacas diminuiu nos Estados Unidos. Também no Brasil, entre 1980 e 2000, houve um declínio de 10% no número de mortes por doenças do coração. “Isso é incontestável, mas com certeza não tem relação alguma com o fato de comer vegetais”, diz um dos mais atualizados cardiologistas brasileiros, Whady Hueb, do Instituto do Coração, em São Paulo. “A diminuição está muito mais ligada aos avanços médicos e farmacológicos que à quantidade de verduras ingeridas. Os esquimós comem só gordura e alguns deles chegam a viver 120 anos”, diz Hueb.

Um jornalista, obviamente, não tem autoridade para ditar regras sobre nutrição. O trabalho de Taubes só foi levado a sério porque é o primeiro a citar num mesmo artigo quase todas as fontes científicas dignas de crédito que pesquisaram o assunto. Entre elas, a mais respeitada é o epidemiologista americano Walter Willet, de Harvard. Ele considera “escandaloso” o fato de o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, o famoso NIH, ter ignorado – e continuar ignorando – os resultados das pesquisas com enfermeiros e médicos que absolviam a gordura do crime de estar matando os americanos do coração.“Eles dizem que precisamos ainda de evidências mais sólidas para mudar as recomendações nutricionais tradicionalmente aceitas. Não deixa de ser irônico, porque eles próprios nunca tiveram evidências sólidas para fazer as recomendações.”Willet põe o dedo na ferida. Ele explica que o desastre maior não foi deixar de comer gordura, mas substituí-la por um inimigo alimentar muito mais sutil e destruidor quando ingerido em grandes quantidades, os carboidratos. “As pessoas ficaram assustadas com as gorduras, mas deitaram e rolaram no açúcar, nos pães e nas massas”, escreve Taubes. Resultado: enquanto a ingestão média de gordura caía para 34% do total de calorias da alimentação do americano médio, as artérias continuaram se entupindo.

Campeão da luta contra a ingestão de carboidratos, o médico americano Robert Atkins foi intelectualmente massacrado nos anos 70 quando reavivou a tese de que as gorduras sozinhas não eram as vilãs da saúde. “Quem advogava contra o dogma era tachado de irresponsável”, disse Atkins a VEJA. Sua dieta, baseada na ingestão de 20 gramas de carboidratos por dia e na liberação da carne, dos ovos e cremes, foi dinamitada. Estava-se então no auge da ojeriza à gordura no prato. Mas, como nada de muito auspicioso ocorria na balança, ou seja, os americanos continuavam engordando, Atkins teve uma nova chance. O livro com os fundamentos de sua dieta foi reeditado recentemente e vendeu milhões de exemplares. Os compradores? Bem, os frustrados pacientes das mais variadas dietas.

O Centro Nacional de Estatísticas de Saúde do Centro de Controle e Prevenção de Doenças indica que o número de adultos obesos nos Estados Unidos aumentou 32% entre 1980 e 1991 e 57% de 1991 até hoje. Para essas pessoas, a chamada “pirâmide alimentar”, a que prescreve uma dieta equilibrada com quantidades de carboidratos que Atkins abominaria, de nada adiantou. A pirâmide aconselha que se coma de 55% a 60% de carboidratos. “A literatura científica mostra que dietas de alto consumo de carboidratos não são melhores – e podem ser piores – que as de alto consumo de gorduras”, diz Taubes.

O pavor à gordura nasceu de uma descoberta real. A primeira luz vermelha se acendeu durante a Guerra da Coréia, nos anos 50. Os soldados americanos mortos no conflito foram as primeiras vítimas de guerra sistematicamente submetidas a autópsia. Os médicos militares descobriram que muitos dos jovens abatidos pelos coreanos e seus aliados chineses tinham obstruções nas artérias que alimentam o coração. A análise dessas obstruções mostrou que eram feitas de substâncias gordurosas, entre elas o colesterol. Como um tigre sobre a presa, os médicos saltaram para a conclusão de que a gordura era a causa principal dos ataques cardíacos. Foram necessárias décadas de estudos para acreditar que talvez a história não seja tão simples. “O enredo ficou mais complexo”, diz Taubes. Os pesquisadores citados por ele lembram que as dietas vegetarianas conseguem reduzir no máximo de 10% a 15% das gorduras no sangue, o que para eles é prova suficiente de que a relação entre nutrição e saúde é mais complicada do que parece. O raciocínio é reforçado pela constatação de que ainda é misterioso o processo pelo qual as estatinas, drogas mais eficientes e modernas usadas com o objetivo de baixar as gorduras no sangue, especialmente o colesterol, protegem o coração. Suspeita-se que parte significativa do efeito protetor das estatinas esteja em seu poder antiinflamatório, e não apenas no de diminuir a gordura circulante.

Os dados cuidadosamente garimpados por Taubes a pedido da revista Science e reproduzidos nesta reportagem não encerram a questão do papel das gorduras na dieta. Não devem ser tomados, obviamente, como um convite à indisciplina à mesa. “Dizer que gordura não faz mal é um risco à saúde de milhares de pessoas”, diz Francisco Fonseca, coordenador do setor de lípides, aterosclerose e biologia vascular da Universidade Federal de São Paulo (não é não). Gary Taubes enfatiza que nenhum de seus entrevistados aconselha as pessoas com doenças cardíacas ou propensão a tê-las a comer gorduras. Eles apenas não acham razoável que essa restrição feita aos doentes possa ser tomada como uma regra de saúde pública. O artigo do americano teve enorme repercussão não por querer ditar novas regras de alimentação saudável, mas por abrir a discussão sobre uma questão tratada há décadas como um dogma.

“Durante trinta anos, o conceito de comida saudável foi sinônimo de pouca gordura. Apesar de décadas de pesquisas, ainda não está devidamente comprovado que o consumo de gordura abrevie a vida de pessoas saudáveis.”

“Uma pesquisa sobre dieta e saúde conduzida durante vinte anos pela Universidade Harvard concluiu que o total de gordura consumida não tem relação com doenças cardíacas. A gordura não saturada, como o azeite de oliva, não faz mal. A gordura saturada, das frituras, é um pouco pior, se tanto, que as massas e outros carboidratos.”

  Gary Taubes, revista Science

“O movimento antigordura está baseado na noção puritana de que alguma coisa ruim tem de ter uma causa maligna. Se você sofreu um ataque cardíaco, é porque fez alguma coisa errada. O ataque cardíaco seria decorrente do fato de você ter comido uma quantidade enorme de coisas ruins, e não uma quantidade muito pequena de coisas boas.”

John Powles, da Universidade de Cambridge

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