Documentário da BBC sobre a dieta Atkins, e texto definitivo sobre calorias

Com meus cumprimentos a Sergio Luiz Weydt, do blog vivamelhorlowcarb.blogspot.com.br, que legendou todo o documentário (fiz apenas pequenas correções), e que me sabatinou sobre o assunto, me obrigando a dissecar em detalhes excruciantes o meu pensamento sobre calorias (ver mais abaixo), segue excelente documentário sobre o Dr. Atkins, um médico que estava literalmente à frente de seu tempo. Após o documentário, quem quiser poderá ler minhas reflexões bizantinas sobre termodinâmica e calorias.

Parte 1

Parte 2

Parte 3

Parte 4

Parte 5

Interessante como em todo esse documentário, ninguém sequer mencionou a insulina e seus efeitos no particionamento da energia (coisa que o próprio Atkins menciona já nos primeiros capítulos de seu livro). Lembrei de postar aqui uma explicação longa que dei a um leitor, que tinha a seguinte dúvida:

“Comecei em janeiro (2013) a dieta Atkins, após ser contra por muito tempo, eu fui de 110 para 81 Kg com Atkins. Li que a gordura estava liberada, e então comia queijo prato, carne, creme de leite Nestle e muito pouca verdura (também não gosto muito)”

Observe que não é isso que se prega neste blog. Nesta postagem, onde falo sobre as diferenças entre Atkins e páleo, está bem claro: “Mas eu, pessoalmente, penso que a maioria das pessoas não precisa fazer a indução de acordo com o livro. Eu não vejo motivos para restringir saladas verdes em nenhum momento. E não vejo necessidade de restringir morangos, mirtilos e framboesas, tampouco nozes. Aliás, para a maioria das pessoas, mesmo ameixas, melão, maçã, nectarinas, etc, podem ser consumidos como sobremesa sem prejudicar a perda de peso.” Mas vamos adiante:

“Comecei a ter compulsão noturna: então, eu comia 2 latas de creme de leite com farinha de coco toda noite, e comecei a sentir mais cansaço, mais fome. Mas como entendi que creme de leite não tem carboidratos e que gordura é ok, não me importei.”

Esta sensação de ter “carta branca”, tipo “é gordura, então tudo bem” não é correta. E isso levou o leitor a ter problemas:

“Comecei a comer até 4 latas de creme de leite no dia – mas confesso que não faço pratos com tantos vegetais assim”

E aí, o que aconteceu?

“Aconteceu que ganhei 10 kg em 45 dias, saí da cetose e não sei como continuar”

 Como já cansei de dizer, estar em cetose não é necessário para perda de peso. Cetose é um indicador de oxidação acelerada de ácidos graxos na vigência de insulina baixa. Mas esses ácidos graxos podem ser seus, da dieta, ou de ambos. E uma oxidação mais lenta de ácidos graxos (desde que sejam seus) levará à perda de peso sem que haja elevação mensurável de corpos cetônicos no sangue. O problema, neste caso específico, chama-se CALORIAS.

Minha resposta ao leitor:

Há vários problemas com esse raciocínio.

1)
Creme de leite não é gordura pura. Exemplo de gordura pura são banha ou
azeite de oliva. Exemplo de gordura QUASE pura é manteiga. Creme de
leite contém carboidratos e contém proteínas.

1.a – Como é possível o rótulo dizer que é zero, sem
que seja zero? Simples, há um furo proposital na lei. E a base desse
furo é o tamanho da porção. Numa embalagem, não há o total de
carboidratos (ou calorias, ou seja lá o que for) na TOTALIDADE da
embalagem, mas na PORÇÃO. Digamos que vc queira esconder algum dado?
Basta tornar a sua porção BEM pequena. Como já respondi no blog, “Por
lei, qualquer coisa abaixo de 0,5g pode ser colocada no rótulo como
sendo zero. Acontece que um produto pode ter 0,49 gramas de carbs em uma
PORÇÃO de 20g. No rótulo vai aparecer ZERO. Mas se vc comer 200 gramas,
que são 10x mais do que 20, estará comendo 10 x 0,49 = 4,9 gramas de
carbs.” 
Um leitor ligou para a Nestlé e a resposta deles foi de que há 9
gramas de carboidratos em cada lata. Quanto maior a proporção de gordura
em um laticínio (e quanto mais fermentado ele for), menos carbs terá.
Assim, um queijo gordo (gordo e fermentado) não tem quase nada de
açúcar. O creme de leite, com apenas 20% de gordura, tem mais lactose e
proteínas. A nata aqui do sul, tem 49% de gordura. A manteiga tem 80% de
gordura. Leia esta postagem: https://lowcarb-paleo.com.br/2013/11/e-zero-mesmo.html

1b) A manteiga é amarela por causa da cor da
gordura. Mas o creme de leite é branco. Por quê? Porque ele é cheio de
proteínas (especialmente caseína). E proteínas provocam aumento da
insulina também. E algumas, proteínas, por sua composição de
aminoácidos, aumentam mais a insulina do que outras. E as proteínas do
leite são as que mais aumentam
. Assim, é verdade que a gordura pura é
neutra no que diz respeito ao eixo da insulina. Mas creme de leite está
longe de ser gordura pura, e é bastante pró-insulinêmico (bem menos do
que o LEITE, contudo).

2) A teoria da insulina é incompleta, e é uma simplificação. Leia esta postagem: http://lowcarb-paleo.blogspot.com.br/2012/12/para-alem-da-insulina.html.  Depois, leia essa: http://lowcarb-paleo.blogspot.com.br/2013/02/nao-e-tao-simples-o-set-point.html, além dessa e dessa.

3) Não há como perder peso sem um déficit calórico. Isso é termodinâmica, e seria loucura negar a termodinâmica.
O que eu defendo é que, de uma forma geral, esse déficit calórico não
deve ser intencional
. Uma dieta adequada deve produzir uma redução de
fome e um aumento no bem estar que leve a uma redução calórica relativa
espontânea (sem contar calorias). Leia que que respondi a uma leitora
que levantou alguns desses pontos:

São questões importantes. E os links que vc indicou
apresentam algumas verdades misturadas a outras afirmações mais
questionáveis.

1)
Eu concordo que há a necessidade de criar um déficit calórico, apenas
considero que PARA A MAIORIA das pessoas, este déficit calórico não
precisa ser criado propositalmente – que com o consumo de comida de
verdade, low carb, o apetite tende a diminuir sem sofrimento.

2)
Há, de fato, picos de insulina produzidos por proteínas. E as dos
laticínios estão entre elas. No entanto, as proteínas tem um efeito
térmico maior e uma saciedade maior e, portanto, menor potencial de
abuso do que os carboidratos, acabarão sendo consumidas em menor
quantidade e produzirão estrago bem menor.

3)
Não tenho dúvidas de que se uma pessoa comer 5000 calorias de gordura
pura, haverá estocagem de gordura por meios extra-insulina. Mas ninguém
faria isso (exceto alguém que comer várias latas de creme de leite, não é mesmo?).
Um dos autores que vc cita considera que ninguém comeria 5000 calorias
açúcar. Mas eu afirmo que comeriam facilmente 5000 calorias de amido, na
forma de massa, pães, praetzes, doughnuts, biscoitos recheados, etc. E,
neste caso, haveria a facilitação da insulina para o engorde.

4) Para algumas pessoas, o apetite é o problema causal.
Há distúrbios hipotalâmicos, pouco compreendidos, nos quais o apetite é
simplesmente aumentado. Se a insulina elevada não é a causa, reduzi-la
não será a solução. Nestes casos, o controle de porções, infelizmente,
precisa ser adotado. Não somos todos iguais em nossos metabolismos e em
nossas doenças.

5)
Para algumas pessoas, reduzir a gordura pode ser interessante – mas
varia. Para mim, por exemplo, são muito saciantes. Há que testar.

6)
Eu sugeriria ler o livro do Brad Pilon (Eat Stop Eat) e fazer o jejum,
mesmo que com tremendo sofrimentos nas primeiras vezes. Com o tempo, vc
vai tendo cada vez mais facilidade, e descobre a diferença entre fome
real e vontade de comer por outros motivos (hábito, conforto, motivos
emocionais).

7) A vantagem metabólica (de comer low carb versus comer high carb) é real, mas é limitada a umas 300 calorias por dia: http://www.cavemandoctor.com/2… ou seja, vc pode comer mais fazendo low carb, mas não pode comer enlouquecidamente mais.

8)
A insulina baixa é mais importante para permitir que a gordura seja
retirada dos adipócitos do que a insulina alta é importante para armazenar
gordura
. De fato, gordura pode ser estocada SEM insulina, pela ASP 
(acylation stimulating protein) (http://high-fat-nutrition.blog…,
mas com insulina alta, não há exercício que queime gordura. “Excess
weight is the result of a failure of adipocytes to release energy,
hunger is needed to supply any shortfall needed for metabolism.”

9) Em resumo, low carb apenas, sem déficit calórico, não irá funcionar; mas é muito mais fácil fazer déficit calórico com menos fome, e low carb diminui a fome;
se a pessoa está em equilíbrio, acima do peso mas com peso estável,
simplesmente reduzir drasticamente os carbs pode criar um déficit
calórico automático de 300 calorias apenas por aumento da taxa
metabólica.

10)
Na pior das hipóteses, quando tudo falha, precisa passar fome. Mas a
fome ainda assim será bem menor com low carb do que com dietas
tradicionais.”

11)
Teoria do “food reward”. Esta teoria é muito interessante, e não
dediquei postagens especificamente à ela. Na sua forma mais resumida,
ela diz que se algo foi MUITO gostoso, vamos comer demais e engordar.
Mesmo que seja low carb!! Veja, nossos sensos de fome e saciedade
evoluíram no contexto do que havia para comer. Quando preparamos algo que,
mesmo sendo low carb, faz o by pass de nossos centros de saciedade (por
estimular de forma supra-fisiológica os centros do prazer), a saciedade
deixa de funcionar na regulação homeostática do apetite, e o consumo
calórico ultrapassa as possibilidades compensatórias do gasto calórico.

Olhe o que escrevi nesta postagem: http://lowcarb-paleo.blogspot.com.br/2012/03/paladar-e-evolucao.html

“O
ser humano tornou-se cada vez mais hábil em separar desejo e
necessidade, a tal ponto que a satisfação desenfreada do desejo
tornou-se desastrosa para o indivíduo e para a espécie. As pessoas
sempre desejaram alimentos doces porque gostavam dos mesmos. E, enquanto
os únicos alimentos doces a que tinham acesso eram frutas, ao
satisfazer seu desejo pelo sabor doce, as pessoas automaticamente
satisfaziam a sua necessidade de vitamina C e outros tantos nutrientes.
Porém, 
uma vez que o ser humano passou a fabricar a própria comida, especialmente após o desenvolvimento da tecnologia para o refino do açúcar e a manufatura dos alimentos, adquiriu a capacidade de separar a doçura e o conteúdo nutricional. O que as pessoas desejam desvinculou-se do que elas precisam.

A
indústria alimentícia não se limita a acrescentar quantidades
industriais (desculpe o trocadilho) de açúcar a todo o tipo de alimento
(veja o rótulo das coisas, de ketchup a pepinos em conserva). Outras
características de nosso paladar foram identificadas e introduzidas nos
alimentos processados. Há um termo para isso, denominado 
hiperpalatabilidade,
isto é, a característica de um produto de apresentar uma intensidade de
sabor muito além daquela presente na comida de verdade. Uma vez que
estejamos acostumados a consumir alimentos processados no nosso
dia-a-dia, a comida de verdade começa a parecer sem gosto.
Isto é muito
perceptível nas crianças, que muitas vezes recusam os alimentos reais e
só aceitam alimentos processados hiperpalatáveis como biscoitos
recheados, salgadinhos, e guloseimas de todo o tipo. 

um excelente documentário (CBS – 60 minutes) sobre os cientistas
contratados pela indústria com o objetivo explícito de tornar o sabor
artificial dos produtos “irresistível”.



A
situação é análoga à das drogas. Nosso cérebro possui um “centro do
prazer”, que se ativa quando realizamos atividades fisicamente
prazerosas, especialmente o sexo. Obviamente, a pressão evolutiva neste
caso é imensa, pois está diretamente relacionado à capacidade de
produzir descendentes. Drogas de abuso, como a heroína e o crack, ativam
direta e intensamente o centro do prazer, desvinculado de qualquer
atividade fisiologicamente útil (tal como a reprodução). Assim como no
caso da hiperpalatabilidade, em que o desejo por certo sabor foi
desvinculado da necessidade de obter nutrição, a hiperestimulação do
centro do prazer pelas drogas leva à desvinculação entre prazer e sua
utilidade biológica, com resultados desastrosos.


Se
você tem dificuldade em largar o pão, a massa e os doces, há portanto
bons motivos evolutivos para isso. Mas, como no caso das drogas, não há
outro caminho a fim de restaurar a saúde. A boa notícia é que, após um
período inicial de abstinência (como nas drogas), você vai cada vez mais
redescobrindo o sabor da comida de verdade. Para algumas pessoas,
bastam poucas semanas. Para outras, são necessários meses. O fato é
que, 
ao
alinhar o seu paladar com os alimentos com os quais evoluímos, manter
uma dieta saudável torna-se um prazer, pois finalmente vinculamos
novamente nossos desejos e nossas necessidades.”
 

12) Trigger Foods. Trigger foods são aquelas
comidas que, para uma pessoa específica, são irresistíveis. Cada um de
nós tem as suas.
Para mim, são castanhas de cajú torradas e salgadas. Se
eu tiver um saco disso, vou comer até passar mal e me arrepender.
Castanhas de cajú são páleo? São. E são relativamente low carb. Mas eu
não compro mais, porque me fazem perder o controle. Passei a comprar
amêndoas cruas (não torradas, e não salgadas), pois aí eu como
meia-dúzia delas e passa a fome – não como até explodir. Está visto que
creme de leite é uma trigger food para você. E é absurdamente calórico.
Para muitas pessoas, o creme de leite é uma boa por ser altamente
saciante, de modo que a pessoa come 1/3 de uma lata e fica sem vontade
de comer mais nada por horas. Mas, PARA VOCÊ, ele é uma trigger food, e
tem o efeito contrário, faz vc querer MAIS.”

Ok, e ano passado o próprio Sergio Luiz Weydt, que legendou o vídeo acima, me fez a seguinte pergunta (referente à esta postagem):

“Caro Dr. Souto, volto a manifestar-me neste post para tentar melhorar a abordagem.

Acredito e pratico o estilo lowcarb de alimentação e, por isso mesmo, a intenção é colaborar.

Coloquemos a questão de forma um pouco diferente:A lei da conservação da energia é a que dita que ninguém pode engordar sem que coma mais do que precisa (ou gasta, se preferir).Caloria é energia. Comida é energia.A energia não se cria ou se destrói, apenas se transforma.Essa lei não foi criada pelo homem, mas é um enunciado com base na
observação da natureza e serve como pilar para o entendimento do
funcionamento do próprio Universo.
Se o adolescente em crescimento come mais, por causa dos hormônios,
ele precisa de mais calorias para crescer = ele gasta mais calorias.
Ele gasta o que come = ele transforma as calorias em massa para
crescer = não há balanço positivo de calorias, mas há a transformação
das calorias em crescimento.
Se conseguir comer um pouco mais do que necessita para as atividades
cotidianas e para a demanda do crescimento, certamente engordará.
Se comer menos, emagrecerá, até o limite do equilíbrio entre o crescimento e o definhamento.Da mesma forma, o halterofilista engordará se comer mais do que possa crescer em músculos.Entendo o seu ponto de vista. Entretanto, talvez haja a necessidade de revisão deste texto para algo melhor explicado.Se passarmos a ingerir quantidades maiores de alimento, mesmo que na
forma de gorduras ou proteínas, haverá transformação da energia de
alguma maneira; seja para o crescimento; para o aumento da massa
muscular; para a formação de tecidos; ou para a engorda.
Tenho visto pessoas fazendo apologia da ingestão de gorduras e proteínas de forma livre e ilimitada.Não entendo dessa forma a dieta lowcarb.O que entendo é que com essa dieta passamos a estar SACIADOS com
menor quantidade de alimento (pela melhora na qualidade dos alimentos),
que equivale a ingerir menores quantidades de energia na forma de
calorias e, portanto, acabarmos por atingir o equilíbrio da massa
corporal.
A dieta atende as pessoas que têm dificuldade de saciedade natural,
pelos efeitos danosos surgidos ao longo do desenvolvimento de alimentos
processados.
Mas há as que têm outras necessidades, como a emocional, que comem
por compulsão ou ansiedade, que a dieta por si não pode solucionar.
Ou seja, revendo o texto, podemos enunciar que: Ninguém engorda sem que coma (em energia) mais do que precisa.”

Minha resposta:

Sérgio, vou dividir a resposta em duas partes.

Primeiramente, para lhe dizer que esta postagem foi escrita há 2
anos, e já evoluí este pensamento sobremaneira. Se você tem lido as
postagens mais recentes, encontrará os seguintes exemplos:

Nesta postagem, abordo o assunto da hiperpalatabilidade, que induz o comer em excesso: http://lowcarb-paleo.blogspot….

Nesta postagem, afirmo algumas coisas que vão na linha do que você diz: http://lowcarb-paleo.blogspot….:

“Nem
todos engordam pelos mesmos motivos. Não resta dúvida que o consumo
excessivo de carboidratos refinados é a grande causa da epidemia de
obesidade de nossos dias. Isto não significa que VOCÊ engordou por causa
disso.Há pessoas que engordaram pelo uso de medicamentos, como
antidepressivos ou medicações para transtorno de humor bipolar,
anti-convulsivantes, corticoides. Há pessoas que engordam devido à
predisposição genética; e há pessoas que engordam simplesmente por que
comem demais.”

“Em seu agora já clássico estudo, o Dr. Gardner da UCLA indica que
aqueles pacientes cujo excesso de peso foicausado pela resistência à
insulina são os que melhor respondem à restrição de carboidratos.
Neste
estudo, foram comparadas 4 dietas completamente diferentes. Embora a
dieta low carb, como sempre, tenha se saído melhor que as demais NA
MÉDIA, houve pacientes individuais que perderam grande quantidade de
peso com TODAS as 4 dietas, e houve pacientes que não perderam peso em
TODAS as dietas.”

http://lowcarb-paleo.blogspot….:

“se a insulina fosse, de fato, o único sinal hormonal a controlar a
adiposidade, nossos problemas estariam resolvidos. Todas as pessoas
poderiam regular seu peso e seu percentual de gordura com facilidade e
precisão – e sabemos que isso não é assim.”

“Bem, como você já deve imaginar, há muito mais coisas entre o céu e a
terra do que pode supor nossa vã endocrinologia. Albert Einstein disse
uma vez: “Everything should be made as simple as possible, but not
simpler” (“tudo deve ser simplificado tanto quanto possível, mas não deve
ser mais simplificado do que isso”). Embora eu tenha lançado mão deste
recurso de simplificação neste blog, está na hora de complicar um pouco
as coisas, nem que seja para que o leitor entenda que um sistema
complexo não pode ser completamente comandado por intervenções simples, e
que trata-se de algo profundamente multifatorial, sobre o qual nosso
conhecimento apenas agora começa a arranhar a superfície.”

http://lowcarb-paleo.blogspot….

“Há cerca de um ano, quando comecei este blog, estava ainda sob forte
influência do (sensacional) livro Why We Get Fat e de minha própria experiência com dieta low carb.”

“Imaginei que havia descoberto A CHAVE para resolver o problema do
excesso de peso – afinal, para MIM havia dado certo. Com o passar do
tempo, comecei a ter experiências mistas no consultório em com pessoas
próximas. Algumas pessoas tinham resultados como os meus – uma minoria. A
maioria tinha uma perda inicial rápida de peso, chegando a um platô
(estabilização do peso), frequentemente muitos quilos acima do ideal.
Uma outra minoria praticamente não perdia peso, mesmo fazendo tudo
certo.”

Esta postagem é muito boa para desviar o foco do balanço calórico como causa e passar a vê-lo como consequência: http://lowcarb-paleo.blogspot….

Espero ter lhe dado uma ideia da evolução do meu pensamento nesse período.

Continuando, agora com a segunda parte da resposta, no que diz respeito especificamente à termodinâmica.

1) Eu não neguei e nunca negaria a conservação de energia. Mas há várias coisas a ponderar:

a) a seta da causalidade pode estar invertida. Assim, vc pode comer a
mais porque está particionando suas calorias para o tecido adiposo, ao
invés de engordar porque está comendo demais;

b) O conceito de calorias aplica-se apenas a uma situação ideal (um
calorímetro), no qual o alimento é incinerado.
Exemplo: um copo de
gasolina tem muitas calorias, mas vc não engordaria bebendo gasolina
(mesmo que não fosse tóxica), pois seu corpo tem 0% de eficiência para
extrair estas calorias da gasolina. O corpo tem ALTA eficiência para
converter a energia potencial das ligações covalentes da glicose para as
ligações de alta energia nos fosfatos do ATP. Esta eficiência é muito
menor para a proteína. Assim, 100 calorias (determinadas em calorímetro)
de carboidratos são MUITO diferentes de 100 calorias de proteína. Não
há mágica nisso. Parte da energia potencial é eliminada intocada nas
fezes, parte vai terminar no ATP, mas uma parte VARIÁVEL será dissipada
na forma de calor, e será MAIS no caso das proteínas;

c) na mesma linha, alimentos processados requerem menos trabalho digestivo – menos dissipação de calor;

2) Há pelo menos um estudo feito em condições ideais que demonstra
que o corpo queima EM REPOUSO 300 calorias a mais em dieta low carb do
que em low fat: http://www.cavemandoctor.com/2…

Obviamente isso não significa que 300 calorias estão sendo sugadas
deste universo por um wormhole para dentro de um universo paralelo.
Mas o
que importa é que são 300 calorias que não estão virando gordura
. Se
estão sendo dissipadas na forma de calor porque as pessoas movem-se mais
sem perceber, ou porque a sua temperatura corporal fica 3 ou 4 décimos
de grau mais alta em 24h, ou se a proteína desacopladora da fosforilação
oxidativa faz com que as mitocôndrias executem ciclos fúteis e dissipem
calor (http://pt.wikipedia.org/wiki/T…,
TANTO FAZ.
O que importa é que essas calorias (que existem, não estão
sendo eliminadas do universo) estão sendo convertidas em OUTRAS coisas
que não a gordura com mais facilidade em low carb do que em outras
dietas.


3) o termo balanço energético positivo, na minha opinião, se aplica. A
criança crescendo consumiu mais calorias do que gastou na forma de
atividade metabólica e dissipação de calor. Parte dessa energia foi
empregada (“gasta”) para fazer as novas ligações químicas (energia
potencial) que compõe seu corpo, agora maior.
A quantidade de energia
contida no sistema aumentou, e para isso mais calorias na forma de
comida entraram no corpo do que a quantidade que foi eliminada na forma
de calor, energia cinética e energia residual não aproveitada (nas
fezes)
. Mas isso não muda o que eu queria dizer: que o fator
desencadeante, causal, de todo esse processo foi o hormônio do
crescimento
. Uma vez que as células de cartilagens, ossos, músculos,
etc, entram em mitose em virtude do GH, tornam-se metabolicamente mais
ativas, passam a extrair do sangue a glicose, aminoácidos e
triglicerídeos de que necessitam, provocando um déficit energético no
sistema, que é percebido em sensores no hipotálamo, que então
desencadeiam o comportamento adequado para re-estabelecer a homeostase
do sistema (aumento da fome, aumento da preguiça).
Percebe? Não se está
criando nem destruindo energia, o universo segue repeitando a
termodinâmica, mas o que faz a criança crescer são os hormônios – comer
mais é decorrência e condição necessária, mas não causal
.

4) Existe flexibilidade metabólica, dentro de certos limites, que
permite ao corpo ajustar (de forma automática e inconsciente) o gasto
calórico (e aqui me refiro a energia cinética e dissipação de calor) à
ingesta calórica. Isso pode ser visto no estudo que citei acima (300
calorias a mais dissipadas em 24h em low carb com o mesmo consumo
calórico), e pode ser visto no sensacional experimento de Sam Feltham (http://live.smashthefat.com/wh…. Neste experimento (http://live.smashthefat.com/wh…
ele consumiu 5794 calorias de LCHF por 21 dias – um superávit calórico
de 56.654 calorias aproximadamente.
Pela teoria vigente (de que as
calorias que sobram seriam automaticamente convertidas em gordura), ele
deveria ter ganho 7,3 Kg nestes 21 dias. Ele ganhou peso, mas foram
apenas
1,3 Kg (o resto foi PARTICIONADO de forma diferentes –
termogênese, músculos, movimentação automática, TANTO faz
); depois, ele
repetiu o mesmo experimento com 5793 calorias diárias de HIGH CARB
processado. Resultado?
7,1 Kg de ganho de peso. Com certeza ele poderia
engordar bastante comendo, sei lá, 7000 calorias de LCHF, mas a) quase
ninguém faria isso e b) persiste válido o fato de que com uma dieta
ISOCALÓRICA de high carb, o ganho de peso e os danos metabólicos seriam  maiores

5) O que a preservação de energia diz é que se você consumiu mais
calorias do que o exigido para a manutenção do equilíbrio termodinâmico
de seu corpo em repouso (a taxa metabólica basal), ALGO terá de
acontecer.
Lord Kelvin não disse que teria que virar gordura.
Esse
superávit de energia poderá ser convertido em calor, em movimento, em
tecidos (músculos, etc) ou em gordura.
Um fato importante é que não
existem receptores para calorias nas células. Calorias, um conceito
abstrato, não são coisas materiais capazes de ligar-se a um receptor e
desencadear uma resposta biológica
. Sem a intervenção de hormônios, as
células não têm como saber se estamos em superávit calórico ou déficit
calórico (
http://lowcarb-paleo.blogspot…..
Como diferentes alimentos têm diferentes ações endócrinas, é mais útil
pensar em alimentos como drogas (que exercem efeitos farmacológicos no
corpo, modificando o balanço hormonal e desencadeando respostas
biológicas) do que como “calorias”, um conceito físico com pouca
aplicação biológica (necessariamente verdadeiro, mas pouco relevante
à
discussão).

6) Mesmo que a única explicação para o sucesso das dietas low carb
fosse seu indiscutível efeito na saciedade, na linha da “food reward
theory” do Stephan Guyenet, isso não muda o fato fundamental – cortar os
carbs facilita o emagrecimento.
Mas, como argumentei acima, há outros
fatores em jogo (eficiência energética e particionamento calórico).

7) Sem violar a lei de conservação e energia, é possível ENGORDAR sem
comer demais
– veja os vários experimentos animais citados no Good
Calories, Bad Calories, nos quais ratos geneticamente gordos mantidos em
dieta HIPOCALÓRICA engordavam mais do que os ratos normais do grupo
controle, embora esses últimos estivessem com dieta ad libitum (sem
restrição). O que acontecia é que seus corpos canibalizavam seus outros
órgãos e músculos a fim de produzir mais gordura; ou seja, havendo o
estímulo hormonal para o crescimento da gordura, a gordura crescerá
mesmo em vigência de dieta hipocalórica. A palavra chave, novamente é o
PARTICIONAMENTO das calorias. As calorias existem, não estão sendo
criadas nem destruídas, mas seu destino final é determinado por
fenômenos BIOLÓGICOS, e não exclusivamente físicos
(sem, contudo, violar
a física em nenhum momento).

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