Comer de 3/3 horas – má ideia

“Você precisa comer cada 3 horas para não sentir fome e não desacelerar o metabolismo”. Quantas vezes você já ouviu essa afirmação? Inúmeras. É tão comum, que já virou uma espécie de truísmo: certamente, tantos profissionais não afirmariam algo assim se não fosse verdade, não é mesmo? Bom, o abismo entre a vulgata nutricional e a ciência parece nunca chegar ao fundo.

Vejam exemplos reais deste tipo de afirmação:

Neste (lamentável) site do Ministério da Saúde, podemos ver a orientação sem maiores explicações:

“[Devemos] desestimular “pular” as refeições”

O mesmo aqui: 

“Faça pelo menos três refeições (café da manhã, almoço e jantar) e dois lanches saudáveis por dia. Não pule as refeições. Fazendo todas as refeições, você evita que o estômago fique vazio por muito tempo, diminuindo o risco de ter gastrite e de ficar com muita fome e exagerar na quantidade quando for comer.”

A melhor explicação da teoria, no entanto, achei no site da Sadia: 

6 motivos para fazer refeições fracionadas

“Comer de três em três horas traz diversos benefícios ao organismo. Entenda melhor! Responda rapidamente: quantas vezes você come por dia? Se sua resposta foi um número igual ou inferior a três, você deve ficar atento. O hábito de realizar pequenos lanches entre as refeições principais, ou seja, alimentar-se a cada três horas, pode fazer muito bem ao seu organismo. O ideal é comer pouco e várias vezes ao longo do dia. Isso mesmo! Ainda tem dúvidas? Então descubra abaixo por que você deve adotar as refeições fracionadas no seu dia a dia.

Tomar lanches entre as refeições é bom porque [enriquece os acionistas da Sadia]

1- Pode ajudar a emagrecer: Um dos motivos é que comer de três em três horas acelera o metabolismo, pois a cada vez que você ingere alimentos, seu organismo queima calorias na tarefa da digestão. Por outro lado, quando se fica sem comer por muito tempo, o corpo aprende a economizar calorias. Funciona da seguinte maneira: o organismo, habituado a poucas refeições por dia, acostuma-se a acumular energia para os momentos de fome. Dessa forma, em períodos prolongados de jejum, o corpo “guarda” gordura extra para possíveis situações de escassez.”

Bem, uma coisa está clara: comer lanches cada 3 horas faz muito bem à Sadia, que os vende. Mas e a CIÊNCIA, essa Geni da Nutrição, o que diz a respeito? Vejamos:

Neste estudo, os autores revisam as evidência epidemiológicas (sempre as epidemiológicas!) que deram origem à lenda urbana de que comer frequentemente ajudasse a perder peso, concluindo que são muito fracas. Quanto aos estudo experimentais, os autores concluem não haver suporte à essa ideia.

Neste estudo, os autores realizam um experimento em 30 voluntárias, às quais foi imposta uma dieta extremamente hipocalórica por 3 dias. Mas ao invés de IMAGINAR o que aconteceu com o metabolismo, os autores MEDIRAM a taxa metabólica basal. Resultado? Em 3 dias de restrição calórica severa, NÃO houve modificação da taxa metabólica basal. Tradução: restrição calórica aguda, mesmo severa, não “desacelera” o metabolismo.

Neste estudo, os 8 homens e 8 mulheres foram submetidos a jejum em dias alternados, ou seja, dieta normal em um dia, e JEJUM no outro dia, por 22 dias consecutivos. Segundo o senso comum nutricional, seu metabolismo deveria ficar muito mais lento com todo esse jejum, e mais lento ainda nos dias de jejum quando comparado aos dias de alimentação normal. Não foi o que aconteceu. A taxa metabólica em repouso não mudou do início ao fim do estudo, ou de dias alimentados para dias em jejum. Nem mesmo a temperatura do corpo mudou. Não estamos falando em pular UMA refeição, estamos falando em pular TODAS as refeições por 24 horas…

Em um estudo em que voluntários (homens e mulheres) foram submetidos a JEJUM de 12, 36 e 72 horas, e nos quais todo tipo de parâmetro fisiológico foi medido, foi observado um AUMENTO da taxa metabólica basal. Leia novamente, com calma. Essas pessoas não estavam comendo a cada 3 horas; estavam comendo a cada TRÊS DIAS! Ainda assim, o metabolismo basal não foi reduzido. Não. Ele AUMENTOU. Sinto um aroma de teoria refutada no ar…

Neste estudo, 10 voluntários do sexo masculino foram alimentados com comida suficiente para atingir suas necessidades calóricas diárias, e depois disso foram submetidos alternadamente a uma alimentação dividida em apenas duas refeições por dia ou dividida em SETE refeições por dia. O resultado? A frequência da alimentação NÃO afetou em NADA a taxa metabólica basal ou o gasto energético total dos indivíduos.

É nesse contexto que deve ser entendido este novo estudo, reportado pela imprensa como se fosse uma novidade, mas cujo resultado era, digamos, óbvio:

Fazer só duas refeições por dia pode ajudar no tratamento de diabetes tipo 2

Pippa Stephens

Repórter de saúde, BBC News

Original aqui

Atualizado em  16 de maio, 2014 – 19:11 (Brasília) 22:11 GMT

Refeição (BBC)

Pacientes perderam mais peso e tiveram maior redução do nível de açúcar no sangue ao fazer duas refeições por dia

Comer apenas o café da manhã e o almoço pode ser uma forma mais efetiva de tratar a diabete tipo 2 do que fazer pequenas refeições ao longo do dia, dizem cientistas.

Pesquisadores do Instituto de Medicina Clínica e Experimental de praga testaram os dois métodos com dois grupos de 27 pessoas.

O segundo se alimentou com seis porções menores ao longo de todo o dia, como é frequentemente recomendado a pacientes com diabetes.O primeiro grupo fez duas refeições maiores por 12 semanas, comendo pela última vez até às 16 horas.

Depois, os grupos inverteram suas dietas. Em ambos os casos, todas as refeições do dia somavam 1.700 calorias.

Quando comeram duas vezes, os voluntários perderam mais peso e tiveram uma maior redução do nível de açúcar no sangue.

Segundo os cientistas, estes resultados corroboram com “evidências anteriores” de que refeições em menor número e porções maiores traziam mais benefícios.

(…)

“Os pacientes com menos refeições tinham medo de passar fome de noite, mas eles sentiram menos fome porque os deixamos comer até ficarem satisfeitos”, diz a pesquisadora Hana Kahleova.

“Mas, quando comiam seis vezes ao dia, eles não ficavam satisfeitos. Isso foi surpreendente.”

O pesquisador Richard Elliot, do instituto Diabetes UK, diz que o estudo reforça resultados de pesquisas anteriores que apontam para um novo tipo de dieta para este tipo de paciente.

“No entanto, antes será preciso realizar um estudo mais duradouro antes de mudar a indicação nutricional dada a pessoas com diabetes”, disse Elliott.

Meu objetivo com essa postagem não é necessariamente indicar que as pessoas façam jejum ou comam apenas duas vezes por dia. Se você quiser e sentir fome, pode comer alimentos low carb / páleo diversas vezes por dia. O objetivo foi, na verdade, apenas o de destruir mais uma lenda urbana – a de que você PRECISA comer cada 3 horas. Só herbívoros precisam comer o tempo todo, dada a baixa densidade calórica de sua alimentação.

Repito aqui alguns pontos sobre os quais já escrevi na postagem sobre jejum:

  • Uma coisa é certa: nossos ancestrais não comiam 3 refeições todos os dias. Muito menos faziam lanches. Muito menos comiam a cada 3 horas, como mandam os nutricionistas;
  • O incrível é que, do ponto de vista evolutivo, isto é óbvio: quando estamos com fome, precisamos ter energia para ir à luta e caçar algum animal ou achar umas raízes – se desacelerássemos nosso metabolismo, nossa falta de comida só pioraria, e morreríamos. Isto é diferente da fome crônica, na qual desaceleramos para não morrer. Um leão é perigoso e ATIVO quando está com fome; quando está alimentado, ele dorme o dia inteiro;
  • Nas palavras de um paleontólogo citado por Robb Wolf, nossos ancestrais comiam tudo que podiam, quando podiam, e, de preferência, o pedaço de carne mais gorda que pudessem encontrar;
  • Só existem dois estados metabólicos possíveis: alimentado (“fed”) ou “em jejum” (“fasted”);
  • Enquanto estamos no estado alimentado, o corpo está no modo armazenamento; e no estado de jejum, usa as reservas;
  • Nossos antepassados mantinham um equilíbrio entre os dois estados;
  • No nosso estilo de vida atual, passamos no mínimo 2/3 do tempo no estado alimentado, comendo a cada 3 horas, o que impede o uso das reservas de gordura (óbvio, quando se para pra pensar);
  • A insulina é reduzida com low carb, mas nunca fica tão baixa quanto em jejum;
  • Alguns alimentos elevam muito pouco a insulina, mas nada BAIXA a insulina tanto quanto simplesmente não comer;

No fundo, estou convencido de que o motivo que levou os nutricionistas à essa insanidade (mandar pessoas com excesso de peso comer o tempo todo) foi uma constatação prática: a de que uma dieta de alto carboidrato leva as pessoas a sentir FOME o tempo todo (diferentemente de uma dieta low carb com mais proteína e gordura, que se caracteriza pela altíssima SACIEDADE). Assim, para que a pessoa possa manter uma dieta de alto carboidrato e baixa caloria, só mesmo comendo a cada 3 horas. Não foi uma orientação decorrente da ciência. Foi uma consequência de insistir em contrariar a ciência, a natureza e a evolução.

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