O caso do “Biggest Loser” – por que o foco em calorias não é o ideal

Recentemente, excelente reportagem foi publicada no New York Times sobre um artigo científico que analisou o que ocorreu, no decorrer dos anos, com participantes do reality show “The Biggest Loser”, no qual pessoas obesas são colocadas em dietas severamente hipocalóricas e torturadas na academia em frente às câmeras, enquanto treinadores praticam o “fat shaming“, isto é, os humilham chamando-os aos gritos de preguiçosos e glutões. Um espetáculo deprimente, como soe ocorrer neste tipo de programa televisivo. Mas, de tempos em tempos, nasce uma flor no esterqueiro, e este artigo é um exemplo disso.

Não obstante, o viés do artigo original é de que dietas são um exercício de futilidade, visto que o peso voltará, inexoravelmente. O estudo já repercute aqui no Brasil. Mas essa futilidade é verdade quando a estratégia é a restrição calórica voluntária, que ativa mecanismos contra-regulatórios poderosos a fim de retornar o peso ao set point prévio.

Jason Fung, o autor do excelente e imperdível The Obesity Code, faz espetacular análise do assunto. Instado por mim, Hilton Sousa, do paleodiario.com, fez a tradução relâmpago, que compartilho com vocês (fiquem de olho, em breve gravaremos um videocast – que será legendado! – com o Dr. Fung, dentro da série de Podcasts).

A FALHA DO BIGGEST LOSER, E O SUCESSO DAQUELE ESTUDO CETOGÊNICO

Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.


por Jason Fung


Essa semana, espalhado por todo o New York Times, estava um texto sobre um artigo escrito por Kevin Hall, um pesquisador sênior do Instituto Nacional de Saúde. Ele foi publicado na revista Obesity e entitulado “Adaptação metabólica persistente 6 anos após a competição ‘The Biggest Loser’“. Isso gerou um bocado de barulho sobre a futilidade da perda de peso.


New York Times: Depois de ‘The Biggest Loser,’ seus corpos lutaram para reganhar o peso


O estudo, junto com outro estudo apresentado por Kevin Hall pareceu gerar mais ansiedade sobre a hipótese da insulina estar morta. É claro, ambos os estudos encaixam-se perfeitamente com a visão hormonal da obesidade e reforçam novamente a futilidade de seguir uma redução calórica como abordagem primária. Você pode reler minha série de 50 partes sobre Obesidade Hormonal se quiser uma visão mais aprofundada.


Então, vamos explorar as descobertas de ambos os excelentes artigos do Dr. Hall. Suas conclusões, bem, vamos apenas dizer que eu não concordo com elas. Os estudos, entretanto, foram muito bem-feitos.


The Biggest Loser


Vamos começar com o primeiro artigo, sobre The Biggest Loser. Essencialmente, o que ele fez foi acompanhar 14 dos 16 competidores. Ao final do show, todos eles tinham perdido quantidades significativas de peso seguindo uma abordagem “coma menos e mova-se mais”. Os competidores comeram cerca de 1000-1200kcal/dia e exercitaram-se como loucos.


O que o estudo mostrou é que o metabolismo basal cai como um piano atirado do Edifício Empire State. Ele despenca. Eles queimam cerca de 800kcal a menos por dia, do que anteriormente. O novo artigo mostra que essa taxa metabólica não recuperou-se 6 anos depois.


Em outras palavras, se você reduzir as “calorias que entram”, as “calorias que saem” vão cair automaticamente. Isso faz sentido. Se seu corpo normalmente consome 2000 calorias por dia e queima 2000, então o que acontece quando você come apenas 1200 calorias ? Vamos usar o método socrático e fazer uma questão relacionada.


Se você normalmente ganha $100.000 por ano e gasta $100.000, o que acontece quando a sua renda reduz-se para $50.000 ? Bem, você não é estúpido e não quer acabar na cadeia como devedor, então seus gastos caem para $50.000. Bem, nosso corpo não é estúpido também. Se comemos 1200kcal, automaticamente ajustamos ao queimar 1200kcal. O corpo não quer morrer, e nem eu. Por que assumiríamos que o corpo ainda queima 2000 calorias ? Ele não é tão estúpido.


Então, enquanto todos ficamos obcecados em reduzir as “calorias que entram”, na prática isso é virtualmente irrelevante para a perda de peso no longo prazo. São apenas as “calorias que saem” que contam. Se você puder manter altas as “calorias que saem”, então você tem uma chance de perder peso. Mas redução calórica como abordagem primária (CRAP) não vai fazer isso por você. Esse método garantidamente vai falhar. Esse método de perda de peso, na literatura, tem uma taxa de falha de 99%. Nesse estudo, 13 de 14 competidores do Biggest Loser falharam – uma taxa de 93%. Que era esperada.



Padrão dietético low-fat e mudança de peso ao longo de 7 anos: 

O estudo de modificação dietética da Iniciativa da Saúde da Mulher

Círculos brancos: dieta normal

Círculos pretos: comer menos e exercitar-se mais


Iniciativa da Saúde da Mulher, estudo com 50.000 mulheres, provou isso em 2006. Essas mulheres reduziram sua ingestão calórica em mais ou menos 350kcal/dia. Elas esperavam perder mais de 13.5kg/ano. Ao longo de 7 anos, perderam… 100g! Caramba, isso é aproxidamente o peso de uma boa ida ao banheiro. Hmmm. Ficar 7 anos em “coma menos, mova-se mais” ou dar uma bela ida ao banheiro ? A diferença foi a mesma…


Que reduzir as calorias causava um desabamento no metabolismo basal já estava provado muito tempo atrás, nos anos 1950, pelo saco de pancadas favorito da história da nutrição, o Dr. Ancel Keys. Seu famoso “Estudo da Fome de Minnesota” na prática não foi um estudo sobre a fome. Os participantes eram postos em dietas de aproximadamente 1500kcal/dia. Isso representava uma redução de 30% na sua dieta anterior. Eles também eram forçados a andar cerca de 32km por semana. Então essa era uma abordagem tipo Biggest Loser – coma menos, mova-se mais, turbindada. O que aconteceu ao seu metabolismo basal ? Eles comeram cerca de 30% menos, e seu metabolismo basal reduziu-se em cerca de 30%. Eles sentiram-se com frio, cansados, famintos. E à medida que comeram, todo o seu peso retornou.


É a isso que às vezes é dado o nome “modo de fome” (“starvation mode”). É o que as pessoas imaginam que aconteça quando seu corpo começa a desligar-se para conservar energia. O metabolismo basal (as calorias que saem) diminui e você se sente um lixo. À medida que come menos, seu corpo queima menos calorias de maneira que a perda de peso eventualmente estagna. Então você se sente uma m*rda e decide comer um pouco mais (seus hormônios de fome também estão subindo como um foguete), mas não tanto quanto costumava. Mas as suas “calorias que saem” estão tão baixas que você reganha peso. Soa familiar ? Acontece com cada praticante de dieta por aí. O que é injusto é que seus amigos e família culpam a vítima por ter “perdido o bonde” ou por não ter tido força de vontade suficiente. Na prática, seu conselho alimentar – comer menos e mover-se mais – está fadado a falhar. Então não culpe a vítima quando ela falha.


Aqui está o que sabemos até agora.


  1. Cortar calorias te coloca em “modo de fome”
  2. A chave para perder peso no longo prazo é manter o metabolismo basal ou manter altas as “calorias que saem”


Atividade do gasto energético (AEE), efeito térmico do alimento (TEF) e gasto energético em repouso (REE) como percentuais do gasto energético total (TEE)


Nós precisamos manter o metabolismo basal alto. O que é que não te coloca em modo de fome (“starvation mode”) ? Fome de verdade (jejum – “starvation”)! Vemos esse efeito com alguns estudos de jejum ou de cirurgia bariátrica.


Então o que acontece na cirurgia bariátrica ? Ela também é chamada de redução de estômago. Porque quando o estômago fica do tamanho de uma noz, as pessoas não podem comer. Sua ingestão calórica cai para muito perto de zero. Jejuar tem o mesmo efeito, exceto que é uma redução voluntária das calorias na direção do zero. O que acontece com o metabolismo basal ? Ele é mantido! Um dos participantes do Biggest Loser de fato sofreu cirurgia bariátrica. O que chama atenção é que sua taxa metabólica na verdade começou a subir de volta!


Vamos pensar sobre o que está acontecendo aqui (você também pode consultar a minha série sobre jejum). À medida que você jejua, há um número de mudanças hormonais que NÃO acontecem na simples redução calórica. Seu corpo sente que você não está recebendo comida. O Hormônio do Crescimento aumenta. A noradrenalina aumenta. A insulina cai. Esses chamados hormônios contra-reguladores são reações naturais ao jejum. Eles mantêm a glicemia normal. Os hormônios do crescimento mantêm a massa magra. A noradrenalina mantém o metabolismo basal alto.


Estudos de cirurgia bariátrica mostram o mesmo. O gasto energético em repouso (calorias que saem) é mantido independente das calorias que entram serem severamente restritas (gráfico acima).


Em 4 dias de jejum, o metabolismo basal não cai – ao invés, ele aumenta 12%. A capacidade de exercício (medida pelo VO2) também é mantida.


Vamos pensar no que está acontecendo aqui. Imagine que somos homens das cavernas. É inverno. Nós não comemos nada nos últimos 4 dias. Se nossos corpos entrassem em “modo de fome”, então ficaríamos letárgicos, cansados e com frio. Não teríamos energia para sair e arranjar comida. A cada dia pioraria. E eventualmente, morreríamos. Uau! Por que achamos que nossos corpos são tão estúpidos ? Eu não quero morrer.



Taxa de oxidação de gorduras, proteínas e carboidratos x Dias de jejum


Não, ao invés disso o que acontece é que o corpo abre seu grande suprimento de comida armazenada – gordura corporal! Yeah! Nós mantemos o metabolismo basal alto, e ao mudamos a fonte de combustível da comida para a comida armazenada no estoque. Agora temos energia suficiente para sair e caçar um belo mamute.


Não há “modo de fome” na fome de verdade (jejum). Desde que seu percentual de gordura permaneça acima de mais ou menos 4%, você está bem. Mas você não queima proteína ? Não, aqui está o que acontece segundo um estudo do próprio Dr. Hall sobre jejum.


Você pára de queimar açúcar (carboidratos) e passa a queimar gordura. E olha que boas notícias: tem um bocado de gordura estocada aí. 


Adaptação metabólica seguida a uma perda de peso maciça



Na prática, houve uma comparação direta entre os pacientes de cirurgia bariátrica e os competidores do Biggest Loser. No gráfico, você pode ver que a taxa metabólica foi medida nos participantes do Biggest Loser (BLC). Sua taxa metabólica continua caindo, caindo, caindo…E é o que o New York Times reportou também.


Mas observe o grupo dos pacientes submetidos a cirurgia bariátrica (RYGB). Sua taxa metabólica desacelera e depois recupera-se. E eis o fim da diferença entre perda de peso no longo prazo e uma vida inteira de desespero.


The ketogenic diet study


Em um artigo relacionado, Hall apresenta dados sobre dieta cetogênica. Ele mediu a perda de gordura em sua ala metabólica. Ele usou uma dieta regular ou uma dieta cetogênica (muito pobre em carboidratos). Ele mostrou que a dieta cetogênica reduziu os níveis de insulina, que as pessoas queimaram gordura (medida pela oxidação de gorduras) e que as pessoas perderam mais peso. Excelente.


Entretanto, suas belas medidas da gordura corporal também mostraram que a taxa de perda de gordura corporal reduziu-se. Então ele disse que isso “prova” que não há vantagem metabólica em dietas cetogênicas.


Bobagem. Eu tenho minhas dúvidas sobre se um exame DXA (N.T.: Mecanismo de avaliar gordura corporal) pode, na prática, medir frações de kg de gordura perdidos. De qualquer maneira, o principal é que as pessoas perderam peso e ainda estavam perdendo gordura. Entretanto, o que ele menciona de passagem é de longe mais interessante. Ele nota que a dieta cetogênica não produz qualquer lentidão do metabolismo.


Essa é a medalha de ouro, meu camarada!


Ao longo de 25 dias mais ou menos, não há redução do metabolismo? Essa é a parte mais importante da perda de peso no longo prazo! É a linha que divide o sucesso e a falha. A diferença entre lágrimas de alegria e de pesar. No Biggest Loser, participantes baixaram suas taxas metabólicas basais em 500kcal/dia. Na dieta cetogênica , eles continuam queimando essa mesma quantidade – AINDA QUE ESTEJAM PERDENDO PESO.


Então vamos recapitular:


  • Cortar calorias te coloca em modo de fome (starvation mode)
  • A chave para perder peso no longo-prazo é manter o metabolismo basal ou aumentando as calorias que saem.
  • A falha do “coma menos, mova-se mais” está comprovadamente perto dos 99%. Isso permanece sendo a recomendação dietética favorecida pela maioria dos médicos e nutricionistas.
  • Fome real (starvation) (jejum  ou cirurgia bariática) não te põem em “modo de fome” (starvation mode).
  • Dietas cetogênicas não te poem em estado de fome (starvation mode).

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