Reductio ad absurdum

Reductio ad absurdum. Literalmente, “redução ao absurdo”. Trata-se de um argumento lógico no qual, partindo-se das premissas, a conclusão obtida é absurda. Como a conclusão absurda não pertence ao reino do possível, deduz-se que ao menos uma das premissas está errada.

A primeira vez que fui apresentado a este argumento foi no apêndice do livro Cosmos, de Carl Sagan, ainda nos anos 80 (leia mais sobre Sagan nesta postagem). Naquele apêndice, estava a prova matemática de que a raiz quadrada de 2 é um número irracional (ou seja, não pode ser obtido pela divisão de quaisquer dois números inteiros). Não se preocupe, não vou colocar os cálculos aqui (mas, para quem tiver curiosidade, eis a reprodução daquele apêndice). O que importa é que, partindo da premissa de que a raiz quadrada de 2 pudesse ser obtida pela razão entre dois números inteiros, encontram-se impossibilidades matemáticas. Por este motivo, deduz-se que a raiz quadrada de 2 é irracional – não existe outra alternativa, pois aceitar a premissa levaria à aceitação do absurdo matemático. Reductio ad absurdum.

Na postagem anterior, sobre o viés do paciente bem comportado, foi exatamente este o argumento empregado por mim. Vejamos um trecho daquela postagem:

O estudo do efeito da adesão ao tratamento (dentro do Coronary Drug Project de 1975) permitiu testar, pela primeira vez, a magnitude real do impacto de tais variáveis. Como a intervenção em questão era placebo, a totalidade da diferença observada foi gerada exclusivamente por variáveis de confusão. E o desfecho observado foi mortalidade por todas as causas (ou seja, não poderia haver erro de aferição ou subjetividade). A magnitude do efeito foi da ordem de 13% de diferença absoluta de mortalidade. E a análise multivariada, a despeito de ter sido conduzida ad hoc por bioestatísticos que já sabiam que a totalidade desta diferença era espúria, ainda assim foi incapaz de reduzir de forma significativa tal diferença, indicando que o controle matemático das variáveis de confusão é um jogo de adivinhação com resultados pífios – longe de ser a ciência exata que os ingênuos imaginam.

Em outras palavras: se partirmos do pressuposto de que o ajuste matemático (análise multivariada) é capaz de eliminar os vieses que diferenciam quem toma corretamente o placebo de quem não toma, e se quem toma corretamente o placebo ainda assim morre cerca de 10% menos do que quem não toma (mesmo após tais ajustes), somos forçados a concluir que o placebo é a droga mais eficaz jamais inventada para doenças cardiovasculares. Como isso é completamente absurdo, só nos resta refutar a premissa. Estudos observacionais são irremediavelmente problemáticos por vieses que não são controláveis. Reductio ad absurdum.

Um excelente artigo foi publicado em 2009 com o único objetivo de alertar para este tipo de coisa – um belo exemplo de reductio ad absurdum:

Os autores identificaram todas as pessoas usando estatinas na área de British Columbia, no Canadá. Através dos bancos de dados da medicina socializada daquele país, foram identificados os indivíduos que retiravam corretamente suas medicações e os que esqueciam de fazê-lo ou não seguiam a prescrição médica. Mais uma vez, temos pessoas bem comportadas e pessoas mal comportadas. Mais uma vez, foram feitos os ajustes matemáticos (análise multivariada) que, em tese, deveriam remover os efeitos de diferenças em taxa de tabagismo, sedentarismo, obesidade, etc. O que os autores encontraram?

Quem usou suas estatinas corretamente teve uma redução (risco relativo) de 28% na chance de infarto, quando comparado com quem não usou direito. Nada mais lógico, certo?

Mas, e quanto a isso?

Quem usou suas estatinas corretamente teve uma redução (risco relativo) de 25% na chance acidentes de carro, quando comparado com quem não usou direito. O quê??

Usar suas estatinas corretamente está associado ainda com uma redução de:

  • 12% no risco de queimaduras
  • 10% no risco de quedas
  • 8% no risco de fraturas
  • 9% no risco de feridas abertas
  • 14% no risco de envenenamento
  • 23% no risco de acidentes de trabalho

Se eu apenas houvesse dito que usar corretamente a medicação reduz o risco de infarto em 28%, você estaria ainda mais convencido de sua eficácia. Mas a escolha deliberada de desfechos completamente absurdos – afinal, por que o fato de NÃO usar um medicamento aumentaria dramaticamente a chance de sofrer envenenamento ou morrer no trânsito? – torna evidente que estamos frente a mais um caso de viés do paciente bem comportado. Quem usa corretamente seus remédios acaba adoecendo menos simplesmente por ser mais cuidadoso em tudo na vida – não necessariamente pelo efeito do remédio. Somos forçados a aceitar este fato devido ao absurdo das alternativas. Reductio ad absurdum.

Em 2012 o periódico médico mais importante do mundo, o New England Journal of Medicine, fez algo deveras incomum para uma publicação extremamente conservadora: publicou um artigo científico que era uma piada. A peça não-ortodoxa era a seguinte:

Os autores correlacionaram o consumo de chocolate per capita em diversos países com o número de prêmios Nobel que cada país ganhou. A correlação foi quase perfeita! Veja o gráfico:

Por muito menos do que isso, o mundo da epidemiologia nutricional foi convencido nos anos 1960 de que a gordura causava doença cardiovascular: 

Ancel Keys, estudo dos 6 países

Por que diabos o consumo de chocolate tem uma correlação tão perfeita (r=0.79, p<0,0001) com prêmios Nobel? Podemos especular para sempre, não é mesmo? Afinal, as variáveis de confusão são incontáveis, pois trata-se de um estudo epidemiológico / observacional. Minha especulação, em particular, é de que a variável oculta é Índice de Desenvolvimento Humano. Obviamente, sociedades com IDH alto apresentam tanto um sistema educacional excelente quanto renda extra para dedicar a itens não essenciais, como chocolate. Mas o importante é que você entenda, através do recurso ao absurdo, que gráficos como o de Keys, acima, correlacionando gordura e mortalidade cardíaca, oriundos de um estudo observacional / epidemiológico (e não de um ensaio clínico randomizado) são tão plausíveis quanto a correlação entre prêmios Nobel e chocolate. Perceba, ainda, que o método (estudo observacional) é falho: o fato de poder gerar resultados absurdos deve fazê-lo questionar aqueles resultados que só não são absurdos porque estão alinhados à ideologia vigente. O método não é menos falho apenas porque seu resultado foi mais plausível em uma instância específica.

Se você acredita piamente que a gordura na dieta irá causa doença cardíaca baseado exclusivamente em estudos observacionais / epidemiológicos, você deveria começar a entupir seus filhos de chocolate para aumentar suas chances de ganhar um prêmio Nobel. Reductio ad absurdum.

***

A armadilha da narrativa causal.

Nosso cérebro foi moldado pela evolução. A estratégia com maior chance de deixar descendentes é a estratégia que saiu vitoriosa. Um barulho na vegetação poderia ser um predador. Poderia ser apenas impressão nossa. Poderia ser o vento. Contemplar todas estas alternativas seria o mais correto, do ponto de vista epistemológico. Mas seria o caminho mais curto para virar refeição de outro animal. A seleção natural premiou não a precisão do pensamento dedutivo, e sim a heurística da intuição. “O barulho deve ser uma ameaça: vamos dar no pé”. Nas vezes em que não era uma ameaça, corremos em vão – mas isso não mata ninguém. Na vez em que era uma ameaça, sobrevivemos. Já nosso ancestral filósofo, esse virou o jantar de um predador.

Assim, é natural que nosso cérebro tente aplicar narrativas de causalidade – a inferência, em geral incorreta, de que A é a causa de B, simplesmente por que uma ocorreu depois da outra. Já tratei sobre isso em uma postagem anterior, e reproduzo aqui alguns trechos relevantes (o texto não é meu, é de Jonah Leher):

O problema com esta presunção, entretanto, é que “causas” são um tipo estranho de conhecimento. Isto foi primeiramente demonstrado por David Hume, o filósofo escocês do século 18. Hume deu-se conta de que, embora as pessoas falem de causas como se fossem coisas reais – coisa tangíveis que podem ser descobertas – elas não são, em verdade, factuais. Ao invés disso, Hume disse, cada causa é apenas uma pequena história, uma conjectura cativante, uma “viva ideia produzida pelo hábito”. Quando uma maçã cai de uma árvore, a causa é óbvia: gravidade. O insight cético de Hume é que nós não vemos a gravidade – nós apenas vemos um objeto atraído pela Terra. Nós vemos X, e então Y, einventamos uma história sobre o que aconteceu entre os dois. Nós podemos medir fatos, mas uma causa não é um fato – é uma ficção que nos ajuda a fazer sentido a respeito dos fatos.A verdade é que nossas histórias de causa e efeito são obscurecidas por incontáveis atalhos de nossa mente. Na maior parte das vezes, estes atalhos funcionam suficientemente bem. Eles permitem que possamos rebater uma bola, descobrir as leis da gravidade, e projetar tecnologias incríveis. Não obstante, quando trata-se de raciocinar sobre sistemas complexos – digamos, o corpo humano – estes atalhos deixam de ser truques eficientes da mente e tornam-se completamente enganadores.Considere o clássico conjunto de experimentos desenhado pelo psicólogo belga Albert Michotte, conduzidos pela primeira vez na década de 1940. A pesquisa mostrava uma série de filmes curtos sobre uma bola azul e uma bola vermelha. No primeiro filme, a bola vermelha corre pela tela, toca na bola azul, e pára. A bola azul, enquanto isso, começa a mover-se na mesma direção em que vinha a bola vermelha. Quando Michotte pediu às pessoas para descrever o filme, elas automaticamente adotaram a linguagem da causalidade. A bola vermelha bateu na bola azul, e isto causou o movimento da mesma.Isto é conhecido como “efeito do lançamento”, e é uma propriedade universal da percepção visual. Embora não houvesse NADA sobre causa e efeito no curto filme de 2 segundos – era apenas uma montagem de imagens animadas – as pessoas não conseguiam deixar de contar uma história sobre o que havia acontecido. Elas traduziram suas percepções em uma crença de causa e efeito.Michotte então começou a manipular sutilmente os filmes, perguntando às pessoas como o novo filme mudava a sua descrição dos eventos. Por exemplo, quando ele introduzia uma pausa de 1 segundo entre o movimento das duas bolas, a impressão de causalidade (de causa e efeito) desaparecia. A bola vermelha não mais parecia causar o movimento da bola azul. Ao contrário, ambas bolas estavam se movendo por razões inexplicáveis.Michotte acabou conduzindo mais de 100 estudos deste tipo. Às vezes ele fazia uma pequena bola azul mover-se na frente de uma grande bola vermelha. Quando questionadas, as pessoas insistiam que a bola vermelha estava “perseguindo” a bola azul. Entretanto, se uma grande bola vermelha estava se movendo na frente de uma pequena bola azul, o oposto ocorria: a bola azul estava “seguindo” a bola vermelha.Há duas lições a serem aprendidas a partir desses experimentos. A primeira é que nossas teorias sobre um conjunto particular de causa e efeito são inerentemente perceptivas, infectadas por todos os truques e atalhos de nosso sistema visual (Michotte comparou as crenças de causalidade com a percepção visual de cores: nós captamos ou percebemos algo como sendo uma causa tão automaticamente quanto identificamos que uma bola é vermelha). E enquanto Hume estava certo – que causas nunca são vistas, apenas inferidas – a verdade nua e crua é que nós não temos como saber a diferença. Então nós olhamos para meras bolas se mexendo e automaticamente vemos causas, um verdadeiro melodrama de batidas e colisões, perseguição e fuga.A segunda lição é que explicações causais são uma super-simplificação. Isto é que as tornam úteis. Nos permitem fazer sentido do mundo em um rápido olhar. Por exemplo, após assistir os filmes curtos, as pessoas imediatamente acomodavam-se com a explicação mais direta sobre as bolas ricocheteantes. Embora esta versão fosse percebida como verdadeira, o cérebro não estava atrás da verdade literal – estava apenas buscando uma história plausível que não contradissesse as observações visuais.Esta abordagem mental para a causalidade é frequentemente eficiente, e por isso mesmo está tão profundamente entranhada em nosso cérebro. Entretanto, estes mesmos atalhos nos metem em sérios problemas quando confiamos em nossos truques e hábitos de percepção para explicar eventos que não podemos perceber com os sentidos ou compreender com facilidade. Ao invés de aceitar a complexidade da situação – digamos, o emaranhado de relações de causa e efeito da rota metabólica do colesterol – nós insistimos em fingir que estamos vendo uma bola azul e uma bola vermelha chocando-se uma com a outra. Há um descompasso fundamental entre a forma com que o mundo funciona e a forma que pensamos que ele funciona.[…]A dependência de correlações está entrando em um era de retornos decrescentes. Pelo menos dois fatores contribuem para esta tendência. Primeiro, todas as causas fáceis já foram encontradas, o que significa que os cientistas são agora forçados a pesquisar por correlações cada vez mais sutis, peneirando uma montanha de fatos em busca das menores associações. Seria esta uma nova causa? Ou apenas uma flutuação estatística? A linha está ficando cada vez mais tênue; a ciência está ficando difícil. Segundo – e este é o grande problema – procurar correlações é uma péssima forma de lidar com o grande tópico da maior parte da pesquisa moderna: as redes complexas que constituem o cerne da vida. Enquanto as correlações nos ajudam a traçar as relações entre medições independentes, como a ligação entre fumo e câncer, elas são muito menos eficientes em dar sentido à sistemas nos quais as variáveis não podem ser isoladas. Tais situações requerem que compreendamos todas as interações antes possamos entender qualquer uma delas de forma confiável. Dada a natureza bizantina da biologia, isso costuma ser uma fardo intimidante, requerendo do pesquisador que não apenas mapeie a rota metabólica completa do colesterol, mas também de que forma esta rota está inserida em outras rotas (negligenciar estas interações secundárias e mesmo terciárias começa a explicar a falha do torcetrapib, que teve efeitos não antecipados na pressão sanguínea. Também ajuda a explicar o sucesso do Lipitor, que parece ter efeitos secundários na redução da inflamação). Infelizmente, nós frequentemente desconsideramos esta estonteante e intrincada complexidade, buscando em vez disso a mais simples das correlações. É o equivalente cognitivo de trazer um canivete para uma disputa de armas de fogo.

***

Releia, se necessário, o primeiro exemplo que citei no início dessa postagem (sobre o uso correto das estatinas). E pense: se não fosse o reductio ad absurdum, você não estaria 100% persuadido sobre a correlação ali colocada? Não faz TOTAL sentido que quem toma corretamente seu remédio para colesterol tenha menos infartos, PORQUE controla melhor o seu colesterol (uma inferência de causalidade)? É inevitável aplicarmos, de forma instintiva, a narrativa causal. É apenas quando vemos tal que a narrativa causal nos levaria ao absurdo (tipo “não tomar o remédio aumenta os acidentes de carro”), que nos damos conta, em uma dessas raras epifanias, que a narrativa causal é apenas isso – uma NARRATIVA. Ela não é real. Existe apenas na nossa cabeça, como uma forma (muitas vezes impulsiva e precipitada) de explicar o mundo, com a mesma pressa de quem ouve o ruído na vegetação e sai correndo.

Só existe uma forma de evitar essa cilada. É preciso repetir, todos os dias, várias vezes por dia, em voz alta se possível, o seguinte adágio: “correlação não implica causa e efeito”. Sempre – SEMPRE – que ler um artigo, ou a mais nova manchete sobre saúde – pergunte-se se é um estudo observacional / epidemiológico. Se for, o seu trabalho consiste em imaginar explicações alternativas, variáveis ocultas, etc. Pois quando uma associação (mesmo as comprovadamente espúrias, como demostrado acima) alinha-se com o senso comum vigente, é absolutamente atávico e instintivo que se tenda à falsa narrativa de causalidade. Como já escrevi antes:

Estudos observacionais e epidemiológicos capturam os vieses, o zeitgeist, os preconceitos de uma época, e o reproduzem. Mais do que isso, embora não possam estabelecer causa e efeito, acabam sendo interpretados de forma a reforçar a causa presumida daquilo que estudam, sob a ótica dos preconceitos e diretrizes vigentes.

 Lutar contra isso requer esforço e prática. E constante vigilância.

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Bônus:

Como a imprensa (especialmente a de língua portuguesa) escreveu sem nenhuma crítica sobre o artigo do chocolate versus prêmio Nobel.

Embora o estudo da correlação entre o consumo de chocolate e a quantidades de prêmios Nobel tenha sido uma forma de chamar atenção, através do reductio ad absurdum, para o erro de estabelecer falsas narrativas de causalidade em estudos puramente observacionais, houve (sempre há, não deixe de ler) quem não tenha entendido a ironia, e tenha levado a sério. Leia, é muito engraçado:

Estudo afirma que país que consome mais chocolate, ganha mais Prêmios Nobel

Quanto mais chocolate consumir a população de um país, mais prêmios Nobel vai conquistar, o que prova que o cacau pode aumentar a capacidade mental de seus consumidores, segundo um estudo publicado nesta quinta-feira na respeitada revista médica New England Journal of Medicine.

Os flavonoides, poderosos antioxidantes presentes nos grãos de cacau, o chá verde e o vinho tinto demonstraram a capacidade de reduzir o risco de demência e melhorar a função mental nos idosos, explica Franz Messerli, da Universidade de Columbia (Nova York) e autor da pesquisa.

“Dado que o chocolate hipoteticamente pode melhorar a função cognitiva nos indivíduos e, por isso, a população em seu conjunto, me perguntava se poderia existir uma correlação entre o consumo de cacau em um país e a capacidade mental de sua gente”, disse ainda, com um toque de humor.

“Que eu saiba, não há dados disponíveis que meçam as funções mentais de toda uma nação”, acrescentou. “Portanto, é concebível que o número total de prêmios Nobel per capita possa dar alguma medida da função cognitiva geral de um país”, acrescentou.

Segundo suas observações, “há uma correlação significativa surpreendente entre o consumo de chocolate per capita e o número de prêmios Nobel por cada dez milhões de pessoas em um total de 23 países”.

A Suíça encabeça tanto o número de prêmios Nobel como a quantidade consumida de chocolate, afirma Messerli, que diz ter utilizado as estatísticas de consumo fornecidas por diferentes fabricantes.

Estados Unidos, França e Alemanha se encontram no meio, enquanto a China, o Japão e o Brasil estão no final da classificação.

A Suécia é a exceção. Enquanto, segundo os cálculos, com 6,4 quilos de chocolate consumidos por habitante por ano os suecos deveriam ter conquistado cerca de 14 prêmios Nobel, na realidade acabaram levando 32 ao todo.

Há duas explicações possíveis, ironizou o pesquisador: “O Comitê Nobel de Estocolmo pode ter favorecido os suecos, ou os suecos podem ser particularmente sensíveis aos efeitos do chocolate”.

O cientista acrescentou que estes dados se baseiam no consumo médio por país e que a quantidade de chocolate consumida individualmente pelos ganhadores do Nobel “é desconhecida”, da mesma forma que as doses acumuladas de cacau necessárias para aumentar as possibilidades de ganhar um Nobel.

O texto acima é didático – um exemplo de como não fazer:

  1. Confusão TOTAL de associação com causa e efeito;
  2. Atribuição de explicações causais impróprias;
  3. Credulidade bizarra de quem escreveu o artigo;

Perceba – se o artigo fosse sobre carne vermelha, consumo de proteínas, etc, as mesmas 3 características estariam presentes, mas como o resultado seria “plausível” à luz do senso comum vigente, eu estaria recebendo dezenas de emails com a frase “e agora, o que o senhor tem a dizer sobre isso?”.

Clique aqui para ler algo um pouco menos ridículo, com senso crítico embrionário no segundo parágrafo, na BBC Brasil;

Clique aqui para ler a confirmação de que o artigo do New England era, de fato, apenas humor sofisticado (sim, há pessoas que até hoje acham que o artigo era sério);

Clique aqui para uma crítica inteligente (tentei achar alguma na imprensa, mas não consegui).

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Bonus 2

Há estudos observacionais para todo o gosto.

Como estudos observacionais estão sujeitos a todo o tipo de variáveis de confusão, você pode corroborar basicamente qualquer coisa com eles. No caso de Ancel Keys, houve a escolha premeditada de países que corroborassem à priori a sua teoria (de que a gordura na dieta causa doença cardiovascular), além da flagrante exclusão de países que a contradiziam (como França, Alemanha, Suíça e Espanha, para citar alguns). Então, apenas para que você não fique preocupado com o gráfico de Keys, acima, reproduzo, abaixo, um estudo contemporâneo, mas que incluiu todos os países da Europa, e não apenas uns poucos escolhidos:

Como se vê, a correlação é inversa (mais gordura saturada, menos mortalidade cardiovascular). E o que isso prova? Não prova NADA, obviamente, pois é um estudo epidemiológico / observacional. (na verdade, como você pode ler nessa postagem, a relação inversa torna a causalidade ainda mais improvável). Apenas serve para que você entenda que epidemiologia nutricional é um saco de gatos, com resultados para todos os gostos, e com fortes tendências à pseudo-ciência (simplesmente pare de dar bola para esse tipo de coisa!).

O que realmente interessa são os ensaios clínicos randomizados, os únicos tipos de estudos que justificam fazer inferências de causa e efeito. Clique aqui para ler o que eles dizem.

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