Colesterol I

Há muitos meses tenho pensado em escrever sobre este assunto espinhoso. Mas, enfim, chegou a hora de desmontar mais alguns mitos. Serão provavelmente vários posts. E este primeiro post tentará responder a pergunta mais básica: de onde veio a ideia de que colesterol elevado é uma coisa ruim?

Sim, eu sei, há 40 anos “sabemos” que colesterol faz mal. Mas, se você tem acompanhado este blog, já percebeu que tenho certo gosto em questionar os dogmas. Vamos ver o que acontecerá com este grande dogma após cuidadoso escrutínio.

Como tudo começou?

A seguinte recapitulação histórica pode ser encontrada em detalhes no livro “Good Calories, Bad Calories“.

Desde o século 19 já se sabia que as placas de ateroma nas artérias continham colesterol. Em função disso, o patologista russo Nikolaj Anitschkow realizou experimentos em coelhos, nos quais os alimentou com colesterol puro diluído em azeite de oliva. Os coelhos apresentaram depósitos de colesterol nas artérias. Também apresentaram depósitos de colesterol em tendões e outros tecidos conjuntivos. Isso não chega a ser surpresa pois, sendo os coelhos herbívoros, é evidente que não estão metabolicamente equipados para consumir colesterol, acumulando-o em diversos tecidos, coisa que não ocorre em humanos. Hoje está claro que estes experimentos apenas provam que coelhos não deveriam comer carne, mas na época ajudou a postular a hipótese de que o colesterol elevado no sangue era a causa de seu depósito na parede das artérias (não obstante o fato de que ovelhas, gado, cavalos e babuínos, todos herbívoros, apresentam placas de aterosclerose embora comam exclusivamente de plantas).

Esta teoria lipídica da doença cardiovascular não teve uma vida fácil na primeira metade do século 20. Já em 1936, estudos de necrópsia realizados em pacientes que morreram por causas violentas demonstraram que a incidência e severidade da aterosclerose não tinha relação alguma com os níveis de colesterol dos falecidos.

Ancel Keys. Este é o nome responsável por aquilo que sempre lhe disseram, no que diz respeito a dieta, colesterol e doença cardiovascular. Keys conhecia os estudos com coelhos, e acreditava que o colesterol elevado era a causa da aterosclerose. No entanto, Keys conduziu um estudo com voluntários que aceitaram consumir quantidades variáveis de colesterol na dieta. Keys observou que a quantidade de colesterol na dieta não tinha nenhuma relação com o colesterol no sangue (incrivelmente, muitos médicos em 2012 ainda não sabem disso). Então, em 1951, durante uma conferência na Itália, Keys conversou com um cientista de Nápoles que lhe disse que doença cardíaca não era problema em sua cidade. Keys então visitou Nápoles e descobriu que a população realmente era quase livre de doenças cardíacas, exceto pelos ricos. Descobriu ainda que o colesterol dos pobres era menor que o dos ricos, e que estes últimos comiam mais carne e mais gordura. Com base nestas observações, Keys convenceu-se de que a diferença crítica entre os que apresentavam doenças cardíacas e os que não apresentavam era o consumo de gordura na dieta. Evidentemente, há muitas outras diferenças entre pobres e ricos (nível de atividade física, chance de morrer por outras causas, etc.), e o consumo de carne poderia ser apenas um marcador de classe social. Mas, como Keys já estava previamente convencido de sua teoria, precisava apenas encontrar os dados que a confirmassem – o oposto do que propõe o método científico.

Alguns meses mais tarde, Keys enunciou sua teoria de que a gordura na dieta elevava o colesterol, e o colesterol elevado causava doença cardíaca. Esta teoria foi recebida com grande ceticismo. Em 1953, Keys publicou um estudo (o famoso estudo dos 6 países) em que demonstrava que os países com maior consumo de gordura apresentavam mais doença cardíaca:

Em 1957, Jacob Yerushalmy and Herman Hilleboe publicaram uma detalhada crítica do estudo, salientando que Keys havia escolhido apenas os 6 países que davam maior suporte à sua teoria, embora houvesse dados disponíveis para 22 países. Quando todos os 22 países foram computados, o gráfico mostrava um efeito bem mais atenuado:

 Observe, por exemplo, que a mortalidade cardíaca na Holanda, Dinamarca, Noruega e Alemanha era muito menor do que a dos Estados Unidos, Canadá e Nova Zelândia e, no entanto, o consumo de gordura era o mesmo. Ainda assim, um certo grau de correlação permanece.

Hoje sabemos de muitas outras fraquezas do estudo dos 6 países. O consumo de gordura era calculado pela quantidade de gordura disponível no país, dividido pelo número de habitantes (independentemente de a gordura virar comida ou sabão), e as doenças eram avaliadas pelos atestados de óbito (uma fonte de informação extremamente pouco confiável). Se hoje já criticamos os estudos feitos com questionários alimentares, o que dizer disso?

Ainda em 1957, a associação americana de cardiologia (AHA) criticava fortemente a hipótese de Keys – estava claro que não havia evidência suficiente implicando a gordura na dieta com a elevação do colesterol, e esta elevação com a gênese de doença cardiovascular.

A hipótese lipídica da doença cardiovascular nasceu, portanto, de má ciência básica, sucedida por um estudo epidemiológico mal feito e capitaneada por alguém que estava convencido a priori do acerto de suas próprias teorias. No próximo post, tentaremos entender como a esta teoria cheia de falhas, amplamente rejeitada pelos próprios cardiologistas da época, em pouco tempo conquistou a aura de dogma inquestionável.

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