Nos post anteriores, vimos como a teoria lipídica da doença cardiovascular surgiu da combinação da extrapolação de estudos em coelhos e de estudos epidemiológicos incrivelmente mal feitos.
Como seria de se esperar, as hipóteses levantadas foram amplamente submetidas a testes, através de grandes estudos envolvendo milhares de pacientes. Os resultados?
MRFIT (Multiple Risk Factor Intervention Trial) – este foi o maior estudo prospectivo e randomizado que tinha como objetivo testar a hipótese de que a modificação de vários fatores de risco, incluindo adotar uma dieta pobre em gorduras, fosse diminuir a mortalidade. O ano era 1972, e o estudo recrutou 12866 homens considerados de alto risco cardiovascular e os sorteou para dois grupos: um grupo controle e outro com orientação para cessar o tabagismo, tratar a hipertensão e uma dieta para baixar o colesterol. A dieta consistia no seguinte: reduzir a gordura saturada para menos de 10% das calorias (em 1976 foi baixado para menos de 8%), colesterol na dieta para menos de 300mg, e aumento das gorduras poliinsaturadas para 10% das calorias. Após 7 anos de seguimento, não houve nenhuma diferença estatisticamente significativa na mortalidade entre os grupos (o grupo controle morreu um pouco MENOS). Os fumantes, quando considerados isoladamente, morreram mais que os não fumantes.
Pessoalmente, acho que uma dieta pobre em gorduras e rica em carboidratos foi tão deletéria que contrabalançou os benefícios de parar de fumar e tratar a hipertensão, mas o FATO é que o estudo foi negativo.
WHI (Women’s Health Initiative) – este estudo incluiu apenas mulheres (o MRFIT tinha apenas homens), e foram 48835 mulheres! Tinha como objetivo avaliar o efeito de uma dieta pobre em gorduras na saúde cardiovascular e na incidência de câncer de mama. As mulheres foram orientadas a consumir menos gordura e mais frutas e vegetais.
Depois de 8 anos de seguimento, a insossa dieta sem gordura não teve efeito significante em NENHUM dos desfechos: câncer de mama, todos os cânceres, doença coronariana, conjunto das maiores doenças crônicas ou mortalidade total.
Eu poderia escrever um livro aqui, citando todos os inúmeros estudos que tentaram sem sucesso provar a teoria de que uma dieta rica em gorduras pudesse fazer mal. Por sorte, não preciso, pois tais livros e blogs já foram escritos (alguns exemplos: aqui, aqui e aqui), e já postei previamente sobre este assunto.
A figura abaixo (consumo de gordura saturada versus mortalidade cardiovascular em mais de 40 países europeus), oriunda do excelente blog do Dr…, dispensa cometários:
É bem verdade que estudos como este não podem estabelecer causa e efeito. Mas vamos combinar que o fato de que os países com MAIOR consumo de gordura (em verde) terem os MENORES índices de doença cardíaca deveria ao menos plantar uma semente de dúvida em sua mente. O “paradoxo francês”, o fato de que os franceses têm os menores índices de doença cardiovascular de toda a Europa e ao mesmo tempo os maiores índices de gordura saturada de todo o continente (para sorte do nosso paladar)… bem, não é um paradoxo. Ou então é um paradoxo francês-suíço-italiano-islandês-sueco-dinamarquês-holandês-alemão-austríaco-noroeguês-filandês-britico-irlandês. Ou, quem sabe, o real paradoxo é que médicos e pesquisadores estejam tão apaixonados por sua hipótese lipídica frente a tantas evidências em contrário.
No próximo post, abordaremos a introdução das medicações para reduzir farmacologicamente o colesterol e o consequente interesse financeiro em reforçar a teoria lipídica da doença cardíaca a fim de vender remédios a pessoas saudáveis.