Exercício? Sim, mas não o que lhe recomendaram

**** Atualização ****

O leitor Adolfo Neto (http://professoradolfo.blogspot.com.br/), que é pesquisador, corredor e estudioso do assunto – e, portanto, mas qualificado do que eu para escrever sobre exercício, me mandou algumas críticas pertinentes ao artigo abaixo.

Assim, preciso deixar claro algumas coisas:

1) Longe de mim sugerir que a corrida (e demais esportes de “endurance”) sejam ruins para a saúde. QUALQUER modalidade de esporte é melhor que o sedentarismo.

2) Se correr faz mal para sua saúde? Bem, eu não disse isso no artigo abaixo, embora eu pense que correr demais (seja lá o que for isso, mas com certeza maratonas se enquadrariam) faz mal sim. Acontece que os MOTIVOS das pessoas são diferentes. Alguns se exercitam pela saúde, outros para superar suas próprias marcas, outros por competição, outros ainda pelo “runner’s high”. No artigo que se segue, quis me referir exclusivamente àqueles que se exercitam com o objetivo de “queimar calorias” para emagrecer.

3) A foto do artigo abaixo, embora seja engraçada, é uma coisa forçada. Obviamente o maratonista escolhido foi o sujeito com aspecto mais doentio que encontraram, e o cara dos 100 metros rasos daquela foto foi flagrado no antidopping por uso de anabolizantes. Era apenas para passar a mensagem de que a prática crônica de exercício aeróbico pode levar à perda de massa muscular, especialmente nos atletas não cetoadaptados, pois acabam canibalizando os próprios músculos no processo.

***** fim da atualização *****

Há algum tempo penso em escrever sobre exercício. O livro “The smarter science of slim”, de Jonatan Bailor (sobre o qual pretendo escrever mais em postagens futuras), aborda o tema de forma magistral. Como exercício não é exatamente minha área de expertise, vinha adiando este projeto.

Antes de mais nada, um alerta: embora seja possível praticar exercícios mesmo em dieta low carb cetogênica (menos de 40g de carbs ao dia), o corpo leva de 2 a 4 semanas para estar completamente ceto-adaptado (adaptado a usar gordura como fonte de energia no lugar glicose). Até que isso aconteça, há uma sensível queda da performance (pode haver inclusive mal estar e tontura). Assim, se você está iniciando este estilo de vida, espere pelo menos duas (ou mais) semanas antes de iniciar um programa de exercícios, sob pena de ficar frustrado. Se você já pratica, talvez tenha que diminuir a intensidade no início. Para mais detalhes sobre isso, consultar este livro.

O mesmo raciocínio equivocado do balanço calórico que faz com que as pessoas acreditem que a solução para emagrecer é comer pouco (“não importa o que você coma, só importa as calorias”), é o mesmo raciocínio que leva às noções equivocadas no que diz respeito ao exercício. Neste raciocínio, você deve ficar muitas horas por semana fazendo exercício aeróbico para “queimar calorias” e assim “queimar gorduras”. Hoje está bem demonstrado que o corpo desacelera o seu metabolismo basal durante o resto do dia para compensar os excesso que você faz com o exercício aeróbico, além de aumentar a fome – seu corpo evoluiu por milhões de anos para evitar que você definhe devido à falta de comida e ao trabalho árduo, e você é ingênuo se pensa que conseguirá ser mais esperto que a evolução.

Assim como, em termos de dieta, a ideia não é focar-se nas calorias, mas alterar os hormônios responsáveis pelo armazenamento de gordura (sendo a insulina o mais importante), também no exercício não importa quantas calorias são queimadas, e sim o tipo de exercício que aumenta os níveis de hormônio do crescimento e testosterona (hormônios anabólicos para a musculatura) ao mesmo tempo em que aumenta a sensibilidade dos tecidos à insulina e à leptina, levando a baixos níveis de insulina (o que leva à lipólise = perda de gordura) e mais saciedade (que é mediada pela leptina, entre outros hormônios).

E estes exercícios eficientes NÃO são os exercícios aeróbicos. Isto mesmo, você leu bem. Ficar uma hora na esteira vendo TV, ficar 50 minutos na máquina “elíptica” da academia, correr infindáveis quilômetros… Se você GOSTA disso, ótimo. Se você tem prazer com estas atividades, excelente. Se você faz isso para “queimar” calorias e forçar seu corpo a emagrecer, está perdendo seu precioso tempo. O que importa é a INTENSIDADE do exercício, e não sua duração. E exercícios realmente intensos simplesmente não podem ser feitos por muito tempo – é impossível.  O homem mais rápido do mundo faz um esforço absurdo e corre 100 metros em cerca de 10 segundos. DEZ SEGUNDOS. Não é possível correr naquele ritmo por muito tempo. Este tipo de esforço – que poderia ser chamado de “tudo ou nada” – leva a uma série de alterações metabólicas e hormonais que favorecem o desenvolvimento do tecido muscular e a queima de gordura, efeito este que persiste por DIAS após a realização da atividade. Já o exercício aeróbico prolongado, especialmente em pessoas que consomem muitos carbs (quase todos o casos), leva à exaustão do glicogênio dos músculos, seguido de canibalização dos próprios músculos para fornecer energia para o exercício contínuo e prolongado, além de uma DIMINUIÇÃO da taxa metabólica basal que dura por dias (seu corpo economiza calorias para compensar as que você gastou).

Como pergunta o autor de um texto sobre o assunto, qual corpo (abaixo) parece melhor para saúde e performance? E eu acrescentaria: qual corpo você preferiria ter (à esquerda, maratonista olímpico, à direita, corredor olímpico de velocidade – curta duração e alta intensidade)?


Este tipo de exercício, que realmente ajuda na perda de peso quando associado a uma dieta pobre em carboidratos refinados, é o Exercício Intervalado de Alta Intensidade, ou HIIT em inglês. Há muitas variações. Alguns exemplos são pedalar em uma bicicleta ergométrica com toda a força possível por 30 segundos, descansar 5 minutos, e repetir o ciclo mais algumas vezes. Ou correr o mais forte possível por 30 segundos, caminhar ou correr devagar 5 minutos, etc. Exercícios com peso com altas cargas e baixo número de repetições obtêm efeitos similares. Você deverá ter a orientação de um profissional qualificado para isso, é óbvio.

O importante é a mudança de paradigma: ao invés de fazer 90 minutos de tediosos exercícios aeróbicos 5x por semana, vc faz 20 minutos de exercício vigoroso 2x por semana. Não é mágica, e a literatura esportiva dá total suporte a esta abordagem.

Eis que o leitor Tiago Mello me manda um texto que fala exatamente sobre este assunto e, o mais raro, em português! E vejam que nada disso é novidade, o texto foi escrito há 12 anos. De lá para cá, só aumentou o número de estudos que corrobora este entendimento.

A verdade sobre aeróbios e emagrecimento

Paulo Gentil
20/05/2000

“Para reduzir a gordura corporal são necessários exercícios aeróbios de baixa intensidade e longa duração”. Certamente você ouviu esta frase milhares de vezes, porém eu posso lhe garantir que esta é uma das maiores mentiras da nossa história, sendo propagada devido à desinformação, falta de interesse, interpretação equivocada e ausência de senso crítico de alguns profissionais. A balela de qualidade de vida é outro argumento infundado até mesmo do ponto de visto psicológico, que é onde muitos pseudocientistas tem se refugiado. É incompreensível como uma atividade ineficiente que consuma grande parte de seu tempo disponível possa melhorar a vida de alguém. Não seria preferível elaborar um treinamento eficiente com uma baixa necessidade de tempo e proporcionar mais tempo para se usar com a família, lendo um livro, vendo um filme ou simplesmente descansando? Com certeza os exercícios aeróbios tem seu espaço, mas este espaço não é tão grande quanto muitos pretendem.

Em 1994 TREMBLAY conduziu uma pesquisa no Canadá que ajudou a acabar com o mito de que exercícios aeróbios de baixa intensidade sejam os mais eficientes para perda de gordura. A amostra era composta por indivíduos destreinados divididos em dois grupos. Um deles se exercitou por 20 semanas, iniciando os treinos a 65% da freqüência cardíaca máxima (FCM) e progredindo para 85%, cada treino durava entre 30 a 45 minutos e era realizado de 3 a 4 vezes por semana. O segundo grupo se exercitou por 15 semanas, executando aquecimento e em seguida 10 a 15 tiros de 15 até 30 segundos ou 4 a 5 tiros de 60 até 90 segundos. Os intervalos ocorriam até que a freqüência cardíaca chegasse a 120-130 bpm.

De acordo com os resultados, o grupo 1 (menos intenso) gastou mais que o dobro de calorias que o grupo 2 (120,4 MJ em comparação com 57,9MJ), porém os indivíduos do segundo grupo obtiveram uma redução no percentual de gordura bem maior que o primeiro.
Segundo TREMBLAY, “quando calculamos a quantidade de gordura perdida por caloria, o grupo 2 obteve um resultado nove vezes melhor”. A conclusão dos autores: “para um dado nível de dispêndio energético, exercícios vigorosos favorecem balanço calórico e balanço de lipídios negativos em proporções maiores que exercícios de intensidade moderada a média. Além disso as adaptações da musculatura esquelética ocorridas como resposta ao treinamento intervalado intenso parecem favorecer o processo metabólico do lipídios.”

Respire fundo e leia com atenção esta frase: “se o objetivo é perder gordura e o tempo for limitado, as pessoas devem se exercitar com segurança nas intensidades mais altas possíveis…”
esta foi a conclusão de GREDIAGIN et al (1995) quando submeteram dois grupos a diferentes intensidades de exercício (50% e 80% do VO2 máx, respectivamente), sendo que as atividades eram realizadas até que se chegasse ao total de 300 Kcal. Ao final do estudo ambos os grupos perderam a mesma quantidade de gordura, porém o grupo que se exercitou intensamente ganhou mais que o dobro de massa magra em relação ao outro.

Intensidades mais elevadas parecem influir também no aspecto nutricional, conforme verificado em um estudo de BRYNER et al (1997), onde os exercícios em freqüências cardíacas mais altas resultaram em maior redução da gordura, assim como diminuição da ingestão de gorduras saturadas e colesterol, o que não aconteceu em freqüências cardíacas baixas.

As atividades intensas levam vantagem até mesmo quando compara-se exercícios de mesmo dispêndio calórico total. Nesses casos é verificado que os de maior intensidade proporcionam gasto calórico mais elevado e maior degradação de carboidratos e gorduras após o treino, o que leva a crer que o período pós exercício deve ser levado em conta quando analisamos a eficiência das atividades.(CHAD et al, 1991; SMITH et al, 1993; PACHECO SÁNCHEZ, 1994; PHELAIN et al, 1997, KLAUSEN et al, 1999, LEE et al, 1999 ).

Porém quando relato vantagens relativas aos resultados obtidos com treinos intensos, não devemos nos prender a abordagem mecanicista. Se fossemos usar a matemática linear jamais conseguiríamos entender ou mesmo acreditar nesse fenômeno. Lembre-se que nosso sistema tem características não lineares, podendo responder de forma caótica aos diversos estímulos. Desta forma, por mais contraditório que pareça, o uso de treinos intensos (que praticamente não usam gorduras) altera os processos metabólicos (não temos certeza de quais estruturas) de modo a favorecer reações a queima de gordura e inibir seu acúmulo.

Considerações finais

As atividades aeróbias certamente tem seu valor, mas não realizam nem a décima parte do que lhe é atribuído. Caminhadas podem ser de grande valia, porém esses casos são exceções. Isto não significa que atividades pouco intensas sejam totalmente ineficientes, a questão é que elas não são “as” mais eficientes.

Especificamente para a redução da gordura corporal as atividades aeróbias de baixa intensidade são, digamos assim, uma prática inadequada. De onde surgiu esta teoria? Pode-se dizer que inicialmente foi da falta de conhecimento e até mesmo o paradigma mecanicista, propagando à medida que os profissionais abstinham-se em questionar o paradigma dominante. Deve-se perder o péssimo hábito de decorar literalmente textos de livros ao invés de analisar criticamente o que está escrito. Os livros de fisiologia dizem que durante atividades de baixa intensidade a quantidade relativa de gordura utilizada é maior. A palavra destacada diz tudo, é relativa ao total de calorias usadas.

Outra causa desta linha de raciocínio é a irritante simplicidade do tipo “se você usou mais gordura durante a atividade então esta atividade perde mais gordura”. Esta linha também culmina em teorias como: “se você comer gordura, vai ganhar gordura, se comer proteína vai ganhar proteína” e assim vai… Mas muitos se esquecem, ou simplesmente não sabem, o que acontece com o nosso corpo em resposta aos exercícios. a partir de uma abordagem mais integrativa e complexa, pode-se dizer então que as atividades físicas de maiores intensidades, especialmente os treinos intervalados são extremamente eficazes e recomendáveis para o processo de redução da gordura corporal.

(Nas academias há grande possibilidade de encontrarmos aulas com estas características, tudo depende da qualidade técnica do professor ao seguir os preceitos fisiológicos na elaboração da sua aula, lembre-se que a mesma modalidade pode almejar objetivos diferentes e até mesmo opostos. Algumas modalidades que podem ser úteis são: aulas despinningstep e lutas, além de treinos intervalados na ergometria)

Referências bibliográficas

BRYNER RW; TOFFLE RC; ULLRICH IH; YEATER RA The effects of exercise intensity on body composition, weight loss, and dietary composition in women. J Am Coll Nutr, 1997 Feb, 16:1, 68-73

CHAD KE; QUIGLEY BM Exercise intensity: effect on postexercise O2 uptake in trained and untrained women J Appl Physiol 1991 Aug;71(2) J Appl Physiol, 1991 Apr, 70:4, 1713-9

FRIEDLANDER AL; CASAZZA GA; HORNING MA; USAJ A; BROOKS GA Endurance training increases fatty acid turnover, but not fat oxidation, in young men. J Appl Physiol, 1999 Jun, 86:6, 2097-105

GREDIAGIN A; CODY M; RUPP J; BENARDOT D; SHERN R Exercise intensity does not effect body composition change in untrained, moderately overfat women. J Am Diet Assoc, 1995 Jun, 95:6, 661-5

KLAUSEN B; TOUBRO S; RANNERIES C; REHFELD JF; HOLST JJ; CHRISTENSEN NJ; ASTRUP A Increased intensity of a single exercise bout stimulates subsequent fat intake. Int J Obes Relat Metab Disord, 1999 Dec, 23:12, 1282-7

LEE YS; HA MS; LEE YJ The effects of various intensities and durations of exercise with and without glucose in milk ingestion on postexercise oxygen consumption. J Sports Med Phys Fitness, 1999 Dec, 39:4, 341-7

PACHECO SÁNCHEZ M; GRUNEWALD KK Body fat deposition: effects of dietary fat and two exercise protocols. J Am Coll Nutr, 1994 Dec, 13:6, 601-7

PHELAIN JF; REINKE E; HARRIS MA; MELBY CL Postexercise energy expenditure and substrate oxidation in young women resulting from exercise bouts of different J Am Coll Nutr, 1997 Apr, 16:2, 140-6

PHILLIPS S.M., “Effect of Training Duration on Substrate Turnover and Oxidation During Exercise,” J. Appl. Physiol. 81.5 (1996) : 2182-2191

RASMUSSEN, B. B. et al., “Effect of Exercise Intensity on Skeletal Muscle Malonyl-CoA and Acetyl-CoA Carboxylase,” J. Appl. Physiol. 83.4 (1997) : 1104-1109.

RASMUSSEN, B. B.,ADRIAN HUTBER C.; WINDER, W. W. Endurance training attenuates the decrease in skeletal muscle malonyl-CoA with exercise.J. Appl. Physiol. 1997 83: 1917-1922

SMITH, J.; MCNAUGHTON, L. “The Effects of Intensity of Exercise and Excess Post-Exercise Oxygen Consumption and Energy Expenditure in Moderately Trained Men and Women,” Eur. J. Appl. Physiol. 67 (1993) : 420-425.

TREMBLAY A; SIMONEAU JA; BOUCHARD C Impact of exercise intensity on body fatness and skeletal muscle metabolism. Metabolism, 1994 Jul, 43:7, 814-8VAVVAS, D., et al., “Contraction-Induced Changes in Acetyl-CoA Carboxylase and 5′-AMP-Activated Kinase in Skeletal Muscle,” J. Biol. Chem. 272.20 (1997) : 13255-13261.

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