Não é tão simples – o set point

Há cerca de um ano, quando comecei este blog, estava ainda sob forte influência do (sensacional) livro Why We Get Fat: And What to Do About It
e de minha própria experiência com dieta low carb. 

É preciso contextualizar. Nunca fui obeso, mas estive quase lá. Há quase 20 anos, cheguei a ter um IMC de 29,8 – comia doces e massa feito um condenado. Então, decidi que tinha que fazer alguma coisa. E fiz a única coisa que sabia fazer – cortar calorias radicalmente. Fiz uma dieta de menos de 1000 Kcal por dia, por vários meses (sim, eu sou uma pessoa disciplinada), e perdi 17 Kg (dos quais, hoje sei, uma parte razoável foi massa muscular). Ficava com fome todos os dias, me sentia fraco e sem energia mas, enfim, sou um testamento vivo (juntamente com a Etiópia) de que a restrição calórica crônica leva à perda de peso. Como costuma acontecer, o peso insistia em voltar. E, como sou disciplinado, periodicamente eu cortava calorias e perdia peso novamente – nunca chegava ao valor mais baixo que atingi nos idos de 1995, mas  evitava que aumentasse demais, com o famoso efeito sanfona. Acontece que em 1995 eu tinha 24 anos. Aos 40, a coisa era diferente. Eu tentava cortar as calorias, como fizera tantas vezes no passado, mas não perdia peso. Aos 24 anos, eu passava fome, mas emagrecia, e isso me dava ânimo para continuar. Agora, sem resultado, não conseguia passar fome mais do que uma ou 2 semanas.

Foi neste contexto, com IMC de 26,5 (sobrepeso), que – totalmente por acaso – eu tomei conhecimento do livro que mudou minha vida. Quando terminei o livro, ainda incrédulo, cortei os carboidratos da minha dieta, e comecei a perder peso de forma assombrosa. Era incrível, pois embora eu estivesse fazendo força para comer bastante (eu quase que torcia para que desse errado, e eu pudesse dizer “Viu? Esse livro é bobagem, só se pode perder peso com sofrimento e passando fome”), perdia peso em uma velocidade inacreditável. Em cerca de 3 meses havia perdido uns 10 Kg. Mais 2 meses e havia perdido 15Kg de gordura, e ganho 5Kg de massa magra (acrescentei musculação somente após a perda dos primeiros 10 Kg). Estava então magro como nunca, tive que trocar todo o guarda-roupa (2 números abaixo). Estava mais magro do que em 1995, mas agora com 40 anos, e minha dieta incluía idas semanais a um espeto corrido e omeletes diários no café da manhã. Eureka!

Imaginei que havia descoberto A CHAVE para resolver o problema do excesso de peso – afinal, para MIM havia dado certo. Com o passar do tempo, comecei a ter experiências mistas no consultório em com pessoas próximas. Algumas pessoas tinham resultados como os meus – uma minoria. A maioria tinha uma perda inicial rápida de peso, chegando a um platô (estabilização do peso), frequentemente muitos quilos acima do ideal. Uma outra minoria praticamente não perdia peso, mesmo fazendo tudo certo.

O estudo do Prof. Gardner, da Universidade de Stanford, foi o primeiro através do qual comecei a dar-me conta de que há um perfil de pacientes, com maior resistência à insulina, que responde melhor às dietas low carb. Mas foi o excepcional livro de Jenny Ruhl (Diet 101: The Truth About Low Carb Diets
), que deu origem à postagem sobre expectativas versus realidade, que me fez entender que as dietas de restrição de carboidratos são excelentes para o tratamento da síndrome metabólica e diabetes, mas que a perda de peso (embora seja superior à das dietas tradicionais) nem sempre atinge o ponto que desejamos.

O corpo tem vários “SET POINTS”, ou “pontos de equilíbrio”. Um set point é como um termostato. Você já teve um aquário com água aquecida? Há ali um termostato. Se a água esfria, o termostato liga o aquecedor; se a água aquece demais, o termostato desliga o aquecedor. Nosso corpo tem um termostato, MUITO mais preciso do que o do aquário. Nossa temperatura, quando estamos saudáveis, oscila décimos de grau, mesmo que a temperatura externa oscile 20 graus em um único dia, como é comum aqui em Porto Alegre. O pH do nosso sangue oscila entre 7,35 e 7,45, uma oscilação de 0,10, mesmo que você beba vinagre (ácido) ou leite de magnésia (alcalino). Há, também, um set point para quantidade de gordura. Há muitos mecanismos homeostáticos controlando este set point, e o corpo defende o seu peso tão intensamente quanto defende sua temperatura e seu pH.

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Em algumas pessoas, o set point do peso encontra-se elevado em função do hiper-insulinismo provocado pelo excesso de carboidratos na dieta. Para estas pessoas, a remoção dos carboidratos trará o set point novamente para valores normais.

Lutar contra o set point é uma guerra praticamente perdida. Baixar de peso com restrição calórica crônica é como baixar uma febre colocando o corpo numa banheira de água fria – uma solução temporária e fadada ao fracasso. No caso da febre, o corpo arranjará uma forma de elevar novamente a temperatura (o tremor, por exemplo) até que a causa da elevação do set point seja tratada (uma infecção, por exemplo). No caso da gordura, o corpo lutará com todas as armas para defender o set point perdido – armas que incluem aumento do apetite, diminuição do vigor físico, do ânimo, e da taxa metabólica basal. Nosso corpo evoluiu por milhões de anos para impedir que morrêssemos de fome – a prioridade de nossos genes não era uma barriga de tanquinho, mas sim a sobrevivência. Por isso há mecanismos redundantes de proteção do tecido gorduroso – se não fosse assim, uma pessoa que comesse zero carbs por tempo suficiente perderia todo o tecido gorduroso – como eu já disse em outra postagem, há muito mais coisas além da insulina.

E isso vale para os dois lados: se o set point de uma pessoa é muito baixo por características genéticas, aumentar de peso é quase impossível. Veja este depoimento de um leitor:

Estou na casa dos vinte e tantos anos e passei um mês montando uma dieta segundo a recomendação dos nutricionistas. Ficou 55% carboidratos, 12% proteína e 33% gorduras.



Meu objetivo é, ao contrário de todos, criar uma certa gordura (tenho quase nenhuma, IMC de 17,4, Gordura Corporal abaixo de 5% etc. – 1,78 de altura, 55kg) e massa magra. 



Só tem pouco mais de uma semana que comecei a “dieta de engorda”, mas continuo com meus 55kg. 



Após comer 400g diárias (1600 kcal) de carboidratos e 100g (900 kcal) de gordura, não deveria engordar ao menos uns dois quilos? Não sou totalmente sedentário, mas trabalho em escritório. Só tenho atividades pela manhã (limpeza leve e pesada da casa, caminhada pro trabalho, muitas escadas etc) 

Perco peso com enorme facilidade e ganho a muito custo. Tenho níveis de gordura considerados perigosos de tão baixos. Como bastante carboidrato e gordura e mesmo assim esta não fica acumulada.



Dizem que massa “gorda” é fácil de ganhar e massa “magra” é difícil de ganhar para algumas pessoas.



Parece que eu tenho dificuldade com ambas. Que devo fazer? Consumir ainda mais carboidratos? Queimo energia ao ponto dos de não ser afetado por problemas como obesidade, etc.? Estou imune aos seus efeitos?



Apesar de tudo, em termos de saúde, sinto-me bem. Nada de doenças ou cansaços. Minha principal preocupação é que já pesei 60 e pouco no passado e agora peso 55.  

Como se vê, corpo fará de tudo para defender o set point. Há estudos em que voluntários sadios (e com IMC normal) receberam uma dieta com 1000 Kcal/d acima do valor que seria suficiente para manter seus pesos; todos ganharam peso, mas todos ganharam MENOS peso do que a conta das calorias previa, e todos perderam o peso logo que a hiperalimentação terminou – o corpo busca novamente o seu set point. No caso do leitor acima, há um aumento da dissipação de calor pelas mitocôndrias, há um aumento involuntário da movimentação, há um aumento do metabolismo basal – o corpo literalmente queima as calorias a mais para defender seu set point.

Por isso é tão fácil perder peso com dieta low carb para algumas pessoas: quando seu set point diminui 15Kg, você não está lutando contra o seu corpo, você está nadando a favor da correnteza, comendo pouco ou comendo muito, fazendo exercício ou não, o peso simplesmente desaparece, literalmente de um dia para outro, sem esforço. Mas, um belo dia, você chega no set point. E aí vem a pergunta: o que fazer se seu set point permanece acima de seu peso ideal?

Se eu tivesse a resposta definitiva, provavelmente ficaria milionário e ganharia um prêmio Nobel. Mas há uma ferramenta que pode ajudar: jejum intermitente. Na próxima postagem, exploraremos este conceito que – admito – é um pouco assustador.

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