Ômega-3 e câncer de próstata

Tenho recebido muitos questionamentos, de pacientes e de leitores do blog, em virtude de notícias como esta, veiculada pela BBC Brasil:

Cápsulas de ômega-3 aumentam risco de câncer de próstata

Atualizado em  11 de julho, 2013 – 15:12 (Brasília) 18:12 GMT

Salmão | Foto: AP

Consumo superior ao equivalente a duas porções semanais de salmão eleva risco da doença

Suplemento usado por milhões por conta dos supostos benefícios à saúde, o ômega-3 em cápsulas pode estar associado ao aumento do risco do tipo mais letal de câncer de próstata, afirmam pesquisadores americanos.

Veja – a PRIMEIRA coisa que você deve fazer é ler a matéria com um objetivo bem claro: descobrir se o estudo científico em questão é prospectivo e randomizado, ou se apenas traçou uma CORRELAÇÃO.

Por exemplo: os pesquisadores deram cápsulas de óleo de peixe para 3000 pessoas e cápsulas de placebo para 3000 pessoas e as seguiram por, digamos, 7 anos para ver quem viria a desenvolver câncer? NÃO. Eles apenas viram quem tinha câncer e quem não tinha, e compararam com os níveis de ômega-3 no sangue. Correlação, nada mais do que correlação. A manchete está ERRADA, pois a análise sintática da frase implica causa e efeito, e estudos desta natureza NÃO PODEM estabelecer causa e efeito. ENTENDA: nada impede, em tese, que o câncer de próstata pudesse aumentar os níveis séricos de ômega-3, ou que o consumo de ômega-3 pudesse ser um marcador de algum comportamento que fosse a real causa – simplesmente não dá para saber.

Releiam minha postagem sobre carne vermelha: https://lowcarb-paleo.com.br/2013/04/o-pecado-da-carne.html – o mesmo raciocínio se aplica aqui.


Se este estudo fosse um estudo prospectivo randomizado de ômega-3 versus placebo, poder-se-ia sugerir que o ômega-3 foi responsável. Mas não é o caso. As pessoas usavam o suplemento e/ou comiam peixe conforme queriam. Assim, quem garante que aquelas pessoas que tinham doença maior risco (por terem PSA mais alto, por terem história familiar) – não resolveram tomar ômega-3 pois ouviram falar que era bom para evitar o câncer? Quem garante que não é ômega-3 oxidado (rançoso) que estaria causando isso? Muitos deixam seus ômega-3 pegando luz e calor. Há inúmeros exemplos destes vieses de confusão na literatura. Os mais conhecidos/citados são a correlação entre pílula e câncer de colo uterino na década de 1960 – depois se descobriu que não tinha nada a ver com a pílula: simplesmente o que ocorria é que mulheres que usavam pílula tinham vida sexual mais ativa e, portanto, maior chance de contrair HPV que, hoje sabemos, era a real causa. Tem também o famoso exemplo da reposição hormonal em mulheres. Estudos de correlação sugeriam que a reposição hormonal protegia contra câncer e doença cardiovascular. Depois os estudos randomizados provaram o contrário. O que houve? É o HEALTHY USER EFFECT, o “efeito do usuário saudável”. Mulheres que se importavam mais com a saúde tinham uma série de hábitos saudáveis (exercício, não fumar, etc) e usavam os hormônios. Os hábitos saudáveis eram suficientemente saudáveis para COMPENSAR os efeitos negativos dos hormônios, de modo que A PESAR de usarem os hormônios, elas ainda assim morriam menos. SOMENTE os estudos prospectivos e randomizados, nos quais todas demais variáveis são controladas pela randomização, podem TENTAR começar a estabelecer causa e efeito em situações de tal complexidade.

Diga-se de passagem, este mesmo estudo exonerou a gordura saturada – esta não teve nenhuma correlação com câncer de próstata. Por que a manchete não foi “Gordura saturada não aumenta o risco de câncer”?

Outro problema é a falha em colocar a situação dentro de uma perspectiva maior. Sim, pois não somos uma próstata ambulante. Embora o câncer de próstata seja muito comum, é relativamente pouco letal. A chance de morrer do coração é 10x maior do que a de morrer da próstata. MESMO que fosse verdade, que a suplementação de ômega-3 aumentasse em 70% o risco de câncer de próstata, e mesmo que reduzisse em apenas 10% o risco de morrer do coração, o número de vidas salvas seria ainda muito maior do que o número de vidas perdidas. Pessoal: de alguma coisa a gente sempre morre…

Para quem quiser análises não-rasteiras sobre o assunto, não perca tempo procurando em nosso idioma. Sugiro aqui e aqui.

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