A reportagem saiu publicada em uma revista da Nova Zelândia.
Vanuatu e Kiribati são dois minúsculos arquipélagos do pacífico sul, países independentes, povoados por pessoas de uma mesma etnia. Então, porque uma ilha tem pessoas tão saudáveis, e a outra tem pessoa tão doentes?
http://www.stuff.co.nz/life-style/wellbeing/9327862/Fighting-fat-with-fat
Combatendo a gordura com gordura
A epifania veio quando o professor Dr. Grant Schofield estava trabalhando em duas pequenas ilhas do Pacífico, Kiribati e Vanuatu, em uma missão de saúde pública.
Em Vanuatu, ele encontrou a maior parte da população saudável e feliz, vivendo da forma que sempre viveram, em vilarejos isolados com mínima influência do mundo exterior. Em Kiribati, entretanto, onde as pessoas dependem fortemente em ajuda humanitária do exterior, virtualmente todos os adultos tinham sobrepeso ou eram obesos. As crianças eram mal nutridas. O diabetes estava tão fora de controle que o hospital local amputava até 20 membros por semana.
“Eu saí de Kiribati pensando ‘não há motivo para otimismo aqui'”, disse Schofield. “Em saúde pública, você tende a ser sempre positivo, mas eu lembro de pensar, durante aquele voo, ‘esqueça a elevação do nível do mar, essas pessoas têm um problema muito maior'”
A diferença? A comida. Especificamente, a quantidade de carboidratos. Em Vanuatu, as pessoas comem da forma que vêm comendo há décadas – mantimentos que eles mesmo plantam, colhem ou pescam – principalmente peixes, hortaliças e coco.
Em torno de 60% de suas calorias vêm da gordura, mais do que o dobro da ingesta na Nova Zelândia. Havia muito pouco carboidrato, apenas uma pequena quantidade de arroz.
Enquanto isso, em Kiribati, os ilhéus sobreviviam com base em importações baratas tais como refrigerantes, arroz branco, farinha de trigo, açúcar, peixes enlatados e macarrão instantâneo.
“Foi então que a ficha caiu!”, Schofield disse. “Duas ilhas, uma funcionando com comida de verdade, a outra com as calorias mais baratas disponíveis – carboidratos refinados. Se você jamais quis evidências de que os carboidratos refinados prejudicam os humanos, você deveria ir a Kiribati e ver com os próprios olhos”
Foi este momento que impeliu Schofield, um professor no Centro de Potencial Humano da Universidade de Tecnologia de Auckland, a retornar à Nova Zelândia e tentar uma dieta de baixo carboidrato e alta gordura em si mesmo (Low Carb, High Fat, ou LCHF).
Ao invés de usar pão, arros e massa como principais fontes de energia, Schofield trocou para carnes, peixes e laticínios gordos – incluindo queijo e nata – nozes, sementes e azeite de oliva, obtendo 80% de suas calorias da gordura.
O resto de sua energia vinha de frutas e hortaliças – com uma ocasional taça de vimho. Um dia típico começava com um smoothie de leite de coco com frutinhas vermelhas; atum, queijo e aipo no almoço; e filé grelhado e brócolis refogado no azeite de oliva na janta.
“Eu primeiro experimentei em mim mesmo pois achei que seria ridículo”, disse Schofield. “Mas então eu fiz alguns experimentos com máscara respiratória e descobri: ‘espere um pouco – parece haver algo interessante aqui!'”
Isso foi no ano passado. Hoje, depois que Schofield testou sua teoria de dieta LCHF em atletas no Instituto Millennium para o Esporte na Praia Norte de Auckland e comparou os resultados com os de 20 estudos clínicos randomizados de vários lugares do mundo, ele não apenas acredita que uma dieta LCHF funciona, mas que esta pode ser a chave para uma vida mais saudável – a chave para reduzir o diabetes e a obesidade.
“O que nos foi dito é que se você comer gordura, engorda”, disse ele. “Mas, na verdade, a confusão é apenas porque se usa a mesma palavra para as duas coisas – gordura no corpo e gordura na dieta”
Ele prefere olhar a ciência por trás do assunto – “Ela faz sentido”, ele diz.
A melhor forma de explicar a ciência é usando roedores. Em seu computador, Schofield mostra uma imagem de dois ratos de laboratório lado a lado. Um tem tamanho normal. O outro é do tamanho de uma pequena bola de rugby, deitado, inchado e grotesco.
“OK, diz Schofield”. “Nos foi dito que a única solução para a obesidade é se as pessoas comerem menos e se exercitarem mais – balanço calórico – certo? Bem, se por um lado isto, de certa forma, é verdade, eu penso que a fisiologia é um sistema MUITO mais complexo do que isso”.
Basicamente, ele diz, há alguns hormônios no corpo que têm muito a ver com o controle do peso. Um é chamado de leptina. É secretado pelas células gordurosas e ajuda o cérebro a regular o quanto se come – como um interruptor que diz “eu já comi o bastante”.
O rato obeso é de uma variedade que foi produzida para não fabricar leptina. Embora tenha sido alimentado com exatamente a mesma quantidade que o rato normal, ele acaba ficando mais gordo e comeria até morrer, se pudesse.
O segundo hormônio é a insulina, que é produzida pelo pâncreas para regular o açúcar no sangue (glicose).
Quando nós comemos carboidratos, elevamos a glicose no sangue, diz Schofield, e a insulina atua sobre as células adiposas desligado a sua capacidade de queimar gordura.
A insulina tenta fazer a glicose entrar nas células musculares para ser usada como energia. Se isso não pode ocorrer (pois já estão cheias de glicose), há ainda o fígado. E se o fígado também já está repleto de glicogênio (a forma com que nosso corpo estoca a glicose), a insulina faz que com armazenemos estes carboidratos como gordura.
Se você está em boa forna, diz Schofield, seu consumo de carboidratos provavelmente não será estocado como gordura. Entretanto, esta não é a única questão.
O segundo problema é a insulina propriamente dita – particularmente entre aqueles propensos ao diabetes tipo 2, que produzem insulina mas são resistentes a ela, o que significa que mesmo pequenas quantidades de glicose induzem grandes quantidades do hormônio no corpo.
O problema, diz Schofield, é que o excesso de insulina pode bloquear a ação do outro – e muito importante! – hormônio, a leptina, no cérebro.
“Ao fim e ao cabo, você se torna como aquele rato deficiente em leptina que só quer comer, comer e comer”, diz Schofield. “Não se trata de força de vontade aqui. Sua fisiologia está trabalhando contra você”.
Portanto, Schofield diz, a resposta parece óbvia. Restrinja os carboidratos e você resolve ambos problemas – seu corpo aprende a queimar gordura como fonte de energia ao invés de carboidratos e os níveis de insulina ficam sob controle.
E isso não é apenas para os que estão acima do peso. Eu seus testes iniciais, Schofield convenceu o praticante de Ironman Bevan McKinnon a fazer a dieta LCHF, e o levou para o laboratório.
Então, eles avaliaram a proporção de gordura e carboidratos que McKinnon estava metabolizando antes e durante a dieta – medindo a proporção de oxigênio inspirado e CO2 expirado durante o exercício.
Schofield descobriu que McKinnon podia agora metabolizar uma maior proporção de gordura depois de comer LCHF por 10 semanas – indo de 80% de energia proveniente de carboidratos para 80% da energia proveniente de gordura em 10 semanas.
McKinnon disse que ele se sentia, surpreendentemente, melhor agora, depois da dieta LCHF – até mesmo seu colesterol alto melhorou.
Outro que se converteu é o triatleta e ironman Graham Brewster, que já vem comendo LCHF há 1 ano.
“Eu sou uma das primeiras cobaias de Grant. Ele sentou comigo e disse: ‘olha meu chapa, por que você treina tanto e continua tão gordo?'”
Em pouco tempo ele perdeu 7 Kg, e está com apenas 7,3% de gordura corporal. “Precisei de um pouco de experimentação para achar o nível certo de combustível para meus treinos, mas eu me sinto muito melhor”
Embora a teoria soe perfeitamente lógica em princípio, e os resultados sejam bons até agora, há um problema. A abordagem de Schofield é completamente contrária às diretrizes nutricionais do Ministério da Saúde da Nova Zelândia – que advoga o consumo de muitos grãos e vegetais, laticínios desnatados e carnes magras.
A Fundação do Coração, que advoga evitar a gordura saturada das carnes e laticínios, diz que tem receio da abordagem High Fat (alta gordura).
Schofield ficou em conflito com vários experts de muita expressão, como o professor de nutrição humana da Universidade de Otago Jim Mann, que diz não haver nenhuma evidência de que qualquer pessoa devesse se manter por longo prazo em uma dieta de muito baixo carboidrato (nota do tradutor – e as ilhas de Vanuatu e Kiribati??).
Mann disse que, de fato, algumas pesquisas mostraram que a “moda” de dietas de baixo carboidrato (dietas em que os carbs perfazem menos de 40% das calorias) produz aumento dos níveis de colesterol (nota do tradutor – isso está comprovadamente errado – clique aqui) – o maior fator de risco para doença cardiovascular – em alguns países (nota do tradutor – o maior fator de risco para doença cardiovascular, na atualidade é a síndrome metabólica, o diabetes e a obesidade; mesmo que o colesterol dos habitantes de Kiribati seja mais baixo por comerem low fat, eles são obviamente muito mais doentes – a preocupação obsessiva – o obcecada – com o valor do colesterol impede a pessoa de ver o todo!!).
“Esta abordagem é vista como uma coisa lunática”, diz Schofield.
“Algumas pessoas pensam que estou louco. E talvez eu esteja. Mas, na ciência da nutrição, como em todas as ciências, temos que estar preparados para mudar nossas ideias frente às evidências. Se estivéssemos corretos, então não estaríamos em meio a uma epidemia de obesidade e diabetes”.Schofield conseguiu convencer alguns profissionais de saúde, incluindo colegas da Universidade, a unirem-se a ele em sua saga.
Ele já tem vários colegas a bordo graças ao seu incansável entusiasmo – um dia ele atravessou o escritório bebendo nata pura para da o exemplo – e palestras públicas sobre a dieta têm estado lotadas.
A Dra. Caryn Zynn, uma nutricionista, é uma das que está adotando a abordagem e já começou a recomendar a seus clientes.
“No geral, as pessoas gostam da dieta”, ela diz. “Eles se sentem saciados. Muitos dizem que eles sentem como se fossem viciados em carboidratos – o que provavelmente é verdade, pois o açúcar, como sabemos, é viciante”.
Zynn diz,no entanto, que há muitos obstáculos a serem superados. Um problema é que as pessoas têm medo da gordura.
O segundo problema é se a coisa é factível e acessível – dado o custo relativamente alto da comida fresca – para famílias, no longo prazo.
“Estaremos olhando para os que têm sobrepeso, diabetes – tais como a população dos habitantes das ilhas do Pacífico”, diz ela.
“Queremos ver o quanto irá beneficiar estes grupos.”
Zynn diz que, embora seja uma abordagem pouco convencional, ela sente-se confortável em recomendá-lo e está ansiosa para realizar mais pesquisas. “Nós apenas temos que pensar – esta dieta irá prejudicar alguém? E as evidências claramente dizem que não”.
Schofield aponta para o prato de comida de sua mesa como exemplo – carne, queijo, abacate, nozes – e diz: “De que forma isso poderia ser ruim para você? Estamos falando de comida fresca, do tipo que as pessoas vêm comendo por 99% do tempo em que existimos na face da terra. São os produtos (processado) que duram semanas e semanas que me preocupam mais”.
Zynn irá agora conduzir mais pesquisas com pessoas obesas.
Schofield, por outro lado, é mais ambicioso. Ele quer convencer os experts em saúde pública de que esta abordagem merece ser testada.
Depois de 20 anos apoiando a abordagem tradicional, ele agora quer que seus colegas de nutrição considerem que podem ter estado errados durante todo esse tempo.
“O que vínhamos fazendo não está funcionando.” “A recomendação de comer produtos nacionais foi uma tentativa válida por um certo tempo. Eu argumentaria que podemos fazer muito melhor”, diz Schofield. Sua pesquisa ainda precisa ser publicada.
Esta semana, o número de obesos deverá atingir 1 milhão (na Nova Zelândia). O número de diabéticos segue aumentando.
“Então, sim, estamos avançando rapidamente”, diz Schofield, “mas não rápido o suficiente”.
– © Fairfax NZ News