Flora intestinal 2

Se ainda não leu, leia aqui a primeira postagem referente ao tema.

O excelente artigo da revista Mother Jones, que traduzo a seguir, será – juntamente com o anterior – uma necessária introdução ao tema do AMIDO RESISTENTE, sobre o qual pretendo escrever no carnaval (quando espero dispor do tempo necessário).

No artigo abaixo, os meus comentários constam em vermelho, em geral para corrigir o viés anti-gordura e pró-grãos do autor.

http://www.motherjones.com/environment/2013/04/gut-microbiome-bacteria-weight-loss

Seriam bactérias intestinais felizes a chave para a perda de peso?

Desequilíbrios no microbioma do seu intestino podem produzir síndrome metabólica, obesidade e diabetes. O que a ciência diz sobre como ressetar nossos corpos.

Alguns anos antes do filme Supersize Me chegar aos cinemas, o Dr. Paresh Dandona, um especialista em diabetes de Buffalo, New York, resolveu medir a resposta do corpo ao McDonald’s – especificamente ao café da manhã. Por várias manhãs, ele deu a 9 voluntários de peso normal um sanduíche com ovo, queijo e presunto, um muffin com salsicha e dois hash brown patties (espécie de bolinhos de batata fritos).

Dandona é professor na Universidade Estadual de Nova Iorque em Buffalo, e também chefia o Centro de Diabetes e Endocrinologia de Western New York, e o que ele observou influenciou suas pesquisas desde então. Os níveis de Proteína C Reativa (PCR), um indicador de inflamação sistêmica, dispararam “em questão de minutos”. “Fiquei chocado”, ele lembra, que “uma simples refeição do McDonalds, que parece inofensiva” – o tipo de refeição de alto carboidrato e alta gordura que 1 em 4 americanos come regularmente – pudesse ter efeitos tão dramáticos. E perdurava por horas (eu não fico surpreso – montes de carboidratos refinados, glúten, gordura poliinsaturada ômega-6 de óleos de sementes e gordura trans – o high fat, neste caso, é com o tipo errado de gordura).


A inflamação vem em várias formas. O inchaço de um tornozelo torcido indica o mecanismo de reparo de um tendão ou músculo. A vermelhidão e dor ao redor de um corte infeccionado indica que o corpo está combatendo os germes. A febre e as dores que acompanham uma gripe representam uma missão de achar e destruir, em escala corporal, direcionada contra o vírus invasor. São todas reações essenciais à vida, a resposta do corpo à algo percebido como uma ameaça.  Mas a inflamação também pode causar danos colaterais, especialmente quando a resposta é excessiva – como no choque séptico – ou quando é muito prolongada.

Inflamação crônica, de baixa intensidade, há muito é reconhecida como uma das características da síndrome metabólica, um grupo de disfunções que costuma preceder o diabetes e que também aumenta o risco de doença cardíaca, derrame, certos tipos de câncer e mesmo demência (aproveite e compre o livro Grain Brain: The Surprising Truth about Wheat, Carbs, and Sugar–Your Brain’s Silent Killers) – as principais causas de morte do mundo ocidental. A síndrome inclui uma combinação de glicose elevada, pressão alta, HDL baixo, gordura abdominal, frequentemente chamada de “barriga de cerveja” (ou barriga de trigo!). Mas, recentemente, os médicos têm questionado se a inflamação crônica é apenas mais um sintoma da síndrome metabólica: poderia a inflamação ser uma causa principal?

Para Dandona, que é dado a discursos grandiloquentes sobre os prazeres de uma cerveja na varanda de sua nativa Dehli, ou aos soberbos vinhos gelados da região de Buffalo, os resultados se constituíam em uma dilema: a comida é um grande prazer na vida. Por que a natureza seria tão cruel, ele pensava, e nos puniria apenas por comer? (o que a natureza tem a ver com aquele café da manhã do McDonald’s? – NADA).


Durante a década seguinte, ele testou os efeitos de várias comidas no sistema imunológico. Um café da manhã de fast-food produzia inflamação, ele descobriu, mas um café da manhã com bastante fibras e frutas, não. Uma descoberta veio em 2007 quando ele descobriu que água com açúcar (um substituto para refrigerante) , provocava inflamação, mas que suco de laranja – embora também contenha muito açúcar – não. (o fato de o suco de laranja espremida – não de caixinha! – não ser tão ruim quanto água com açúcar ou Coca-Cola NÃO significa que seja a melhor opção para o café da manhã – pelo contrário, sucos de frutas estão associados à síndrome metabólica e diabetes (muito embora eu suspeite que muitos dos sucos citados no estudo do link sejam de caixinha). Claro, quando o parâmetro de comparação é o pior café da manhã possível, o suco passa a ser uma melhoria. O interessante é o fato de que, mesmo contendo a mesma quantidade de açúcar, o suco de laranja tenha produzido um efeito completamente diferente – continue lendo e verá porquê).


O Departamento de Frutas Cítricas da Flórida, uma agência estatal, ficou tão excitado que pagou pelo estudo subsequente, e forneceu suco de laranja espremido fresco para o estudo. Desta vez, juntamente com seu café da manhã de 910 calorias do McDonald’s, um terço dos voluntários (10 ao todo) bebeu um copo de suco de laranja fresco. Os que não beberam suco, metade dos quais bebeu água com açúcar, e a outra metade água pura, tiveram a resposta esperada: inflamação e glicose elevada no sangue. Mas os bebedores de suco de laranja não tiveram nem elevação da glicose, nem inflamação. O suco parecia ter blindado os seus metabolismos. “O suco simplesmente desligou a coisa toda!”, disse Dandona. Desde então, outros cientistas já confirmaram que o suco de laranja tem forte efeito anti-inflamatório.


Suco de laranja é rico em antioxidantes como vitamina C, flavonoides benéficos, e pequenas quantidades de fibra, e todos estes ingredientes podem ser diretamente anti-inflamatórios. Mas o que chamou a atenção de Dandona foi outra substância. Os voluntários que apenas comeram o café do McDonald’s tiveram um amento na sangue de moléculas chamadas ENDOTOXINAS. Estas moléculas vêm das paredes celulares externas de certas bactérias. Quando os níveis de endotoxinas sobem, nosso sistema imunológico percebe isso como um risco e responde com inflamação.


Mas de onde vieram essas endotoxinas? Uma possibilidade é da própria comida (possibilidade errada). Mas há outra possibilidade. Todos nós carregamos quilos de bactérias em nosso intestino, um ecossistema complexo coletivamente denominado microbiota. As endotoxinas, Dandona suspeitou, eram originadas dessa colônia nativa de micróbios. De alguma forma, uma refeição gordurosa cheia de carboidratos refinados, transladava essas endotoxinas do intestino, onde não causam danos, para o sangue, onde causam danos (a primeira postagem sobre flora intestinal explica como). Mas o suco de laranja interrompia esta translocação.


Os experimentos atuais de Dandona – e outros similares – podem virar do avesso muito do que nós sabemos sobre as causas da obesidade, ou sobre aqueles últimos 5 quilos. Se o que os cientistas agora suspeitam sobre a relação entre a comida e a flora intestinal for confirmado, isso poderia revolucionar a indústria do emagrecimento de 66 bilhões de dólares – e ajudar a controlar os astronômicos 2,7 trilhões de dólares que gastamos com a saúde todos os anos nos EUA. “O que interessa não é o quanto você come”, diz Dandona, “e sim o que você come” (concordo plenamente).


Desde que o comerciante de tecidos e cientista holandês Antonie van Leeuwenhoek olhou pela primeira vez a placa bacteriana de seus próprios dentes em um microscópio caseiro há mais de 300 anos e descobriu “pequenos animais minúsculos, que se mexem muito”, nós sabemos que somos cobertos por micro-organismos. Mas à medida que métodos novos e mais baratos para o estudos destes micróbios têm recentemente se tornado disponíveis, a sua importância para a nossa saúde tem-se tornado cada vez mais evidente. Os cientistas agora suspeitam que nossas comunidades microbianas contribuem para um crescente número de doenças, de problemas alérgicos como asma e urticárias a doenças inflamatórias como a Doença de Crohn, além de câncer, doença cardiovascular e obesidade.

Como recém-nascidos, encontramos nossos primeiros micróbios ao passar pelo canal de parto. Até aquele momento, somos 100% humanos. Depois disso, nós somos, numericamente falando, 10% humanos e 90% micróbios. Nosso microbioma contém pelo menos 150 vezes mais mais genes, coletivamente, do que o nosso genoma humano. É como comparar um grosso manual de instruções a uma lista de tarefas de uma página.

À medida que amadurecemos, nós adquirimos novos micro-organismos a partir do leite materno, comida, água, animais, solo e de outras pessoas. Em algum momento na infância, uma vibrante comunidade de 500 a 1000 espécies se estabiliza. Algumas espécies são nativas apenas ao ser humano, e podem ter sido passadas de geração em geração como joias de família. Outros são generalistas – talvez tenham embarcado a partir de animais de estimação, gado, ou outros animais.

Enterobacter cloacae
Um grupo de bactérias da espécie Enterobacter cloacae

A maioria das nossas bactérias habita o cólon, a parte final do intestino, onde nos ajudam a digerir as fibras, captar calorias, e nos protegem de “micro-vândalos” (bactérias patogênicas). Mas também fazem muito, muito mais. Animais criados sem bactérias praticamente não têm um sistema imunológico. Repertórios inteiros de glóbulos brancos (leucócitos) permanecem dormentes; seus intestinos não desenvolvem as vilosidades características; seus corações ficam pequenos; genes em seus cérebros que deveria estar desligados, permanecem ligados. Sem seus micróbios, os animais não são realmente “normais”. 

E o que nós fazemos por eles em troca? Alguns cientistas argumentam que os mamíferos são no fundo, câmaras digestivas ambulantes para as bactérias. Afinal, suas fezes são, em termos de peso, 50% bactérias vivas. Todos os dias, comida entra por uma lado, e bactérias saem do outro. O intestino humano mede cerca de 7,9 metros. Sua superfície é suficientemente grande para cobrir uma quadra de tênis. 70% de nossa atividade imunológica ocorre ali. O intestino tem o seu próprio sistema nervoso – que contém tantos neurônios quanto a sua medula espinhal. Cerca de 95% da serotonina do corpo, o neurotransmissor normalmente discutido no contexto da depressão, é produzida no intestino.

Assim, o intestino não é apenas o lugar onde absorvemos nutrientes. É também um local de confluência do sistema imunológico e um segundo cérebro. E está repleto de micróbios. Eles em geral não cruzam as paredes intestinais até a corrente sanguínea mas, não obstante, mudam a forma como os sistemas imune, endócrino,  e nervoso funcionam do outro lado da barreira.

A ciência não sabe exatamente o que sai errado com estes micróbios em situações de doença. Mas um tema recorrente é que a perda da diversidade se correlaciona com o surgimento de enfermidades. Crianças nos países em desenvolvimento têm muito mais tipos de micro-organismos do que seus pares na América do Norte ou na Europa, e no entanto desenvolvem asma e e alergias com frequência muito menor do que as das nações mais industrializadas. No mundo desenvolvido, as crianças criadas em ambiantes ricos em germes – com animais de estimação, em fazendas, ou em creches – têm um risco menor de desenvolver doenças alérgicas do que as criadas em ambientes mais esterilizados.

Quem estuda as comunidades microbianas humanas alega que elas estão sofrendo uma crise de extinção similar à que afeta nossa biosfera como um todo – e parte da culpa está na medicina moderna. Alguns estudos sugerem que bebês nascidos de cesariana, privados do contato com os micróbios vaginais da mãe no momento do nascimento, têm maior risco de doença celíaca, diabetes tipo 1 e obesidade. O uso de antibióticos no início da vida – que assola o ecossistema bacteriano como um incêndio em uma floresta – também foi associado a doenças alérgicas, doença inflamatória intestinal e obesidade.

O que nos traz à questão que mais e mais cientistas estão indagando: se nossa microbiota exerce um papel tão importante em manter-nos saudáveis, então que tal atacar doenças cuidando de nossa microbiota? Afinal, nossa comunidade microbiana é bastante plástica. Novos membros podem chegar e se estabelecer; membros antigos podem ser eliminados; a proporção entre grupos de germes pode mudar. Já o genoma humano, por sua vez, é comparativamente rígido e pouco responsivo. Assim, a microbiota representa uma imensa oportunidade para tratar – e prevenir – doenças crônicas. Em particular, o “órgão esquecido”, como alguns chamam a microbiota, pode ser a chave para se lidar com nossa maior ameaça à saúde pública: a obesidade.

O Dr. Paresh Dandona deixou a índia em 1966 para uma bolsa de estudos em Oxford. Ele tornou-se o “primeiro sujeito ‘de cor'”, ele diz, a chefiar sua unidade no Hospital da Universidade de Londres. Sua postura – calcanhares justapostos, coluna reta, e um cuidado de orador com as palavras, proferidas em uma voz profunda e sonora – são lembranças de uma era passada. Ele mudou-se para Buffalo, New York, em 1991.

Durante essas décadas, o número de americanos considerados obesos triplicou. Um terço dos americanos agora tem sobrepeso, e outro terço é obeso. No mundo todo, um quarto da humanidade atualmente pesa demais, de acordo com a OMS. Em 2011, a ONU anunciou que, pela primeira vez na história da humanidade, as doenças crônicas, a maior parte das quais é ligada à obesidade, mataram mais pessoas do que as doenças infecciosas no mundo. Nos EUA, a obesidade é responsável por 20% de todo o custo do sistema de saúde, de acordo com economistas da Universidade de Cornell.

E os problemas não se limitam apenas aos obesos propriamente ditos: crianças nascidas de mães obesas já nascem com as artérias mais rígidas – um fator de risco cardiovascular. Têm maior risco de asma. Alguns estudos sugerem que possam ter maior risco de trastorno de déficit de atenção e autismo.

Por que estamos cada vez mais suscetíveis à obesidade? A explicação dominante há muito tempo tem sido a de que pouco exercício e muitas calorias é igual a acúmulo de gordura. A solução: mais exercício, e muito mais força de vontade. Mas há um problema com essa teoria: no mundo desenvolvido, a maior parte de nós consome mais calorias do que realmente precisa, mas ainda assim não ganhamos peso de forma proporcional (e o inverso também ocorre)

Uma libra de gordura (cerca de 450g) contém cerca de 3.500 calorias. Se você comer um excesso diário de 500 calorias – a quantidade presente num bagel com uma servida generosa de cream cheese – você deveria, a julgar pelo modelo calorias-é-só-o-que-importa, ganhar uma libra de gordura a cada semana. A maioria de nós come um excesso calórico nessa faixa, ou até mais, mas ou ganhamos peso de forma bem mais lenta, ou nem ganhamos! (vídeo com bela explicação desse fenômeno).

Enquanto isso, algumas pessoas corpulentas têm metabolismos que funcionam bem. Seus níveis de inulina e glicose são normais. Seus fígados são saudáveis, e não marmorizados com gordura. E algumas pessoas magras têm síndrome metabólica, frequentemente indicada por uma barriguinha de cerveja. Elas sofrem de fígado gorduroso, resistência à insulina, glicose elevada, pressão alta e inflamação sistêmica crônica de baixa intensidade. Do ponto de vista de saúde pública, estes sintomas são onde o problema real reside – não necessariamente se conseguimos entrar nos nossos jeans.

Eis a compreensão tradicional da Síndrome Metabólica: você comeu muita comida processada encharcada de graxa. As calorias inundaram o seu corpo. Normalmente, um hormônio chamado insulina ajudaria suas células a absorver estas calorias para uso. Mas o simples excesso de energia nesse caso sobrecarrega as células. E elas param de responder à insulina. Para compensar, o pâncreas começa a produzir ainda mais insulina. Quando o pâncreas finalmente chega à exaustão, você passa a ter diabetes. Além disso, você desenvolve resistência a outro hormônio chamado leptina, que deveria sinalizar a saciedade. Assim, você tende a comer demais. Enquanto isso, as células adiposas – que ficaram inchadas e estressadas no processo de estocar gordura excessiva – começam a emitir um sinal de alerta – inflamação crônica de baixa intensidade.

Mas agora os pesquisadores sugerem outro cenário: a inflamação pode não ser um sintoma, ela pode ser a causa. De acordo com essa teoria, seria a ativação imunológica causada por comida-lixo que desencadearia a resistência à insulina e à leptina. Então a glicose acumula-se no sangue. Seu pâncreas e fígado fazem força para compensar. Tudo porque este sinal de alarme alto e estridente – a inflamação – impede as células de responder normalmente aos sinais hormonais. Talvez as evidências mais dramáticas que dão suporte a essa ideia vêm de experimentos em animais nos quais os cientistas abolem a inflamação. Se você simplesmente aumenta o número de glóbulos brancos que aliviam a inflamação – as chamadas células T regulatórias – em camundongos obesos com síndrome metabólica, a síndrome inteira desaparece. Lide com a inflamação, ao que parece, e você aborta a disfunção.

Bem, num primeiro momento, parece bizarro que um pouco de inflamação pudesse ter tamanho impacto na regulação energética do corpo. Mas considere isso: trata-se de particionar um recurso limitado exatamente para onde ele é necessário, no momento em que é necessário. Quando não está sendo ameaçado, o corpo aloca a energia para manutenção e, se você tiver sorte, para procriação – uma atividade otimista e voltada para o futuro. Mas quando uma ameaça chega – o vírus do sarampo, digamos – você revê prioridades. Todas aquelas atividades mediadas por hormônios se reduz a um mínimo. Seu corpo institui uma versão do racionamento da segunda guerra mundial: as tropas (leucócitos) e os recursos (calorias) são redirecionadas para a ameaça. Tarefas não essenciais, incluindo a produção de testosterona, são reduzidas. Esqueça o amanhã – a prioridade é preservar a si mesmo hoje.

Isto, pensam alguns, é a razão evolutiva por trás da resistência à insulina. As células do corpo deixam de absorver a glicose pois este combustível é requerido – e é uma ordem! – pelos exércitos de leucócitos. Os problemas surgem quando essa resposta emergencial, crucial para afastar ameaças imediatas, arrasta-se indefinidamente. Imagine o seguinte: sua janta está no forno. Você está no computador, pagando as suas contas. Você sente cheiro de fumaça. Você sai correndo, e deixa as tarefas pela metade, procurando pelo fogo antes que a casa pegue fogo. Uma vez que o fogo esteja controlado, você retorna às suas tarefas, e depois come a sua janta.

Mas agora imagine que você nunca ache o fogo, mas que você continue sempre sentindo o cheiro de fumaça. Você permanece em estado perpétuo de alarme. Suas contas nunca são pagas. Você nunca come a sua janta. Sua casa queima aos poucos, e a vida vira um caos.

Isto é a síndrome metabólica. A função normal cessa. O envelhecimento se acelera. Vêm os ataques cardíacos. O cérebro degenera. A vida termina mais cedo. E tudo isso é produzido, segundo esse entendimento, por inflamação crônica de baixa intensidade.

E de onde viria esta ameaça percebida pelo corpo – essa inflamação toda? Algumas gorduras da dieta são diretamente inflamatórias (especialmente gorduras trans e óleos ômega-6 extraídos de sementes. A gordura saturada, na vigência de uma flora intestinal inflamatória, também facilita a passagem das endotoxinas do intestino para a corrente sanguínea, como já discutido nesta postagem). E despejar uma grande quantidade de calorias na corrente sanguínea, sejam elas de açúcar ou de gordura, pode sobrepujar e inflamar as células. Mas outra fonte de inflamação está escondida à vista de todos: os 100 trilhões de micróbios que habitam o seu intestino. Resulta que a comida-lixo (junk food) talvez não nos mate de forma inteiramente direta, e sim por desencadear o colapso de uma simbiose antiga e mutuamente benéfica, tornando uma relação previamente cooperativa em uma relação de adversários. 

Nós já estamos bem familiarizados com uma versão dessa dinâmica: as cáries. Cáries são tão antigas como os dentes, mas se intensificaram com o crescente consumo de carboidratos refinados, como o açúcar, logo antes e durante a revolução industrial. Antes que o açúcar barato se tornasse amplamente disponível, as bactérias das placas dentárias provavelmente ocupavam o morno e convidativo nicho de sua boca de forma mais pacífica. Mas despeje um monte de açúcar sobre elas, e certas espécies se expandem de forma exponencial. Seu subproduto – ácido – que, em quantidades normais, nos protege de bactérias invasoras, agora corrói os seus dentes. Uma relação outrora cooperativa tornou-se agora antagonística.

Algo similar pode ocorrer quando sua flora intestinal é exposta a uma dieta de comida-lixo altamente refinada, açucarada e gordurosa. Ela pode se voltar contra nós.

Uma década atrás, microbiologistas da Universidade de Washington em St. Louis observaram que camundongos criados sem nenhum germe, em bolhas plásticas com pressão positiva, podiam comer muito sem desenvolver síndrome metabólica ou obesidade. Mas, quando colonizados com sua flora normal, estes camundongos rapidamente tornavam-se resistentes à insulina e ficavam gordos, tudo isso comendo MENOS do que seus pares isentos de germes.

Os pesquisadores concluíram que os germes ajudavam os animais a a extrair a energia dos alimentos. Os camundongos, que passavam a dispor de mais calorias do que precisavam, armazenavam o excesso como gordura (que mentalidade difícil de eliminar, essa!). Mas do outro lado do Atlântico, Patrice Cani, na Universidade Católica de Louvain em Bruxelas, Bélgica, suspeitou que a inflamação pudesse estar por trás disso, e que esta inflamação poderia emanar dos germes da flora nativa destes animais.

Para testar esta ideia, ele deu aos camundongos uma dose baixa de endotoxinas, as moléculas que residem na parede externa de certas bactérias. Os fígados dos camundongos tornaram-se resistentes à insulina; os animais ficaram obesos e diabéticos. Uma dieta de alta gordura produziu os mesmos efeitos: endotoxinas vazaram do intestino para o sangue, a inflamação se instalou, e os camundongos tornaram-se gordos e diabéticos (a dieta de alta gordura dada aos animais é altamente inflamatória e deficiente em colina – eles não estão sendo alimentados com azeite de oliva, ovos de galinhas criadas soltas, gado alimentado com pasto ou salmão, e sim com os piores tipos de gordura – para uma revisão profunda do assunto, clique aqui – saliento novamente, os animais receberam 72% de óleo de milho misturado com banha – nada que pudesse fazer parte da dieta natural de um roedor – não confunda com um ser humano comendo vegetais na manteiga e salmão). Então, veio a bomba: a mera adição de fibras solúveis chamadas oligossacarídeos, encontrados em coisas como bananas, alho e aspargos, preveniu toda a cascata de eventos – sem endotoxina, sem inflamação, sem diabetes.

Oligossacarídeos são uma forma do que é conhecido como “pré-bióticos”: fibras que, devido ao fato de chegarem intactas ao cólon, alimentam as bactérias que vivem lá. Afinal, um dos motivos pelos quais evoluímos para albergar essas bactérias é justamente porque as mesmas “digerem” essas fibras solúveis fermentando-as e permitindo que utilizemos seus subprodutos saudáveis, tais como acetato, butirato, vitaminas B e K.

Cani havia chegado à mesma conclusão que Dandona com seu suco de laranja recém espremido. A diferença é que seus experimentos controlados em animais permitiram uma compreensão mais clara do mecanismos. Comida-lixo faz com que micro-organismos danosos proliferem, e germes amigáveis declinem. A permeabilidade do intestino também aumenta, o que significa que os subprodutos bacterianos – como as endotoxinas – podem vazar com mais facilidade para a circulação, e desencadear inflamação. Simplesmente adicionar pre-bióticos apreciados por um grupo seleto de micróbios, as bifidobactérias neste caso, manteve o intestino bem “vedado” (impermeável), evitando toda a cascata de eventos. As bactérias fortificadas agiram como um batalhão de polícia de choque, evitando que o resto da massa bacteriana pudesse romper a barreira.

“Se nós cuidarmos de nossa microbiota intestinal, ela cuidará de nossa saúde”, diz Cani. Eu gosto de terminar minhas palestras com uma frase: “confiamos no intestino” (“In gut we trust”, um trocadilho; em inglês, as cédulas de dólar têm escrito “In God we trust”, confiamos em Deus.).


Assim, nossa dieta doce e gordurosa – certamente sem precedentes evolutivos – não nos mata apena diretamente: ela também altera a permeabilidade intestinal e a composição de nosso “órgão” microbiano. Nossa comunidade “amigável” de micróbios torna-se inimiga, até mesmo patogênica, vazando subprodutos nocivos para onde eles não deveriam ir (corrente sanguínea). H.G. Wells ficaria orgulhoso dessa história – o poderoso Homo sapiens derrotado por formas de vida microscópica transformadas em algo tóxico pela comida-lixo (junk food). Não é nada pessoal: os germes que florescem com esta dieta energeticamente densa podem estar agindo em seu próprio interesse – eles querem mais desta dieta doce e gordurosa na qual prosperam.

Mais ou menos na mesma época em que Paresh Dandona começava a investigar a resposta imune provocada pelo café da manhã de fast-food, um microbiologista chinês chamado Liping Zhao dava-se conta de que precisava mudar a sua alimentação, ou podia acabar morto. Ele estava 20 Kg acima do peso, com pressão alta e seu colesterol “ruim” estava elevado.

Ele se entusiasmou com os estudos da Universidade de Washington em Sr Louis que indicavam que os micróbios tinham papel central na obesidade. As pesquisas ressonavam com antigos preceitos da medicina chinesa que viam o intestino como sendo central para a saúde. Assim, Zhao decidiu por uma abordagem híbrida – um pouco de microbiologia do século 21 misturado com medicina tradicional chinesa.

Ele mudou sua dieta para grãos integrais (veja abaixo), ricos em nas fibras pré-bióticas importantes para as bactérias benéficas. E começou a consumir dois alimentos medicinais tradicionais que, acredita-se, tenham tais propriedades: melão amargo e inhame chinês. (correção: grãos integrais são uma péssima fonte de fibras como um todo. Quer fibra? Coma espinafre, couve, ou qualquer outra hortaliça – muito mais fibra, e sem grande quantidade de carboidratos facilmente digeríveis – isso sem falar no glúten. Além disso, é SABIDO que os grãos favorecem a permeabilidade intestinal, o que tende a aumentar dramaticamente a inflamação (clique aqui). Minha interpretação sobre o que houve com o Dr. Zhao: o amido resistente que ele consumiu na forma de melão amargo e inhame chinês ajudaram a protegê-lo dos efeitos danosos dos grãos. Além disso, ele provavelmente consumia carboidratos altamente processados e refinados antes. Grãos integrais não são bons – mas são um pouco menos ruins do que os refinados neste contexto).


A pressão sanguínea de Zhao começou a normalizar e seu colesterol “ruim” diminuiu. No decorrer de dois anos, ele perdeu 20 Kg. Ele amostrou sua flora intestinal durante o processo. À medida que seu metabolismo normalizava, a quantidade de uma bactéria chamada Faecalibacterium prausnitzii aumentava em seu intestino. Seria isso causa ou consequência? Outros observaram que essa bactéria está ausente em pessoas que sofrem de doenças inflamatórias intestinais, tais como doença de Crohn, assim como no diabetes tipo 2. Cientistas da Universidade de Tokyo mostraram que colonizar camundongos com essa bactéria e suas parentes – os chamados “clusters de Clostridium” – os protege contra colite. Ainda assim, evidência de causa e efeito ainda não existia.

Então, um dia, em 2008, um homem morbidamente obeso entrou no laboratório de Zhao na china. Com 26 anos, ele era diabético, inflamado, tinha colesterol alto e glicemia elevada. Ninguém em sua família imediata era obeso, mas ele pesava 174 Kg.

Zhao percebeu algo estranho a respeito dos micróbios deste homem. 35% pertenciam a uma única espécie produtora de endotoxina, chamada Enterobacter chloacae. Então, ele colocou o homem em uma versão de sua dieta de grãos integrais suplementados com outros pré-bióticos. À medida que o tratamento progredia, a Enterobacter chloacae declinava, assim como as endotoxinas no sangue e os marcadores de inflamação. 

Depois de 23 semanas, o homem já havia perdido 51 Kg. A proliferação excessiva de Enterobacter chloacae havia regredido a ponto de tornar-se indetectável. A contagem de outras bactérias anti-inflamatórias – micróbios que se especializam em fermentar fibras não digeríveis – havia aumentado. Mas poderia Zhao provar que essas mudanças de micro-organismos eram a causa de alguma coisa? Afinal, a dieta poderia ter funcionando apenas por conter menos calorias do que a dieta prévia do paciente.

Então, Zhao introduziu o Enterobacter chloacae em camundongos. Eles desenvolveram endotoxemia, engordaram e ficaram diabéticos – mas apenas quando consumiam uma dieta rica em gordura (ver explicação abaixo). Enquanto isso, camundongos colonizados com bifidobacterias (germes benéficos) e alimentados com uma dieta de alta gordura permaneciam magros, o mesmo ocorrendo com animais livres de germes. Este Enterobacter era evidentemente especial, um germe oportunista. Auxiliado por uma dieta de alta gordura (que, como já expliquei na postagem anterior sobre flora intestinal, facilitam a passagem das endotoxinas do interior do intestino para a corrente sanguínea – mas para isso há que ter uma flora inflamatória! A gordura, em si, não é o problema, como visto nos animais com bifidobactérias, acima), o germe parecia capaz de sequestrar e comandar o metabolismo tanto de camundongos quanto de homens.


Zhao, que relatou sua própria história na revista Science ano passado, já repetiu sua dieta em pelo menos 90 pessoas, obtendo resultados similares, e tem mais de 1.000 pacientes em estudos em andamento. Ele não quis dar entrevista para este artigo, dizendo que a resposta à sua pesquisa, tanto na imprensa quanto de parte de indivíduos pedindo conselhos, tem sido grande demais. “Eu recebo emails demais pedindo ajuda, e não posso fazer muito”, ele escreveu em um email. “Eu fico muito chateado com isso, e prefiro me concentrar em minhas pesquisas”.


Outros pesquisadores tentaram uma abordagem ainda mais radical no tratamento do microbioma: o transplante de fezes. Foi originalmente desenvolvido para tratar uma infecção intestinal potencialmente letal causada pela bactéria Clostridium difficile. Os estudos até agora têm demonstrado que trata-se de uma alternativa com eficácia de 95% e não tem maiores efeitos colaterais. O “enxerto fecal” está agora sendo considerado como um método para “reiniciar” (“reboot”) a microbiota como um todo. Cientistas no Centro Médico Acadêmico em Amsterdã misturaram fezes de doadores magros com soro fisiológico e, através de uma sonda naso-enteral (que entra pelo nariz, desce pela garganta, passa pelo estômago e vai até o intestino), introduziram a mistura no intestino delgado de nove pacientes com síndrome metabólica. O grupo controle recebeu uma infusão de suas próprias fezes.

Aqueles que receberam os “germes da magreza” demonstraram melhoras na sensibilidade à insulina, embora não tenham perdido peso e embora os benefícios tenham desaparecido em um ano (o problema é que continuaram a comer uma dieta de comida-lixo, que favorece o crescimento de uma flora inflamatória e obesogênica, e impede o estabelecimento de uma colônia de germes saudáveis). Mas Max Nieuwdorp, autor principal do estudo, planeja conduzir o experimento repetidas vezes para ver se os germes da magreza se estabelecem (sem mudar a dieta, acho difícil – para que uma planta transplantada “pegue”, é necessário um solo fértil). E quando ele tiver identificado quais germes são realmente importantes, ele espera poder criar um probiótico anti-obesidade para ser tomado oralmente (o sedutivo e enganador canto da sereia: uma pílula que permita emagrecer sem mudar de estilo de vida – DUVIDO!).

Probióticos são apenas bactérias que se acredita que sejam benéficas, como lactobacilos e outras bactérias de certos iogurtes. No futuro, os probióticos poderão vir a ser bactérias encontradas em índios da Amazônia, nativos africanos, até mesmo nos Amish – pessoas, em outras palavras, que ainda mantém a biodiversidade microbiana que o resto de nós provavelmente já perdeu. A literatura científica sugere que uma “corrida do ouro” já começou: grande quantidade de “fecoprospectors” (pessoas que fazem prospecção de fezes!) procurando catalogar e preservar a diversidade e riqueza da microbiota ancestral antes que ela seja perdida na onda de extinção que varre o globo.

Por fim, a maior evidência que dá suporte ao envolvimento microbiano na obesidade pode vir de um procedimento que, num primeiro momento, não tem nada a ver com micróbios: cirurgia de bypass gástrico (cirurgia bariátrica). A cirurgia, que envolve a criação de um atalho, pulando o estômago, é a intervenção mais eficaz para a obesidade mórbida – bem mais eficaz que dieta.

Originalmente os cientistas achavam que a cirurgia funcionava por limitar o consumo de comida. Mas está cada vez mais óbvio que este NÃO é o mecanismo. A cirurgia, de alguma forma, muda a expressão de milhares de genes em órgãos espalhados por todo o corpo, ressetando todo o metabolismo. Em março, Lee Kaplan, diretor do Centro de Obesidade do Massachusetts General Hospital em Boston, publicou um estudo na revista Science Translational Medicine mostrando que há uma contribuição microbiana substancial para este “reset” do metabolismo.

Ele começou com 3 grupos de camundongos obesos, todos recebendo uma dieta de alta gordura (saliento novamente que as dietas obesogênicas em roedores são de alta gordura E de alto carboidrato, e que os tipos de gordura são muito diferentes das que se apregoa para uma dieta LCHF em humanos). O primeiro grupo recebeu uma cirurgia falsa – uma incisão no intestino que era apenas aberta e fechada – para controlar a possibilidade de que o trauma cirúrgico sozinho pudesse ser o responsável pelo emagrecimento. Estes camundongos então voltaram para suas dietas de alta gordura. Um segundo grupo também sofreu cirurgia falsa, mas foi então colocado em uma dieta de restrição calórica. O terceiro grupo foi submetido a cirurgia de bypass gástrico, e liberado para comer à vontade.


Como esperado, tanto o grupo do bypass como o grupo da dieta hipocalórica perderam peso. Mas apenas o grupo do bypass normalizou os níveis de insulina e de glicose. Sem esta normalização, diz Kaplan, tanto camundongos quanto pessoas inevitavelmente ganham novamente o peso perdido (por isso uma dieta páleo/low carb, ao normalizar estes parâmetros, é sustentável no longo prazo, diferentemente das dietas de fome).


Para testar o quanto a flora microbiana intestinal contribuía para esse processo, Kaplan transplantou a microbiota de cada grupo de animais para um grupo de camundongos desprovidos de germes. Somente os camundongos colonizados com a microbiota dos animais submetidos ao bypass perderam peso, muito embora comessem MAIS do que os camundongos colonizados com micróbios dos outros grupos.


Em humanos, alguns estudos mostram um grande aumento no número de bactérias anti-inflamatórias após cirurgia de bypass gástrico. O Dr. Dandona também observou uma declínio na quantidade de endotoxinas circulantes após o procedimento. “Eu jamais argumentaria, e não vou argumentar aqui, que TODOS os efeitos de uma cirurgia de bypass gástrico possam ser transferidos pelo transplante de microbiota”, diz Kaplan. “O que nós descobrimos é a primeira evidência de alguns benefícios podem ser transferidos. E que esses ‘alguns benefícios’ são bem impressionantes”. Se conseguirmos entender os mecanismos pelos quais a microbiota se modifica, ele diz, talvez possamos induzir tais mudanças sem a necessidade da cirurgia.


Bem, nem todo mundo aceita a ideia de que a inflamação seja a causa da obesidade e da síndrome metabólica. Mesmo entre os proponentes da ideia, ninguém afirma que toda e qualquer inflamação emana da microbiota. Além disso, se você aceita que a inflamação contribui para a obesidade, então você obrigatoriamente deverá considerar todas as outras formas de se produzir inflamação. E o interessante é: muitas delas estão de fato implicadas na obesidade!


Poluição particulada dos canos de descarga e de fábricas, ligada à asma, doença cardíaca e obesidade, é uma causa conhecida de inflamação. Assim como o stress crônico. E fatores de risco podem interagir entre si: em grupos de macacos em cativeiro, as fêmeas hierarquicamente superiores, e que sofrem menos stress, podem comer mais junk-food sem desenvolver síndrome metabólica quando comparadas às fêmeas hierarquicamente inferiores (e mais estressadas). Os epidemiologistas fizeram observações semelhantes em humanos. Pessoas mais pobres sofrem mais com as consequências de dietas péssimas do que pessoas mais ricas com as mesmas dietas. Os cientistas que estudam este fenômeno o chamam de “síndrome do status”.


O exercício, por sua vez, é anti-inflamatório, o que pode explicar porque uma caminhada acelerada pode melhorar imediatamente a sensibilidade à insulina.O exercício também fortalece a saudável gordura marrom, um tecido que queima calorias ao invés de estocá-las, como o faz a gordura normal. Esta relação pode explicar como a atividade física ajuda a perder peso. Sim, exercício queima calorias, mas a quantidade em geral é trivial. Para compensar um mísero bagel a mais no café da manhã – cerca de 290 calorias – seria necessário correr por 20 minutos. E isso é sem contar um eventual cream cheese. A privação de sono pode ter o efeito contrário, favorecendo a gordura branca em detrimento da marrom, e alterando o metabolismo (uma única noite mal dormida pode lhe deixar tão resistente à insulina no dia seguinte como um diabético tipo 2).


E há o cérebro. Michael Schwartz, diretor do Centro de Excelência em Diabetes e Obesidade da Universidade de Washington em Seattle, descobriu que o centro regulador do apetite no cérebro – o hipotálamo – está frequentemente inflamado e danificado em pessoas obesas. Ele consegue reproduzir este dano ao alimentar camundongos com uma dieta de alta gordura (gordura ruim, inflamatória, deficiente em colina, etc…); o consumo crônico de junk food (comida-lixo), ao que parece, danifica essa parte do cérebro. E, o que é crucial, a inflamação cerebral precede o ganho de peso, sugerindo que este dano possa causar, ou ao menos contribuir para, a obesidade. Em outras palavras, ao destruir nossos centros de controle do apetite, a junk food pode acelerar o seu próprio consumo excessivo, produzindo um ciclo vicioso no qual consumimos mais ainda do veneno que desestrutura toda a nossa fisiologia.


E claro, há a contribuição genética à obesidade. Mas mesmo aqui, a inflamação está presente. Alguns estudos sugerem que variantes genéticas que aumentam determinados aspectos da resposta imune estão mais presentes em indivíduos obesos. Em eras passadas, estes genes provavelmente ajudavam a combater infecções. No contexto atual, contudo, podem aumentar o risco de síndrome metabólica.


Se a inflamação produz obesidade ou se apenas contribui para mesma, o quanto dessa inflamação emana da nossa microbiota, ou mesmo se ela causa ganho de peso ou se é consequência do mesmo – estas são todas questões ainda em aberto. Mas está claro que inflamação crônica de baixa intensidade, de onde quer que venha, faz mal saúde. E como Dandona descobriu há tantos anos, a comida pode ser pró- ou anti-inflamatória. O que nos traz de volta a questão: o que devemos comer?


Cinquenta anos atrás, devido à percepção de que pudesse haver uma associação com doença cardíaca, os nutricionistas alertaram contra o consumo de gorduras animais e recomendaram óleos vegetais hidrogenados, tais como margarina. Bem, resulta que estas gorduras vegetais encorajam a formação de placas nas artérias, enquanto algumas gorduras que as pessoas passaram a comer menos (como as dos peixes e o azeite de oliva, por exemplo), parecem prevenir doença cardiovascular e obesidade.


À medida em que as pessoas passaram a cortar gorduras saudáveis da dieta, elas compensaram comendo mais açúcar e carboidratos refinados. Mas uma dieta rica em açúcar tende a causar endotoxemia, fígado gorduroso e síndrome metabólica em animais. Então, está aí mais uma razão para evitar alimentos açucarados e refinados.


E que dizer de dietas populares para perda de peso como a dieta Atkins, que enfatizam proteína? (não é verdade, Atkins é uma dieta low carb high fat que enfatiza alta gordura e baixo carboidrato, e não proteína – veja aqui). Em um estudo de 2011 cientistas da Universidade de Aberdeen, na Escócia, submeteram 17 homens obesos a uma dieta low carb de alta proteína. Houve um declínio nos germes anti-inflamatórios, cujos produtos de fermentação são críticos para a saúde colônica, e produziram um perfil microbiano associado com câncer de cólon. Assim, embora possa produzir rápida perda de peso, uma dieta de alta proteína e baixo carboidrato poderia predispor as pessoas a câncer de cólon (obviamente essa é uma afirmação sem fundamento – associação não é causa e efeito, e nas populações de estilo de vida tradicional que seguem dietas cetogênicas – os Esquimós e os Masai – o câncer de cólon é uma doença INEXISTENTE. Mas o motivo desta postagem é justamente propor uma solução para a questão da flora intestinal dentro do contexto de uma dieta de baixo carboidrato – continue lendo esta matéria, e aguarde a próxima postagem). Na versão em roedores deste experimento, a adição de amido prebiótico (amido resistente) eliminou o efeito carcinogênico. Novamente, não é apenas o que está presente na sua dieta que importa, mas também o que que está ausente.

Então, deveríamos colocar um pacote de fibra em nosso cheeseburger? Dandona estudou essa possibilidade e diz que, embora esse estudo ainda não tenha sido publicado, e descobriu que estas fibras empacotadas, quando consumidas juntamente com fast-food, amenizam os seus efeitos inflamatórios. As empresas de fast food poderiam, em tese, encher seus pães de pré-bióticos, protegendo um pouco os seus clientes da síndrome metabólica (seria como colocar remédio para asma misturado com cigarro, mas tudo bem…).

Mas isso não é o que Dandona e outros estão defendendo. A abordagem da pílula – a ideia de que nós pudéssemos capturar a cura dentro de um comprimido – pode ser parte do que nos levou ao problema que temos hoje. Variedades naturais e complexidade têm seu próprio valor, tanto para nós como para nossos micróbios. Isso pode explicar porque o suco de laranja, que contém um monte de açúcar, não tem efeitos inflamatórios enquanto uma quantidade caloricamente equivalente de água com açúcar tem. Flavonoides, outros fitoquímicos, vitaminas, a pequena quantidade de fibra e outras coisas que ainda precisam ser quantificadas podem todas ser protetoras.

Com este objetivo, considere um estudo de Jens Walter, um cientista da Universidade de Nebraska-Lincoln.  Ele suplementou a dieta de 24 voluntários com arroz integral, cevada ou ambos. Fora isso, eles continuaram a comer sua dieta habitual. Após 4 semanas, aqueles que consumiram ambos tiveram um aumento das contagens de bactérias anti-inflamatórias, melhora da sensibilidade à insulina e redução da inflamação – mais do que aqueles que suplementaram com apenas um tipo de grão. Walter não acredita que seja uma coincidência que aqueles que comeram ambos grãos tenham observado uma maior melhora. A combinação provavelmente ofereceu aos micro-organismos um leque maior de opções de fibras fermentáveis. (Concordo. Um alerta, porém: consumir açúcar e glúten com fibras – grão integral – é melhor do que açúcar e glúten sem fibras – grão refinado. Como de hábito, não há um grupo páleo que consuma muito mais fibra, zero glúten e pouco açúcar, para comparação – quando essa comparação é feita, o grupo sem grãos e com mais fibra é melhor – veja aqui e aqui. Só porque comer grãos integrais é melhor do que a dieta americana padrão, não significa seja algo bom. QUALQUER alternativa à dieta americana padrão está fadada a parecer boa na comparação).


Os cientistas também estão muito interessados em criar “simbióticos”, uma mistura de probióticos e das fibras pré-bióticas que os alimentam. Estas combinações podem já existir em pratos tradicionais como chucrute e kefir. Em tese, estas comidas fermentadas e não-pasteurizadas que retém suas comunidades bacterianas contém 3 vantagens em um pacote único: contém fibras pré-bióticas, bactérias probióticas e subprodutos saudáveis da fermentação como vitaminas B e K. Vários estudos têm sugerido que adotar este tipo de alimento pode proteger contra síndrome metabólica. Em um estudo de um mês de duração com 22 sul-coreanos com sobrepeso, Kimchi fermentado e não-pasteurizado (feito com repolho) melhorou os marcadores de inflamação e produziu uma dimiuta queda no percentual de gordura. Kimchi fresco, não fermentado, também ajudou, mas não tanto. Em outro estudo duplo-cego controlado com placebo em 30 coreanos, uma pílula de pasta de soja fermentada consumida diariamente por 12 semanas diminuiu a temida gordura visceral em 5%. Triglicerídeos, um fator de risco para ataques cardíacos, também declinaram. Enquanto isso, um estudo epidemiológico indicou que o consumo de arroz e Kimchi reduziu as chances de síndrome metabólica. Tudo isso dá pistas de que, no futuro, chucrute, Kimchi, picles em conserva e outros alimentos fermentados que contenham culturas microbianas vivas possam vir a fazer parte dos tratamentos anti-obesidade.

Então, o que mais comer? Cebola e alho são especialmente ricos na fibra prebiótica inulina, que alimenta seletivamente bactérias boas. Batatas, bananas e inhames têm montes de amido resistente. Maçãs e laranjas têm uma boa quantidade de polissacarídeos (outro tipo de pré-biótico). Nozes e grãos também (mas estes últimos contém glúten e amido altamente digerível, então fique com as outras opções). Não esqueça de seus vegetais crucíferos (couve, brócolis e couve flor) e legumes. Não há vegetal mágico. Sim, algumas plantas são especialmente ricas em pré-bióticos (alcachofra de Jerusalém, por exemplo), mas o fato é que as fibras são abudantes em vegetais em geral, e por um motivo simples: as plantas armazenam energia nelas. E é por isso que são resistentes à digestão – elas são “desenhadas” para durar.

As mesma “qualidades” que melhoram o apelo ao paladar e prolongam a validade – mais açúcar, gorduras que não ficam rançosas e falta de complexidade orgânica – tornam os alimentos refinados tóxicos para as suas bactérias essenciais. Alimentos processados biologicamente simples podem cultivar uma comunidade microbiana tóxica, que lembra as proliferações excessivas de algas que resultam em zonas mortas no oceano.

De fato, os cientistas realmente observam uma zona morta quando olham a microbiota de uma pessoa obesa. Os micróbios naturalmente formam comunidades. Em pessoas obesas, não apenas os germes anti-inflamatórios são escassos, mas a diversidade geral está reduzida, e a estrutura das comunidades resulta degradada. Micro-organismos que, numa analogia ecológica, poderíamos chamar de pestes – os ratos e baratas do seu mundo interior – circulam desimpedidos. Qual a lição? Comida-lixo pode causar uma espécie de anarquia microbiana. Espécies oportunistas florescem enquanto a a estrutura maior entra em colapso. Membros cooperativos são escanteados. E você, que ao mesmo tempo contém e depende desse ecossistema, paga o preço.

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