Flora intestinal 3 – Amido Resistente – parte 2, como fazer

Se ainda não leu, leia antes as postagens sobre FLORA INTESTINAL 1 e 2, bem como aparte 1 da postagem atual.

Na postagem anterior, descrevemos como o amido resistente é capaz de induzir uma flora intestinal anti-inflamatória, reduzir a resistência à insulina, reduzir significativamente a elevação da glicemia e de insulina que ocorre após a ingestão de carboidratos e melhorar a constipação. Nesta postagem, vamos explicar como fazer isso.

O amido resistente está presente naturalmente em vários alimentos. Nem todos fazem parte daquilo que recomendamos em uma dieta páleo (de que adianta algumas gramas de amido resistente, mas com glúten e montes de amido comum junto?).

Richard Nikoley e Tim Steele, no blog freetheanimal.com, popularizaram a técnica de suplementar amido resistente com o emprego de Unmodified Raw Potato Starch, ou seja, Fécula de batata crua e não modificada. A marca testada e aprovada pode ser encontrada na Amazon, mas é vendida apenas na América do Norte (mais abaixo, descreverei as alternativas nacionais):

Este produto, tirando a umidade, é quase 100% amido resistente. É, digamos assim, o padrão-ouro. Os estudos em humanos foram feitos com cerca de 30g de amido resistente por dia, o que equivale a cerca de 4 colheres de sopa de fécula de batata crua.

Pessoas magras, saudáveis, e com flexibilidade metabólica toleram bem o consumo de 150-200g de carboidratos páleo. Para estas pessoas, o amido resistente pode ser obtido na própria dieta (veremos como, abaixo).

Mas há uma categoria de pessoas para as quais a suplementação é fundamental: os diabéticos, os portadores de síndrome metabólica e as pessoas que estão empregando uma dieta cetogênica (menos de 50g de carboidratos por dia) como instrumento terapêutico ou para perda de peso. Nestes casos, consumir alimentos que contenham amido resistente mas que também elevem o açúcar no sangue não é uma alternativa viável ou desejável.

Após muitas semanas e muitas picadas nos dedos, além da colaboração de outros leitores e membros dos fóruns do facebook, descobri algumas alternativas disponíveis no Brasil (e alguns problemas também). Mas primeiro, um alerta: para preservar o amido resistente, há uma regra absolutamente fundamental:

  • Tem que ser consumido CRU.

É, desculpa pessoal, mas isso não é uma autorização para começar a fazer receitas de guloseimas no forno. Páleo continua sendo uma proposta de comida de verdade, baseada em comer plantas e bichos – se alguém lhe passar receitas de forno e fogão que envolvam banana verde, polvilho doce, etc, alegando que trata-se de uma forma de comer amido resistente, fuja! Vou repetir devido à importância desse fato: o aquecimento do amido resistente o transforma em amido comum, de rápida absorção. Aquecer a fécula de batata e comer equivaleria a comer glicose em pó, ok? Não dá pra fazer tortas e bolos, ok? Bem entendido? Vamos adiante.

Se a fécula/farinha tiver sido aquecida ou submetida a pressões extremas durante a sua fabricação, isso modifica as características dos grânulos de amido, podendo fazer com que o produto aumente a glicemia, ao contrário do que ocorre com o Bob’s Red Mill Unmodified Raw Potato Starch, da foto acima.

Como saber se o que dispomos no Brasil atende a esses requisitos? Só há um jeito – testando!

Eu fiz vários testes de vários produtos, e todos os testes foram padronizados da seguinte forma: glicemia de jejum, consumo de 4 colheres de sopa do produto diluídos em um copo d’água, e glicemia 30, 60, 90 e 120 minutos após.

Qual seria o resultado esperado? Um produto como a Raw Potato Starch da Amazon não eleva em nada a glicemia, e frequentemente a REDUZ devido ao efeitos já referidos do amido resistente. Produtos que tenham amido resistente e algum amido comum ou açúcar, podem elevar um pouco a glicemia, o que não é problema para a maioria das pessoas, salvo os diabéticos de mais difícil controle. Produtos que elevem significativamente a glicemia não são adequados. 

-> Polvilho doce. O nome doce é apenas para diferenciar de polvilho azedo, que é fermentado e tem mais amido comum. Trata-se do amido da mandioca. Testei a marca Yoki. Minha glicemia foi de 85 no jejum para 100, e permaneceu em torno de 100 por 2 horas, baixando em 150 minutos. Impressão: alternativa bem razoável, barata em com gosto aceitável. 

-> Fécula de batata Yoki: basicamente, tive o mesmo resultado do polvilho doce. Impressão: pode haver calor/pressão envolvido no seu preparo, pois o resultado, no meu teste, foi inferior ao relatado com a fécula americana. O leitor Arthur Gumz testou, e chegou à conclusão de que baixa a glicemia após 1h. Parece ser uma alternativa boa, visto que se encontra mais facilmente em supermercados. Não posso colocar minha mão no fogo no que diz respeito à possibilidade de contaminação por glúten, mas não tenho evidências nesse sentido.

-> Fécula marca X (não vou divulgar publicamente, pois teria que mandar analisar para confirmar minhas suspeitas, e não quero me incomodar na justiça): glicemia de jejum 92, glicemia 1 horas depois 88 – ou seja, BAIXOU. Testei novamente, e de fato a glicemia baixava – da mesma forma que o observado nos relatos com a fécula americana. Passei a suplementar diariamente, e minha dermatite herpetiforme voltou com toda a força. Dermatite herpetiforme é uma doença causada pelo glúten. Neste meio tempo, outro paciente meu com sensibilidade ao glúten passou a apresentar sintomas. O problema desapareceu em mim e no paciente após cessar o uso. Embora o rótulo diga “não contém glúten”, é obvio que estava contaminada. 

-> Farinha de banana verde. Elevou a glicemia de 83 para 113 em 30 minutos e 109 em 60 minutos. Tenho suspeitas de que tenha sido aquecida no preparo ou que não seja pura (ao menos a marca que testei) -> e era a mesma marca X, acima! Esta marca específica não me agradou. Não testei outras. Mas o leitor Flávio Melo testou (marca Germina), e o resultado foi bem melhor, com glicemia saindo de 92 em jejum e indo para 97 em 60 minutos. Ou seja, vai depender da marca. Mas o gosto é medonho. De tudo o que testei, foi a única coisa que me deu ânsia de vômito. Com água, é verdade.

-> Banana verde (duas) – a fruta propriamente dita -> BAIXOU  a glicemia de 98 para 82. 

-> Dirlene D’Aggio, autora do blog Deli Art Creations (um blog de confeitaria sem glúten), ensina a fazer a sua própria fécula de batata aqui. É dela a dica de uma fécula de batata segura, no que diz respeito a não conter glúten: marca Aminna. Não sei se é fácil de achar, nem tive oportunidade de testar o efeito glicêmico (mas se alguém testar, me avise!).

Em resumo, para quem quiser suplementar, dadas as informações de que disponho no momento (e que poderei atualizar à medida que as pessoas me enviarem seus testes com diferentes marcas), eis a sugestão:

1) Polvilho doce: 4 colheres de sopa misturadas em alguma coisa fria (iogurte, água, batida com abacate ou em algum smoothie). Isso pode ser consumido em uma tomada ou dividida em 2 ou mais tomadas. A dose pode ser aumentada aos poucos, para que o intestino se acostume.

2) Banana verde: Verde no sentido de não-madura. Verde como essa banana, devidamente decorada pela minha filha:

Duas bananas verdes têm aproximadamente a mesma quantidade de amido resistente do que 4 colheres de sopa de fécula de batata (além de não correr o risco de contaminação com glúten). E o preço? Bem… é vendido a preço de banana 🙂

Elas não são fáceis de descascar. A melhor forma é cortas as pontas, cortar ao comprido em duas metades e aí sim, tirar a casca.

Bananas verdes amadurecem rápido! Se você tem apenas um cacho, deixe na geladeira. Se tem uma penca, congele uma parte, para que permaneçam verdes.

O problema é como comer isso. Comer puro é, digamos, um gosto aprendido (eufemismo para dizer que gruda na boca e é bem ruim). Mas pode ficar bem disfarçada quando batida no liquidificador juntamente com outras coisas tais como um pouco de leite e canela (ou água com gelo e nata, para quem faz dieta cetogênica). Fica bem com abacate também. E se você faz páleo com mais carbs, como é o meu caso, há uma solução simples: bater uma banana verde junto com uma madura – pra mim, fica com gosto de vitamina de banana – uma bela sobremesa.

3) Fécula de batata: Dirlene D’Aggio, autora do blog Deli Art Creations, me deu a dica da fécula de batata segura no que diz respeito a não conter contaminação cruzada com glúten: Aminna. Não testei quanto ao efeito glicêmico (e fico aguardando os testes de vocês, leitores). Por hora, posso dizer que testei a marca Yoki sem problemas, mas a Dirlene alerta que já houve queixas nos grupos de celíacos, de que a qualidade varia de acordo com o lote. Misturar a frio com o que quiser (iogurte, água, etc), até 4 colheres de sopa.

Amido resistente na alimentação.

Conforme aludido na postagem anterior, existe um tipo de amido resistente que forma-se retrogradamente quando o amido comum é aquecido e depois resfriado.

Por exemplo: batatas cruas contém grande quantidade de amido resistente tipo 2. Uma vez assada, o valor cai a zero. Mas uma vez resfriadas, forma-se um novo tipo de amido resistente (tipo 3); não é muito, ainda resta bastante amido comum, mas o fato é que batatas frias (como as de uma salada de maionese) contêm amido resistente. O mesmo ocorre com o arroz – comer arroz requentado é melhor. Um caso que chama especial atenção é o do arroz parboilizado. O método pelo qual este arroz é produzido, inclui sua fervura seguida de resfriamento, o que produz amido resistente tipo 3. A maioria dos tipos de arroz tem um índice glicêmico muito elevado, bem maior do que o do açúcar de mesa. Mas o arroz parboilizado (Uncle Ben’s cozido por 20 minutos, no caso deste estudo) tem um índice glicêmico de 38. Para se ter uma ideia, 40 é o índice glicêmico dos morangos, uma fruta que pode ser consumida até em dietas cetogênicas (bem verdade que a carga glicêmica dos morangos é muito menor).

E se você prepará-lo, resfriá-lo e depois reaquecer, o conteúdo de amido resistente aumenta ainda mais.

Sabendo-se que o consumo de amido resistente faz com que a pessoa tenha respostas insulínicas e glicêmicas muito menores, o uso dessa estratégia pode facilitar a transição de pessoas que estão em dietas cetogênicas para uma dieta páleo mais rica em carbs (com frutas e raízes), sem que haja ganho de peso.

Ainda pretendo escrever sobre o livro Perfect Health Diet, de Paul Jaminet, cujas ideias me seduzem mais a cada dia. Basicamente, uma dieta páleo high fat com um pouco mais de carboidratos na forma de amidos seguros – incluindo um pouco de arroz. Se vc for seguir a PHD, faça-o com arroz parboilizado!

Já escrevi de forma tangencial sobre outro autor, Tim Ferriss, autor de 4 horas para o corpo. Ferriss defende uma dieta “SLOW CARB”, na qual emprega uma dieta low carb com feijões, muitos feijões. E eu conheço pessoas que tiveram muito sucesso com essa abordagem. Sabendo agora que os feijões são ricos em amido resistente, começo a ver o trabalho de Ferriss com outros olhos. Nada como um dia depois do outro. Mas não esqueçam – leguminosas (coisas que crescem em vagem) podem ser problemáticas para quem tem doenças auto-imunes e “leaky gut” (intestino com permeabilidade aumentada). Prometo escrever sobre leguminosas adiante, talvez no próximo feriado prolongado.

Mais uma vez, tenho interesse nas experiências de vocês, leitores, especialmente de diabéticos tipo 2, mas também de pessoas com dislipidemia. Aguardo seus comentários.

Área de Membros Ciência Low-Carb

Acesso a conteúdo
premium exclusivo