Manchete ridícula da semana No.2 – Proteínas aumentam risco de câncer

Esta é outra versão das manchetes do estudo referido na postagem anterior:

Estudo alerta: dieta rica em proteína animal pode aumentar risco de câncer

Segundo ‘Cell Metabolism’, perigo de morte pela doença quadruplicaria e seria comparável ao do fumo. Recomendação de ingestão é de 0,8 a 1g/kg de peso

Como já foi salientado, o artigo é observacional, usou um único questionário aplicado há 18 anos perguntando às pessoas o que elas comeram na véspera, e NÃO achou impacto na mortalidade e nem em câncer no grupo como um todo, e foi apenas depois que os pesquisadores massagearam os dados que surgiu a associação estatística no pacientes com menos de 65 anos (e a proteção contra doenças acima dessa idade).

Como de hábito, Hilton Sousa, do http://www.paleodiario.com/, foi rápido no gatilho, traduzindo o artigo de Andreas Eeenfeldt:

É perigoso comer carne antes dos 65 anos ?

Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.

Carne à americana. Não mostrado na foto: o refrigerante.

É perigoso comer carne se você tem entre 55 e 65 ? Comer grandes quantidades de carne torna-se repentinamente saudável depois que você completa 65 ?

É essa conclusão – um tanto quanto confusa – que alguns pesquisadores tiram de um novo estudo americano baseado num questionário.

Como é de praxe, temos que tomar essas manchetes sensacionalistas com uma pitada substancial de sal. Esse foi apenas um questionário sobre alimentação que foi enviado para alguns milhares de americanos, e cujas respostas foram observadas pelos pesquisadores e associadas a doenças.

Associação incerta

Como os leitores regulares sabem, não se pode provar causalidade correlacionando estatísticas de estudos tipo questionário. Somente jornalistas ignorantes ou sensacionalistas acreditam que sim. Infelizmente, esses dois grupos parecem constituir a vasta maioria dos jornalistas.

Em exame subsequente, mostrou-se que no mínimo 80% de descobertas similares por questionários incertos estão incorretas – veja a tabela 4 do excelente artigo Porque a maioria das descobertas publicadas é falsa.

Então, uma manchete mais cientificamente correta seria “Há uma chance de 20% de que a carne quadruplique o risco de câncer para pessoas com menos de 65 anos e que reduza o risco para pessoas mais velhas”. Não é tão instigante.

A correlação estatística entre comer carne e doença em pessoas com menos de 65 nos EUA pode muito ber ser devida ao fato de que o consumo de carne lá está associado com a ingesta de junk food, tabagismo, falta de exercício e falta de vegetais – e o mesmo vale para qualquer estilo de vida insalubre que você possa imaginar.

O que, em todos esses estilos pouco saudáveis, é a causa da doença ? Estatísticas não conseguem provar isso.

IGF-1 e câncer

Portanto, há boas razões para ignorar o estudo. Mas eu acho que ainda há alguma verdade por trás dele. Cientistar reportam que proteína (proteína animal de boa qualidade, em particular) pode elevar os níveis do hormônio IGF-1, que estimula a divisão celular. Altos níveis de IGF-1 podem, no longo prazo, aumentar o risco de câncer.

O que eles não mencionam é que os carboidratos também aumentam os níveis de IGF-1, no mínimo o mesmo tanto. Particularmente, os carboidratos ruins em grandes quantidades elevam radicalmente os níveis de IGF-1. A única coisa que você pode comer que não eleva significantemente os níveis de IGF-1 é gordura.

A conclusão lógica é que qualquer variação de uma dieta de baixo carboidrato com quantidades moderadas de proteína (e gordura suficiente) é a mais saudável no longo prazo – ao menos para manter o IGF-1 baixo e ao mesmo  tempo se sentir bem. Quanto de proteína ? A quantidade suficiente para que você se sinta bem, satisfeito e permaneça forte e saudável. Como é que chamamos esse conceito ? LCHF.

Um caso a ser elogiado – postura do Jornal Zero Hora.

Poucas horas após a minha postagem, fui entrevistado pela jornalista da Zero Hora, pois queriam um contraponto a respeito dessa notícia. E o que foi publicado na edição impressa do jornal foi uma notícia com muito mais nuances do que o que vi no resto da imprensa:

07 de março de 2014 | N° 17725AlertaVoltar para a edição de hoje

DIETA

Complicaram sua refeição

Dois componentes básicos da dieta humana entraram em discussão nesta semana. Enquanto uma pesquisa internacional coloca o alto consumo de proteína no mesmo patamar do tabagismo para risco de morte por câncer, a Organização Mundial da Saúde abre consulta pública para rever a dose diária de açúcar atualmente recomendada. A maior polêmica está instalada em torno do estudo sobre proteína, que desperta questionamentos de especialistas quanto à metodologia utilizada e à interpretação dos dados.

O alto consumo de proteína animal – incluindo carne, leite e queijo – representaria risco quatro vezes maior de morte por câncer em relação a uma dieta com baixo consumo proteico. Esse risco seria comparável ao prejuízo do tabagismo à saúde. Quem consome grande quantidade de proteína animal (ao menos 20% do total de calorias diárias) também estaria mais suscetível à morte precoce e, ainda, a morrer de diabetes. As conclusões são de uma pesquisa publicada no Cell Metabolism, um periódico científico americano que acompanhou 6.381 pessoas por 18 anos.

Os malefícios da proteína, entretanto, só valeriam para quem tem entre 50 e 65 anos. Para os mais velhos, ela teria efeito protetor. A explicação estaria no hormônio do crescimento IGF-1, que tem sido relacionado à morte por câncer. Necessário para equilibrar o organismo após os 65 anos, quando os níveis de IGF-1 caem drasticamente, antes disso, o excesso de proteína poderia deixar os índices desse hormônio altos demais.

Urologista e autor de um blog sobre dieta paleolítica (à base de proteína – isso não é verdade, como já discuti em outras postagens do blog – clique aqui), José Carlos Souto questiona essa relação, pois outros estudos demonstraram que o IGF-1 estimula o crescimento de tumores já existentes, mas não é causador de câncer. Além disso, os carboidratos também são responsáveis por aumentar os índices do hormônio.
Outro ponto fraco da pesquisa, para Souto, é a ausência de dados sobre hábitos dos participantes:

– Pessoas que consomem muita carne vermelha tendem a fumar mais, consumir mais álcool e ser sedentárias. Não há como saber, com base nesse estudo, se é a proteína a culpada pelo câncer.

Para o nutrólogo Paulo Henkin, diretor da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran) na Região Sul, a comparação com os riscos do tabagismo é absurda. O tipo de cozimento deveria ser levado em conta:

– Só há uma circunstância em que a carne pode conter uma substância cancerígena chamada nitrosamina, que é quando fica aquele queimadinho. Enquanto isso, há dezenas de elementos químicos identificados na fumaça do cigarro que são sabidamente cancerígenos.

Metodologia é questionada

A pesquisa também perderia credibilidade por não cruzar a quantidade de carne consumida pelos entrevistados com os demais componentes da dieta. Segundo Henkin, já foram identificados 24 mil micronutrientes em hortaliças que teriam efeito protetor contra o câncer. Uma alimentação balanceada poderia neutralizar as substâncias cancerígenas.

O nutricionista e bioquímico Gabriel de Carvalho destaca que os dados utilizados registram um único dia da alimentação dos participantes, sem discriminar se a proteína veio de carne vermelha, peixe, frango ou queijo e leite. A diferença entre os hábitos alimentares dos americanos, nacionalidade dos participantes da pesquisa, e dos brasileiros deve ser considerada.

– O nosso gado é criado livre no pasto. A carne consumida pelos participantes do estudo, muito provavelmente, tem origem em um gado confinado, tratado com hormônios para ganhar peso rapidamente, o que muda as características desse alimento – explica.

Por trás das ressalvas feitas pelos especialistas ouvidos por ZH está a questão metodológica: por ser um estudo baseado na observação, não permitiria chegar a conclusões de causa, nem a números absolutos.

Apesar de alardear o risco de morte por câncer, Valter Longo, um dos coautores do estudo, recomenda seguir os padrões de consumo das principais agências de saúde: 0,8 grama de proteína por quilo de seu peso total por dia, o que representaria em torno de 55 gramas para uma pessoa de 70 quilos.

OMS recomenda menos doce no dia a dia

Na mesma semana em que a divulgação do estudo de Valter Longo lançou alerta para a quantidade de “carne no espeto”, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que irá divulgar um documento enfatizando os benefícios de se reduzir o doce da sobremesa.

O documento deve manter a quantidade diária de açúcar recomendada a um adulto em 10% do valor total de energia, mas irá mostrar os benefícios de se consumir menos da metade dessa porção para evitar problemas como obesidade e cáries.

Segundo a organização, 5% do valor energético diário consumido por uma pessoa corresponde a 25 gramas de açúcar, ou seis colheres de chá. Só que boa parte do consumo desse ingrediente está escondida em alimentos processados. Uma colher de ketchup, por exemplo, tem o equivalente a uma colher de chá de açúcar, e uma lata de refrigerante comum tem até 40 gramas de açúcar, ou 10 colheres de chá.

A proposta da OMS é reduzir limites para produtos com glicose e frutose, açúcar de mesa, mel, xaropes, sucos de frutas e concentrados.

– O consumo de açúcar está ligado à obesidade. Como a maioria das pessoas tem feito cada vez menos atividades físicas, é bom reduzir a ingestão desse ingrediente na alimentação – observa o nutrólogo Paulo Henkin, diretor da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran) na Região Sul.

O médico salienta que reduzir o consumo de açúcar não significa trocá-lo por adoçante. O adoçante contém aspartame, substância que pode conter agentes cancerígenos.

O esboço da nova proposta está aberto para consultas públicas até o final deste mês. Para participar, é preciso acessar o site oficial da OMS: www.who.int.

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