99% do que eu leio é em inglês, e a maioria nunca chega até o blog por total falta de tempo.
Mas 100% do que eu leio eu repercuto no twitter. Se você quiser acompanhar as últimas notícias, por favor não deixe de seguir:
Eis um assunto sobre o qual eu “tuitei” semanas atrás, e que só estou trazendo para cá porque o Hilton Sousa traduziu:
Trata-se de um editorial em importante revista britânica de cardiologia (original aqui). Eis a tradução, por Hilton Sousa:
As consequências cardiometabólicas da substituição de gorduras saturadas por carboidratos ou gorduras ômega-6 poliinsaturadas: as diretrizes dietéticas entenderam tudo errado ?
Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.
por James DiNicolantonio
Introdução
Uma publicação recente por Malhotra [1] foi excelente, inspiradora e bateu numa tecla importante que tem sido debatida há mais de 50 anos: as gorduras saturadas são tão ruins quanto temos sido levados a crer ?
A história da hipótese da “dieta do coração”, com pouca gordura
A vilificação da gordura saturada por Keys [2] iniciou-se duas décadas antes do estudo dos sete países, no qual Keys mostrou uma associação curvilinear entre as calorias provenientes da gordura em relação à quantidade total de calorias, e as mortes por doenças cardiodegenerativas de 6 países. Entretanto, ele excluiu os dados de 16 países que não se enquadravam em sua hipótese. De fato, havia dados disponíveis na época para 22 países, e quando todos os paises eram observados, a associação diminuía muito [3]. Indo além, nenhuma associação existia entre a gordura da dieta e a mortalidade por todas as causas [3]. Então, os dados passados promovidos por Keys mostrando que um percentual aumentado de consumo calorias de gordura aumentavam o risco de morte, não são válidos (e certamente jamais poderiam provar a causalidade). Esses dados aparentemente nos levaram pela “estrada dietética” errada pelas décadas seguintes, conforme apontados por outros [4, 5]
As consequências de trocar gorduras saturadas por carboidratos
O original das Diretrizes Dietárias para Americanos, publicadas em 1977, propunha aumentar os carboidratos e diminuir a gordura saturada e o colesterol na dieta [6 ,7]. Isso derivava da crença que, uma vez que as gorduras saturadas aumentam o colesterol total (uma teoria errada, para começo de conversa) elas devem aumentar o risco de doença cardíaca. Mais ainda, acreditava-se que uma vez que a gordura é o mais calórico dos macronutrientes, uma redução em seu consumo levaria a uma redução nas calorias e a uma subsequente diminuição da incidência de obesidade, bem como de diabetes e síndrome metabólica. Entretanto, o conselho para aumentar a ingesta de carboidratos aparentemente tornou as coisas piores, com um aumento no seu consumo (principalmente xarope de milho) fazendo um paralelo com o aumento da incidência de diabetes e obesidade nos EUA [8]. Nessa análise, a gordura não foi associada com diabetes tipo 2 quando se levava o total de ingesta de energia em consideração [8], e a ingesta de gordura saturada nos EUA durante essa época também não estava ascendente [9]. Tais dados proveem um forte argumento de que o aumento no consumo de carboidratos refinados foi o fator dietário causador da epidemia de diabetes e obesidade nos EUA.
Esses dados são ainda mais fortalecidos por um estudo dietético randomizado e controlado, que comparou uma dieta com pouca gordura (< 10% de gordura saturada) e uma dieta com pouco carboidrato (12% das calorias totais provenientes de carbs) [10, 11]. Enquanto ambas dietas eram pobres em calorias (1500kcal/dia), a dieta low-carb mostrou melhora mais significativa em numerosos aspectos tais como [10, 11]:
- gordura corporal (gordura abdominal, massa corpoal)
- lipídios (triglicérides, apolipoproteína (ApoB))
- tolerância à glicose (glicose, insulina e resistência à insulina – medidos via modelo de avaliação de homeostase)
- inflamação (fator de necrose tumoral alfa, interleucina (IL) 6, IL-8, proteína quimiotática de monócitos 1, E-selectina, molécula de adesão intercelular 1)
- marcadores trombogênicos (inibidor do ativador de plasminogênio)
Além disso, a dieta low-carb:
- aumentou o colesterol HDL
- reduziu a proporção ApoB/ApoA
- reduziu as partículas menores e densas do colesterol LDL
Ao mesmo tempo, todos esses fatores foram piorados em uma dieta low-fat [10, 11].Então a saúde cardiometabólica geral parece melhorar bastante quando os carboidratos são restringidos, ao invés da gordura.
A presunção de que uma dieta com pouca gordura reduz o colesterol “ruim” (LDL) é uma noção imprecisa. Enquanto o LDL total pode ser reduzido por uma redução na ingesta de gordura, se substituída por carboidratos, isso pode aumentar as partículas LDL-B (pequenas e densas) [10, 11] que são mais aterogênicas do que as particulas LDL-A (grandes e flutuantes) [12]. Além disso, os dados indicam que uma alta ingesta de gordura saturada diminui as partículas LDL-B e aumenta o LDL-A [13]. Então, trocar carboidratos por gordura pode melhorar a distribuição do tamanho das partículas de LDL (padrão B mudando para padrão A). Por último, se a gordura for trocada por carboidrato, isso pode piorar o perfil lipídico geral (HDL diminui, triglicérides aumenta, LDL-B aumenta) [10, 11].
Muitos outros estudos randomizados indicam que uma dieta low-carb reduz o peso e melhora os lipídios mais que uma dieta low-fat [14-18]. Então, reduzir carboidratos, ao contrário da gordura, parece ter mais efeitos favoráveis nos marcadores de dislipidemia aterogênica, inflamação, trombogênese e aterosclerose [10-18]. A partir desses dados, é fácil compreender que a epidemia global de aterosclerose, doença cardíaca, diabetes, obesidade e síndrome metabólica está sendo guiada por uma dieta rica em carboidratos/açúcar ao invés de gordura – uma revelação que estamos apenas começando a aceitar.
As consequências de trocar gorduras saturadas por gorduras ômega-6 poliinsaturadas
Não apenas a condenação das gorduras saturadas levou a um aumento no consumo de carboidratos, ela também levou a diversas diretrizes nutricionais recomendando substituir as gorduras saturadas por gorduras insaturadas, sem especificar quais ácidos graxos poliinsaturados (por exemplo, ômega-3 ao invés de ômega-6). A recomendação de aumentar as gorduras poliinsaturadas vem de análises conjuntas de dados sobre o aumento de ácidos graxos poliinsaturados ômega-6 e 3 [19, 20]. Entretanto, uma meta-análise de estudos controlados randomizados mostrou que trocar uma combinação de gorduras trans e saturadas por gorduras ômega-6 poliinsaturadas (sem simultaneamente aumentar os ácidos graxos ômega-3) leva a um risco aumentado de morte [21]. Esses resultados foram corroborados quando os dados foram recuperados do Estudo da Dieta do Coração de Sidney, e incluídos em uma meta-análise atualizada [22].
Outros estudos em humanos, não incluídos na meta-análise supracitada, incluem o o estudo do Clube Anti-Coronário, que mostrou que mais pessoas morreram (26 a 6 no total, e 8 a 0 devido a doença coronariana) quando a gordura saturada foi substituída por gordura poliinsaturada [23]. O Estudo Nacional da Dieta do Coração, um estudo randomizado, duplo-cego, também mostrou um número mais alto de eventos cardiovasculares (n=4) em uma dieta que era alta na proporção poliinsaturada(P)/saturada(S) (2:1), do que em uma dieta rica em gordura saturada (n=1, P/S=0.4) [24]. Então, o aconselhamento de trocar gorduras saturadas por poliinsaturadas (isto é, ômega-6) pode aumentar o risco de doença coronariana, eventos cardiovasculares, morte devido a doença coronariana e mortalidade em geral [21-24].
Razões para os efeitos potencialmente maléficos dos ácidos graxos ômega-6 podem ser devidas à sua promoção do câncer, supressão do sistema imune, redução do HDL e aumento da suscetibilidade de oxidação do LDL [25]. Mais evidências indicam um papel do ômega-6 na promoção de cânceres de próstata [26-28] e de mama [29]. Isso é suportado pelo Estudo do Clube Anti-Coronário, no qual houve um aumento de 71% no risco de morte por causas que não doença cardíaca entre indivíduos que foram colocados em uma dieta projetada para aumentar a proporção P/S em pessoas que não tinham tido eventos coronários anteriores [30]. Mais ainda, em um estudo clínico controlado por Dayton et al [31], houve aumento maior que três vezes no risco de morte devido a carcinoma quando a gordura saturada (principalmente de origem animal) foi substituída por gordura ômega-6 poliinsaturada (incluindo óleos de milho, soja, cártamo e algodão). Os danos potenciais de substituir gordura saturada por carboidratos ou ômega-6 poliinsaturado estão sumarizados na tabela 1.
Tabela 1 Malefícios potenciais da substituição de gordura saturada por carboidratos ou gorduras ômega-6 poliinsaturadas |
Potenciais malefícios de substituir gorduras saturadas por carboidratos:
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Potenciais malefícios de substituir gordura saturada por gorduras ômega-6 poliinsaturadas
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Falta de evidência para uma dieta com pouca gordura
Faltam dados que suportem uma dieta low-fat. No estudo sobre infarto do miocárdio com dieta pobre em gordura, um teste controlado foi feito para determinar se uma dieta low-fat iria melhorar a recuperação em 264 homens que tinham se recuperado recentemente do primeiro infarto do miocárdio [32]. Apesar do fato de os pacientes na dieta low-fat comerem significativamente menos gordura (45g/dia versus 110-130g/dia), consumirem menos calorias (aproximadamente 1950 calorias verus 2450 calorias), obterem um nível de colesterol mais baixo e conseguirem maior perda de peso corporal do que os do grupo de controle, não houve diferença no número de reinfartos ou morte.
Na Iniciativa para a Saúde da Mulher (N.T.: em inglês, Women’s Health Initiative – WHI), um estudo randomizado controlado incluindo 48.845 mulheres pós-menopausa, mostrou-se que uma dieta pobre em gordura não reduz o risco de doença coronária, derrame ou doença cardiovascular [33], apesar de uma redução significativa no LDL, e nem houve redução no câncer [34, 35]. Uma meta-análise por Siri-tarino et al [36] consistindo de 21 estudos epidemiológicos prospectivos, derivados de 347.747 participantes, indicou que a ingesta de gordura saturada não aumenta doença coronariana ou doença cardiovascular. Mais ainda, uma meta-análise recente por Cochrane indica que mudar a ingesta de gordura não afeta a mortalidade total ou mortalidade cardiovascular [37]. Apesar de a redução da gordura saturada estar associada com uma redução de 14% do risco de eventos cardiovasculares, isso não ocorreu ao se reduzir o consumo total de gordura [37]. Ebora o estudo WHI e as meta-análise de Siri-tarino e Cochrane não possam ser individualmente encaradas como definitivas, se interpretadas juntamente com “o estudo da dieta low-fat sobre o infarto do miocárdio”, um argumento muito convincente pode ser feito sobre a falta geral de evidência para dar sustentação à ideia de uma dieta pobre em gordura. As recomendações dietéticas baseadas em evidências da literatura estão sumarizadas na tabela 2.
Tabela 2 Recomendações dietária baseadas na evidência da literatura |
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O prego final no caixão da dieta low-fat são dois estudos estudos randomizados, um para a prevenção primária de doença cardiovascular, PREDIMED (Prevenção com Dieta Mediterrânea) [38], que indica a redução de grandes eventos cardiovasculares com uma dieta mediterrânea, comparada a uma dieta low-fat; e o outro para prevenção secundária de doença cardiovascular, o Estudo da Dieta do Coração de Lyon [39], mostrando que uma dieta mediterrânea reduz mortalidade por todas as causas e também cardiovascular, bem como infarto do miocárdio não-fatal, quando comparado com uma dieta pobre em gorduras.
Conclusões
Em resumo, os benefícios de uma dieta low-fat (particularmente uma dieta que substitua gorduras saturadas por carboidratos ou ácidos graxos ômega-6 poliinsaturados) são seriamente questionáveis. As diretrizes nutricionais deveriam avaliar a totalidade da evidência e reconsiderar fortemente suas recomendações da troca de gorduras saturadas por carboidaratos ou gorduras ômega-6 poliinsaturadas.
Notas
Conflitos de interesse: Nenhum.
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