Um artigo foi publicado há 2 dias, e imediatamente ganhou grande destaque na imprensa internacional, e as reportagens sobre ele já foram traduzidas (em tempo recorde) por aqui. Exemplo:
No entanto, na última postagem, um dia antes, eu havia elencado uma série de evidências no sentido contrário, dentre as quais a seguinte:
Então, quem tem razão? As metanálises que indicam que low carb é superior a low fat no que diz respeito a perda de peso (e outros benefícios), ou o artigo de ontem que afirma que a restrição de gordura leva ao dobro da perda de gordura corporal do que a restrição de carboidratos?
A resposta não é simples, e começa com uma pergunta: trata-se de uma dieta no mundo real, ou em laboratório? Veremos, adiante, que esta é uma distinção absolutamente crucial.
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Perder peso passando fome SEMPRE dá certo – desde que você não tenha a opção de comer mais, se quiser. Salvo de você acreditar que pessoas possam viver de luz (e, nesse caso, este não é exatamente o tipo de blog que você deveria estar lendo), não deve ter lhe escapado o fato de que um jejum completo (uma greve de fome, por exemplo), levará necessariamente ao emagrecimento. Ato contínuo, também é verdade que uma dieta severamente hipocalórica, independentemente de sua composição, levará à perda de peso.
Neste momento, eu pensei em colocar fotos de campos de concentração, mas achei que seria de mau gosto. O fato que é que, em campos de concentração, a magreza extrema foi produzida por uma dieta absurdamente hipocalórica, mas COM CERTEZA não por uma dieta de baixo carboidrato (provavelmente carboidrato era a única coisa que essas pessoas comiam em suas sopas ralas e pedaços de pão). Ou seja, há de fato um nível de restrição calórica que em a composição da dieta torna-se irrelevante.
Assim, não há nenhum mistério nesse sentido: passar fome emagrece. A questão é se você está disposto a enfrentar a qualidade de vida que vem de brinde – e de forma permanente. Afinal, na fórmula da fome, se você deixar de sentir fome, ganhará todo o peso de volta, como ocorre com 95% das pessoas que optam por essa alternativa.
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O artigo original tem o seguinte título:
“Caloria por caloria, a restrição de gordura na dieta resulta em mais perda de gordura corporal do que a restrição de carboidratos em pessoas obesas”.
Trata-se de um estudo interessante e bem conduzido, mas com severas limitações, e cujo objetivo principal era bastante limitado.
Os seguintes itens permanecem válidos, e não foram refutados pelo estudo em questão:
- Low carb continua sendo uma estratégia mais eficaz no manejo da síndrome metabólica;
- Low carb continua sendo uma estratégia mais eficaz no manejo de diabetes;
- Low carb continua sendo mais eficaz para perda de gordura por até um ano, em condições de vida livre (fora de um laboratório);
Mas qual era, então, o objetivo principal do estudo? Qual era a questão a ser respondida? Basicamente, o estudo tinha como objetivo refutar a teoria de que a insulina é o principal regulador da quantidade de gordura no corpo. Dito de outra forma, a questão era testar de forma rigorosa, pela primeira vez, se a perda de peso observada em low carb era, de fato, devida à redução dos níveis de insulina – ou por outra, se a perda de peso era devida à redução dos carboidratos especificamente, ou devida à restrição calórica exclusivamente. Ou ainda, se era verdade que a restrição de carboidratos ofereceria uma “vantagem metabólica” (metabolic “edge”).
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O estudo:
10 homens e 9 mulheres obesas, sem outras doenças, foram selecionados como voluntários. O desenho geral do estudo era o seguinte:
Basicamente, as pessoas foram randomizadas para uma dieta com 30% a menos de calorias por 6 dias, sendo que tal redução calórica viria exclusivamente de restrição de carboidratos ou exclusivamente da restrição de gorduras. Depois, invertiam-se os grupos. A curta duração é o grande “defeito” do estudo. Mas, de resto, trata-se de estudo metodologicamente MUITO robusto:
- O estudo foi conduzido em “ala metabólica” fechada, isto é, as pessoas ficaram internadas, sem nenhuma comunicação com o meio exterior, com a totalidade de suas refeições fornecidas pelos pesquisadores.
- Antes das dietas restritivas, todos foram mantidos por 5 dias em dieta de manutenção calórica, durante a qual suas taxas metabólicas foram medidas por calorimetria indireta (não foram estimadas, foram MEDIDAS), incluindo a técnica de água duplamente marcada e câmara metabólica
- Ambos grupos foram então colocados em uma restrição de 30% de suas calorias. A TOTALIDADE desta restrição calórica foi feita com o macronutriente em questão.
- Cada paciente, então, ficou mais 2 a 4 semanas em dieta de manutenção, e foi colocado na dieta oposta à anterior; em outras palavras, cada pessoa foi o seu próprio controle, o que elimina a influência das variações individuais (metodologia ROBUSTA).
Até hoje, nenhum estudo jamais havia feito isso: modificar exclusivamente um macronutriente, deixando todos os demais parâmetros inalterados, em voluntários confinados, com alimentação controlada e medidas objetivas (coeficiente respiratório para medir a quantidade de gordura e de carboidratos oxidados e calorimetria indireta para controle de taxas metabólicas).
E por que isso é importante? Porque isola as variáveis.
Tipicamente, quando fazemos uma dieta low carb em condições de vida livre, VÁRIAS coisas acontecem:
- Aumenta a quantidade de proteínas
- Aumenta a quantidade de gorduras
- Diminui a fome
- Diminui a quantidade de calorias consumidas
- Diminui a secreção de insulina
Então, a situação é a seguinte: vários ensaios clínicos randomizados em condições de vida livre já demostraram que dietas de baixo carboidrato são mais eficazes no que diz respeito a perda de peso por até um ano. Este estudo não questiona esse fato, nem sequer tem como objetivo avaliar a sua veracidade. O que acontece é que o MECANISMO pelo qual as dietas de baixo carboidrato funcionam não estava claro. Seria pela redução da insulina, que induz lipólise e reduz a lipogênese? Seria pelo aumento das proteínas, cujo metabolismo é mais ineficiente, produzindo perdas calóricas (efeito térmico da dieta)? Seria pela redução do apetite, devido à maior saciedade? Seria devido à redução espontânea da ingestão calórica, tão comum em dietas com mais proteínas e menos carboidratos? Ou ainda a uma combinação de vários desses elementos?
Este estudo representa a ciência em sua forma mais pura, tentando pela primeira vez isolar a variável de forma mais perfeita, e as questões colocadas pelos autores já na introdução do estudo são:
- Está correta a afirmação de Gary Taubes (sim, ele é nominalmente citado no estudo!!) de que a restrição de carboidratos é absolutamente imprescindível para a perda de peso (de forma que, mesmo em dietas hipocalóricas, a perda seria devida primariamente à redução absoluta dos carboidratos, e não à restrição calórica)?
- Está correta a afirmação de que a redução nos níveis de insulina produzidos pela dieta está diretamente relacionada à eficácia da mesma em produzir perda de gordura corporal?
(Se você está incrédulo sobre Taubes ser um motivador desse estudo, veja o que dizem os autores nesse trecho: ” One influential author concluded that “any diet that succeeds does so because the dieter restricts fattening carbohydrates …Those who lose fat on a diet do so because of what they are not eating—the fattening carbohydrates” (Taubes, 2011). In other words, body fat loss requires reduction of insulinogenic carbohydrates. This extraordinary claim was based on the observation that even diets targeting fat reduction typically also reduce refined carbohydrates. Since the primary regulator of adipose tissue fat storage is insulin, and a reduction in refined carbohydrates reduces insulin, carbohydrate reduction alone may have been responsible for the loss of body fat—even with a low-fat diet.”)
Sob pena de ser repetitivo, deixe-me dizer novamente: este estudo não tinha como objetivo saber qual a dieta mais eficaz para um paciente obeso que chega ao consultório, nem tampouco qual a dieta com melhores resultados clínicos e laboratoriais para pacientes diabéticos ou portadores de síndrome metabólica. Este estudo é um ELEGANTE teste da hipótese alternativa de Gary Taubes.
E qual o resultado?
- O grupo que restringiu exclusivamente gorduras (com NENHUMA redução de carboidratos) perdeu gordura (ou seja, é possível, ao contrário do que supunha Taubes, perder peso sem restringir uma grama sequer de carboidratos);
- O grupo LOW CARB teve uma secreção de insulina 22% menor em 24 horas do que o grupo LOW FAT – corroborando a teoria. Contudo, o grupo LOW CARB oxidou MENOS gordura corporal do que o grupo LOW FAT, ao contrário que a teoria de Taubes propunha.
Em outras palavras: Taubes, no que diz respeito ao MECANISMO de ação da low carb, foi refutado. Ao menos no contexto de restrições moderadas de carboidratos, como foi o caso nesse estudo (mais sobre isso, adiante). É duro para mim admitir isso, visto que isso compromete umas 30 postagens do início do blog. Mas, salvo se o estudo estiver ERRADO, e se ninguém jamais conseguir reproduzi-lo, não resta dúvidas de que a restrição de carboidratos (em níveis moderados, e por pelo menos 6 dias), quando ISOLADA de todos os demais fatores que normalmente a acompanham, não é o que causa a perda de peso. E também é fato a redução dos níveis de insulina não foi necessária para a perda de gordura corporal, nem mesmo parece ter sido muito importante (ao menos nos níveis de restrição de carboidratos moderados, feitos nestes estudo), visto que o grupo LOW CARB, que teve sua insulina reduzida em 22%, perdeu MENOS gordura corporal.
Sob pena de ser MUITO repetitivo, preciso salientar que este estudo não tinha como objetivo saber qual a dieta mais eficaz para um paciente obeso que chega ao consultório, nem tampouco qual a dieta com melhores resultados clínicos e laboratoriais para pacientes diabéticos ou portadores de síndrome metabólica. O objetivo era esclarecer o MECANISMO pelos quais a restrição de carboidratos funciona. Pois sabemos que funciona. Isto não está em questão!! Mas os mecanismos envolvidos são diferentes daqueles que supúnhamos.
O grupo Low Carb queimou muito mais gordura do que o grupo low fat, mas o estudo sugere que a maior parte dessa gordura era proveniente da própria dieta.
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Os problemas inerentes a este estudo.
Alguns problemas são óbvios: cada dieta durou 6 dias. Seis dias apenas! A quantidade de gordura perdida em ambos casos foi tão pequena, que o método DEXA foi incapaz de notar a diferença. O cálculo de quanta gordura foi perdida em cada grupo foi feito medindo-se a quantidade de gordura que cada pessoa comeu, e subtraindo-se a quantidade de gordura que cada pessoa queimou (via calorimetria e quociente respiratório). Assim, o grupo LOW FAT perdeu 89g de gordura por dia (463g em 6 dias), enquanto o grupo LOW CARB perdeu 53g de gordura por dia (245g em 6 dias). No entanto, a grande Zoe Harcombe apontou uma possível falha neste modelo matemático: o modelo assume que a gordura da dieta só pode ser queimada ou armazenada. Mas, como sabemos, a gordura também tem papel estrutural, e compõe as paredes de todas as células, de modo que nem toda a gordura que entrou e não foi exalada na forma de CO2 precisa necessariamente ter sido armazenada dentro dos adipócitos. Como o estudo foi muito curto, e o DEXA não detectou diferença entre os grupos, não há como saber.
Também não sabemos o efeito que a lipoadaptação, ou seja, a adaptação do organismo à uma dieta de baixo carboidrato, que costuma levar algumas semanas, teria tido sobre os resultados.
O grande elefante branco
Mas o grande elefante branco do estudo é o seguinte:
- O grupo low fat foi muito mais low fat, do que o grupo low carb foi low carb.
Explico. A dieta LOW FAT tinha apenas 8% de gordura (era, portanto, VERY low fat). A dieta LOW CARB, por outro lado, tinha 29% de carboidratos (moderada em carboidratos, diríamos).
Coloquei os dados no Excel. Veja a composição das duas dietas:
A dieta LOW FAT foi absurdamente low fat, é algo praticamente impossível de seguir – compatível com a dieta Ornish, por exemplo. Já a dieta LOW CARB, foi uma dieta moderada em sua restrição de carboidratos. O grupo LOW CARB estava consumindo 140 gramas de carboidratos!!!
Então, é preciso que fique claro:
- Este estudo não é uma comparação de uma dieta low fat com uma dieta low carb. Este estudo é uma comparação de uma dieta VERY LOW FAT com uma dieta moderadamente low carb.
Você deve estar se perguntando por que os autores fizeram isso? Não, não foi um plano maligno para fazer a dieta LOW FAT parecer melhor do que a dieta LOW CARB. Acontece que a dieta basal dos voluntários tinha 35% das calorias na forma de gordura, o que correspondia a 109 gramas. Para reduzir as calorias da dieta em 30% cortando apenas gorduras, restaram apenas 17 gramas (menos de 8% das calorias na forma de gordura). Mas a dieta basal dos voluntários continha 350 gramas de carboidratos. Assim, ao cortar-se 30% das calorias totais reduzindo carboidratos, restaram ainda 140 gramas de carboidratos, o que corresponde a 29% das calorias.
- Importante: a fim de testar a hipótese a que se propuseram, os autores NÃO TINHAM outra opção. Para comparar uma dieta very low carb com outra very low fat, as dietas necessariamente seriam diferentes em OUTRAS características (quantidade de proteínas e/ou gorduras). Mas o objetivo dos autores era ISOLAR a variável restrição de carboidratos versus restrição de gordura, deixando TODAS as demais variáveis intocadas. MATEMATICAMENTE falando, não havia outra forma de desenhar o estudo.
Isso deixa, SIM, low carb (com 140 gramas de carbs/dia) em desvantagem no que diz respeito à sua eficácia para perda de gordura neste estudo. Mas o objetivo do estudo NÃO ERA ESSE. Já sabemos, repito, que low carb é superior a low fat para perda de gordura no mundo real. O estudo tinha como objetivo estudar o mecanismo, e não – ao contrário do que supôs erroneamente a mídia – definir qual dieta é melhor (no que tange a esse assunto, o peso da literatura aponta para low carb sem dúvida, em minha opinião).
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Um estudo que tinha como objetivo comparar a eficácia real de very low carb (10%) versus 60% de carbs, com a mesma quantidade de calorias, em condições de confinamento em ala metabólica, FOI FEITO em 2012, pelo grupo do Dr. David Ludwig, em Harvard, e publicado no JAMA:
Neste interessante artigo, 21 adultos com sobrepeso ou obesidade foram submetidos a uma dieta hipocalórica até perderem 10 a 15% do peso corporal. Depois disso, foram submetidos a 3 dietas em sequência (cuja ordem foi aleatória): dieta Low Fat, dieta de Baixo Índice Glicêmico e dieta Very Low Carb:
Na tabela abaixo, observe as composições das diferentes dietas. Todas tem o mesmo número de calorias:
Neste estudo, o grupo LOW CARB tinha apenas 50g de carboidratos por dia, e tinha 45 gramas de proteína e cerca de 70g de gordura a mais do que as outras.
Assim, este estudo está tentando responder a uma questão MUITO DIFERENTE do que o estudo anterior. Como vimos, a dieta Very Low Carb é diferente em vários aspectos, não apenas em carboidratos, em relação às demais. Assim, é IMPOSSÍVEL dizer qual o fator responsável pelo efeito observado (somente o primeiro estudo tem um delineamento capaz de responder a essa pergunta). Este estudo quer responder a uma pergunta bem diferente: em qual das dietas é mais fácil manter o peso perdido: low fat, low glycemic, ou very low carb. Com um detalhe: as dietas são isocalóricas, isto é, foram desenhadas para conter artificialmente a mesma quantidade de calorias (em condições de vida livre, como sabemos, seria diferente, visto que em low carb sente-se menos fome do que em low fat). O que o estudo encontrou é muito interessante:
Os gráficos acima nos mostram o seguinte: há uma redução na taxa taxa metabólica em repouso (à esquerda) e na taxa metabólica total (à direita) de quase todas as pessoas em relação à sua taxa metabólica antes de perder peso (um dos motivos pelos quais é tão fácil ganhar o peso de novo). MAS, em quem faz uma dieta very low carb com 50g de carboidratos, as taxas metabólicas caem bem menos em comparação com quem faz uma dieta low fat.
A diferença é significativa: 300 Kcal por dia. Nas palavras dos autores:
“O gasto energético total diferiu em aproximadamente 300 Kcal entre essas duas dietas (low fat versus low carb), um efeito que corresponde à quantidade de energia tipicamente gasta em uma hora de atividade física moderadamente intensa”.
Ou seja: manter o peso após a perda de peso não é fácil, mas é 300 calorias por dia mais fácil em LOW CARB.
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O segundo elefante na sala: a fome
Todo mundo que já fez uma dieta low carb sabe que a fome diminui. Os motivos, como sabemos agora, têm mais a ver com a quantidade de proteínas e gorduras, bem como com o fato de que uma série de alimentos hiperpalatáveis (doces, pães) são automaticamente excluídos por uma dieta low carb, evitando o excesso hedônico de consumo. Mas o FATO é que, em low carb, há uma redução espontânea de apetite na maioria das pessoas.
Vejam, por exemplo, este estudo clássico, de 2003, publicado no prestigioso New England Journal of Medicine:
Neste ensaio clínico prospectivo e randomizado, 132 pacientes severamente obesos foram alocados para low carb versus low fat. Detalhe: o grupo LOW FAT foi orientado a restringir suas calorias o suficiente para criar um déficit de 500 calorias por dia. Já o grupo LOW CARB foi orientado a restringir seus carbs para menos de 30 gramas por dia, SEM LIMITES de calorias ou de gordura na dieta.
O resultado:
Aqui, vale a pena rever a manchete da Globo:
E então? Olhando para o gráfico acima, essa manchete faz sentido? Claro que não. Em condições de vida livre, no mundo real, reduzir carboidratos é muito, mas MUITO mais eficaz.
Um detalhe interessante: vários pacientes desistiram durante este estudo de 2003. No grupo low fat, foram 47%; no grupo low carb, foram 33%. Ou seja, no mundo real, sem estar preso em laboratório, qual a dieta mais fácil de seguir?
Mais de 10 anos depois, um novo estudo prospectivo e randomizado de dieta low carb versus low fat, desta vez no Annals of Internal Medicine, mostrou basicamente a mesma coisa (o dobro da perda de peso com low carb):
- Em pessoas de vida livre, para as quais os alimentos não são fornecidos dentro de um laboratório, dietas low carb são mais eficazes para perda de peso do que dietas low fat. Podemos especular sobre os mecanismos, mas isso não muda os fatos.
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Duas postagens prévias me vêm à mente a propósito desta postagem atual.
Na primeira postagem, escrevi:
“O FATO da vida, demonstrado por todos os estudos prospectivos e randomizados, é que uma dieta pobre em açúcar e farináceos, sem glúten, menos processada, e rica em fibras, rica em proteínas, rica em gorduras naturais produz melhores resultados na saúde humana (ver aqui, ou aqui, ou aqui para alguns exemplos). Várias teorias podem ser utilizadas para explicar este fenômeno, de acordo com o paradigma que se adota. O Dr. Atkins e Gary Taubes diriam: “é claro, funciona pois reduziram-se os carboidratos e a insulina”; O Dr. Lustig diria “é claro, funciona pois removeu-se o açúcar, e com ele a frutose, que é uma toxina”; O Dr. William Davis diria “É claro que funciona, afinal é uma dieta sem glúten”; O Dr. Stephan Guyenet diria: “É claro que funciona, pois com a remoção dos alimentos processados e do açúcar, diminui a palatabilidade da comida, e come-se menos”; e Loren Cordain, Robb Wolf e Mark Sisson diriam “é claro que funciona, pois estes são os alimentos que nossos ancestrais consumiam, e aos quais estamos geneticamente adaptados”. Eu não sei se já está ficando claro para o leitor, mas alguns podem estar certos e outros errados, ou mesmo todos podem estar certos ao mesmo tempo. MAS ISSO NÃO MUDA os fatos. O sol continua a nascer e a se por, alheio aos devaneios geocêntricos ou heliocêntricos. A saúde das pessoas continua a melhorar de forma prodigiosa com estas modificações de estilo de vida, independentemente se isso se deve à adoção de uma dieta ancestral ou se é apenas pela redução da insulina. TANTO FAZ.”
Na segunda postagem, escrevi os seguintes trechos:
- A teoria da insulina é incompleta, e é uma simplificação.
- Não há como perder peso sem um déficit calórico. Isso é termodinâmica, e seria loucura negar a termodinâmica. O que eu defendo é que, de uma forma geral, esse déficit calórico não deve ser intencional. Uma dieta adequada deve produzir uma redução de fome e um aumento no bem estar que leve a uma redução calórica relativa espontânea (sem contar calorias).
- Eu concordo que há a necessidade de criar um déficit calórico, apenas considero que PARA A MAIORIA das pessoas, este déficit calórico não precisa ser criado propositalmente – que com o consumo de comida de verdade, low carb, o apetite tende a diminuir sem sofrimento.
- Há, de fato, picos de insulina produzidos por proteínas. E as dos laticínios estão entre elas. No entanto, as proteínas tem um efeito térmico maior e uma saciedade maior e, portanto, menor potencial de abuso do que os carboidratos, acabarão sendo consumidas em menor quantidade e produzirão estrago bem menor.
- Para algumas pessoas, o apetite é o problema causal. Há distúrbios hipotalâmicos, pouco compreendidos, nos quais o apetite é simplesmente aumentado. Se a insulina elevada não é a causa, reduzi-la não será a solução. Nestes casos, o controle de porções, infelizmente, precisa ser adotado.
- Para algumas pessoas, reduzir a gordura pode ser interessante – mas varia. Para mim, por exemplo, são muito saciantes. Há que testar.
- A vantagem metabólica (de comer low carb versus comer high carb) é real, mas é limitada a umas 300 calorias por dia: http://www.cavemandoctor.com/2… ou seja, você pode comer mais fazendo low carb, mas não pode comer enlouquecidamente mais.
- Em resumo, low carb apenas, sem déficit calórico, não irá funcionar; mas é muito mais fácil fazer déficit calórico com menos fome, e low carb diminui a fome; se a pessoa está em equilíbrio, acima do peso mas com peso estável, simplesmente reduzir drasticamente os carbs pode criar um déficit calórico automático de 300 calorias apenas por aumento da taxa metabólica.
- Na pior das hipóteses, quando tudo falha, precisa passar fome. Mas a fome ainda assim será bem menor com low carb do que com dietas tradicionais.”
Como se vê, a possibilidade de que mecanismos alternativos pudessem explicar a eficácia da restrição de carboidratos já vinha sendo ventilada, aqui mesmo nesse blog, desde o início de 2013. Sabemos que é bastante eficaz. Estamos ainda tentando entender de que forma.
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Como visto nos trechos de postagens citados acima, de 2013 e 2014, respectivamente, as evidências de que a teoria da insulina de Taubes era, no mínimo, incompleta, já eram perceptíveis. Mas a teoria nunca havia sido posta à prova. Agora foi, em estudo primorosamente bem feito, e metodologicamente robusto.
Low Carb nunca esteve tão forte como alternativa terapêutica para o manejo de diabetes, síndrome metabólica e sobrepeso. Não deixa de ser irônico que, justamente neste contexto, a teoria da insulina de Taubes tenha, talvez, encontrado sua refutação.
Mas é importante lembrar, mais uma vez, que o nível de restrição de carboidratos no estudo da Cell foi MÍNIMO. Talvez os efeitos possam, sim, ser mediados em parte pela redução de insulina, em níveis de restrição mais severos (very low carb). Mas não há como ter certeza, visto que, nesses níveis extremos de restrição de carboidratos, haveria que mudar também gordura e/ou proteína.
Denise Minger, autora do sensacional livro Death by Food Pyramid, já havia postulado, eu sua palestra no Ancestral Health Symposium de 2014, que algo diferente pode ocorrer nos extremos de macronutrientes.
No vídeo, abaixo, ela começa a falar sobre o assunto a partir de 18:35 (embora eu sugira assistir à apresentação toda):
Então, basicamente, parece haver um estado metabólico muito particular, que ocorre nos extremos de macronutrientes: o extremo very low carb (cetose), MAS TAMBÉM o extremo very low fat (menos de 10% das calorias como gordura). E, por infelicidade (na tentativa matemática de isolar variáveis), o estudo da CELL acabou comparando uma dieta extrema (low fat) com uma dieta meio-termo (low carb) o que, como vimos, favoreceu os resultados de perda de peso com low fat.
Tenho pensado em uma hipótese que poderia explicar os dois extremos. Afinal, parece deveras contraditório que seja possível demostrar que dietas diametralmente opostas (Atkins e Ornish) possam ser, ambas, benéficas. Talvez ambas explorem um fenômeno chamado INEFICIÊNCIA METABÓLICA. No que diz respeito a calorias, a eficiência pode ser muito boa para a sobrevivência no contexto da escassez (contexto evolutivo), mas no contexto da abundância (sociedade moderna), o que buscamos é a ineficiência metabólica. Quando forçamos o corpo a suprir a ausência de macronutrientes (por exemplo, convertendo aminoácidos em glicose em very low carb, ou convertendo glicose e aminoácidos em gorduras em very low fat), ativamos rotas metabólicas de baixa eficiência, o que talvez ajude a explicar a misteriosa vantagem metabólica de 300 calorias que vimos no estudo de Harvard, acima. Mas, enfim, é apenas mais uma hipótese, que não muda o FATO de que tais intervenções funcionam no mundo real.
A maioria das pessoas (que não são doentes, que não precisem perder muito peso) pode alimentar-se sem maiores restrições, dentro das regras do bom senso. Para aquelas que necessitam de intervenções terapêuticas (ou seja, restrição mais extremas de macronutrientes), não resta nenhuma dúvida, em minha opinião, que uma dieta de baixo carboidrato é mais eficaz, mais fácil e mais gostosa de seguir.