Alan Levinovitz – ou: por que é importante ouvir o outro lado?

A revista Veja publicou nas paginas amarelas, na edição 2440 (disponível gratuitamente aqui) uma entrevista com Alan Levinovitz. Fui alertado por vários leitores do blog. Li a entrevista. Consta ali que o livro The Gluten Lie seria publicado em português ainda em setembro.

Hoje o jornal Zero Hora traz uma entrevista com a autor, a respeito de seu livro, já lançado no Brasil, chamado “A Mentira do Glúten”

Quem me segue no twitter (a ÚNICA rede social que eu realmente uso TODOS os dias – siga-me em http://twitter.com/jcsouto) já sabe que:

1) Já postei artigos sobre ele muitos meses atrás;

2) Já tive um diálogo público diretamente com ele no Twitter;

3) Já li o livro dele e postei dezenas de trechos do mesmo, logo depois que foi lançado nos EUA.

O artigo de Levinovitz que postei no Twitter na época foi:

http://www.slate.com/articles/health_and_science/science/2015/04/food_fad_evidence_logic_and_science_can_fight_misperceptions_about_nutrition.html

A conversa com Alan Levinovitz – muito educada e civilizada por sinal, foi a seguinte:

Que dizer então? Trata-se de autor extremamente culto, cético e aberto a uma franca e pública troca de ideias como se pode ver. E digo mais. Muitas, mas muitas MESMO de suas críticas à moda do glúten-free são corretas. Mas, se ele lesse português, veria que NESTE blog, as coisas hipotéticas são sempre tratadas como hipotéticas.

Quem ainda não leu, deve voltar agora e ler a minha postagem sobre o assunto onde deixo BEM claro que o nível de evidência científica ainda é baixo neste quesito (clique AQUI):

“Por que nunca escrevi diretamente sobre o assunto? Porque o grau de evidência é baixo. Muito baixo. O mais baixo de todos: relatos de casos. E o problema com os relatos de caso é que você encontra relatos de casos de sucesso com QUALQUER coisa. Doenças entram em remissão por conta própria – até mesmo câncer avançado – de vez em quando. E as pessoas atribuem este fenômeno natural à seja-lá-o-que-for que estivesse sendo feito no momento – babosa com mel, cirurgias espirituais, orações, etc. Ou seja, dizer que melhorou da artrite com dieta páleo pode ser tão científico quanto dizer que brigou no trânsito porque marte estava em capricórnio. E esse não é o nível de evidência que embasa o restante das postagens desse blog.

Assim, vou introduzir o assunto dieta paleolítica e autoimunidade com um alerta: ao contrário do que acontece com a maior parte das demais postagens do blog, esta postagem sugere possíveis benefícios não comprovados cientificamente, baseados em relatos de caso. Dito isso, há grande PLAUSIBILIDADE na hipótese que dá sustentação a essa ideia, como veremos a seguir.

Plausibilidade diz respeito ao fato de que há mecanismos biológicos e físicos que tornam uma teoria viável e até provável. Os mecanismos biológicos através dos quais a modulação da permeabilidade intestinal pela dieta pode influenciar a produção de autoanticorpos e a inflamação crônica sistêmica são bem estabelecidos, especialmente em modelos animais. Assim, o emprego de uma dieta de estilo paleolítico na tentativa de aliviar patologias autoimunes pode até não ser uma intervenção completamente comprovada (faltam ainda os ensaios clínicos randomizados), mas é uma intervenção cientificamente PLAUSÍVEL, para a qual há ampla sustentação de evidências anedóticas. E o risco? Zero – é apenas comida de verdade”

Ou seja, ao menos aqui, neste blog, os benefícios da restrição do glúten são tratados como HIPÓTESE. O que Levinovitz critica é a falsa certeza e o fervor religioso com que certas vertentes “páleo” tratam o assunto. E, nesse ponto, eu concordo com ele.

Quem quiser uma palhinha sobre o livro, pode ver os trechos que eu compartilhei a partir do Kindle no GoodReads.com.

Concordo com tudo que o autor escreve? Não. Mas recomendo a leitura. Isso aqui não é religião, e ler opiniões INTELIGENTES de pessoas que pensam diferente é sempre um exercício estimulante.

Dito isso, é ÓBVIO que o grupo que se sente incomodado com o avanço da dieta paleolítica na literatura peer reviewed fará festa com a publicação deste livro. Mas há um porém: muitos não terão ainda lido o livro. Pois, quando lerem, descobrirão que o autor bate forte, com seu olhar cético, não apenas sobre a ideia de que o glúten seria ruim para toda a humanidade, mas também:

O que ele critica, no fundo, são os MITOS construídos com fraca base em ciência. Bem verdade que ele se perde completamente quando aborda o assunto açúcar – ninguém é perfeito.

***

Não sei se haverá grande publicidade sobre o lançamento do livro. Se houver, surgirão matérias e entrevistas na grande mídia, e vocês, seguidores do blog, receberão incontáveis emails de seus amigos (?) com mais esta evidência de que vocês estão apenas seguindo mais uma moda. Se isso acontecer, obriguem este amigo a comprar e ler o livro – e depois perguntem a este amigo se ele ainda acha que a gordura na dieta é o principal problema, e se ele ainda acha que o sódio deve ser restrito a menos de 2,3g por dia. O livro, no fundo, é tão crítico das diretrizes vigentes quanto este blog. Mas isso só descobre quem efetivamente o livro, ao invés de ficar mandando manchetes de notícias da imprensa.

***

Há 3 dias saiu uma notícia sobre mais um estudo que corrobora o link entre glúten, permeabilidade intestinal e inflamação/autoimunidade. Não, não é um ensaio clínico randomizado. Não, não temos ainda evidência clínica de alta qualidade. Mas as evidências estão-se acumulando para ajudar a compreender a quantidade crescente de casos anedóticos de melhora.

PUBLIC RELEASE: 

Research finds new link between zonulin and 2 common inflammatory bowel conditions

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IMAGE: GIOVANNI BARBARA IS FROM THE UNIVERSITY OF BOLOGNA. view more 

CREDIT: UEG

Barcelona — The intriguing story of the recently-discovered protein, zonulin, advances a chapter today as Italian scientists announce the results of their latest research linking zonulin with two common inflammatory bowel conditions. The researchers have discovered that people with non-coeliac gluten sensitivity (NCGS) and irritable bowel syndrome (IBS) have higher than normal blood levels of zonulin, suggesting an important role for the protein in the development of these conditions.

Speaking at the 23rd United European Gastroenterology Week (UEG Week 2015) in Barcelona, Spain, Professor Giovanni Barbara from the University of Bologna said the results may lead to new treatment strategies for these conditions. “We were intrigued to find that blood levels of zonulin were almost as high in patients with NCGS as in those with coeliac disease,” he said.

Zonulin in autoimmune disease

Zonulin is a type of protein (a haptoglobin) that was discovered in 2000 by a team of researchers at Maryland School of Medicine in the USA. The protein is found within intestinal cells and it is the only human protein discovered so far that regulates the permeability of the intestine. Zonulin has been called a “tight junction regulator”, as it controls the size of the gaps between the intestinal cells and orchestrates the passage of nutrients, water and cells into and out of the gut.

Scientists have found that zonulin is produced and released by triggers including intestinal bacterial infections and gluten, and a link between zonulin and coeliac disease has already been established. In the presence of zonulin, the normally tight junctions between the intestinal cells remain open, creating bowel “leakiness” and initiating an inflammatory cascade that eventually damages the intestinal wall.

“Increased intestinal permeability has been implicated in a range of autoimmune conditions including coeliac disease, type 1 diabetes, rheumatoid arthritis and multiple sclerosis,” explained Prof. Barbara. “Since zonulin is a key regulator of intestinal permeability, it is possible that this protein provides a common link between all these conditions.”

Zonulin in NCGS and IBS

In the latest study, the team from Bologna recruited patients with NCGS (n=27), diarrhoea-predominant IBS (IBS-D) (n=15), coeliac disease (n=15) and healthy volunteers (n=15) and they measured their blood levels of zonulin. The highest zonulin levels were found in the patients with coeliac disease (mean 0.033 ng/mg), followed by those with NCGS (mean 0.030 ng/mg) and IBS-D (mean 0.012 ng/mg). The mean level in the healthy volunteers was only 0.007 ng/mg. In the patients with NCGS, blood levels of zonulin fell significantly when they were eating a gluten-free diet.

“This study has increased our understanding of zonulin and how it might contribute to the development of these common and disabling bowel conditions,” said Prof. Barbara. “Hopefully, our work will lead to new diagnostic and therapeutic strategies for patients with these and possibly other autoimmune conditions.”

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References

1. Barbaro MR, et al. The role of zonulin in non-celiac gluten sensitivity and irritable bowel syndrome. Abstract presented at the 23rd United European Gastroenterology Week (UEG Week 2015), Oct. 24-27 2015, Barcelona, Spain. 2. Fasano A. Ann NY Acad Sci 2012;1258:25-33.

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