Foco primário em calorias ou em carboidratos? 3 – DIRECT trial, 2008

Esta é a terceira de 3 postagens mostrando que já se sabe há décadas que a restrição calórica voluntária não é a melhor alternativa para perda de peso (leia a primeira e a segunda postagem)

Nas primeiras duas postagens, resgatei artigos de interesse histórico, publicados nos anos 1950, indicando com clareza que a restrição de carboidratos é uma estratégia eficaz para a perda de peso sem restrição calórica voluntária, e que, para um dado consumo de calorias, quanto menos carboidratos, mais fácil é a perda de peso.

Contudo, tais estudos não seriam suficientes para embasar cientificamente uma conduta nos dias de hoje. Hoje, vivemos o paradigma da medicina baseada em evidências. E a medicina baseada em evidências tem, como base, o Ensaio Clínico Randomizado. Este é o Santo Graal da pesquisa médica. Aqui, um grupo grande de pessoas é sorteado para dois ou mais grupos, e cada grupo receberá um tratamento/remédio/dieta diferente. O sorteio assegura que, estatisticamente, quaisquer variáveis de confusão (conhecidas ou desconhecidas) estejam igualmente distribuídas entre os grupos. 

Assim, vamos dar um salto no tempo, e sair dos anos 1950, quando a medicina e a nutrição eram ainda agnósticas no que diz respeito aos efeitos de diferentes proporções de macronutrientes nobre a redução do peso, e chegar a 2008, já em pleno renascimento nutricional, após 4 décadas de uma idade das trevas, durante a qual a simples menção de “dieta low carb” poderia levar um profissional a ser queimado na fogueira da inquisição acadêmica (veja aqui um exemplo real).

Vamos conhecer o Dietary Intervention Randomized Controlled Trial (DIRECT). Este é o tipo de estudo que encerra uma discussão. Você pode não gostar de low carb, você pode não seguir low carb, mas você precisa dobrar-se às evidências: é um ensaio clínico randomizado, tem mais de 300 participantes, durou DOIS anos, e foi extremamente bem conduzido (o almoço foi fornecido pelo próprio estudo na cafeteria do local de trabalho de todos os participantes durante dois anos, ou seja, ao menos essa refeição nós sabemos que foi correta). Ah, sim, e foi publicado no periódico médico peer reviewed de maior prestígio do mundo, o New Englando Journal of Medicine.

  • Foram incluídas pessoas de ambos sexos com IMC > 27, ou diabetes tipo 2, ou doença coronariana (ou seja, nem todo mundo tinha excesso de peso).
  • Os grupos foram sorteados para um de três grupos, a saber:
    • Dieta Low Fat, da forma que é recomendada pela associação americana de cardiologia; a dieta tinha restrição compulsória de calorias (1500 kcal para mulheres, e 1800 kcal para homens);
    • Dieta Mediterrânea, nos moldes do livro popular escrito por Willett, de Harvard; a dieta tinha restrição compulsória de calorias (1500 kcal para mulheres, e 1800 kcal para homens);
    • Dieta Low Carb, baseada no livro A Nova Dieta Revolucionária do Dr. Atkins. A dieta NÃO TINHA restrição de calorias.

É preciso salientar muito esse fato: como se sabe desde pelo menos os anos 1950 que a restrição de carboidratos é mais eficaz para a perda de peso, os autores do estudo utilizaram de um estratagema para que a vantagem da dieta low carb não fosse tão absurda. Os grupos low fat e mediterrânea foram instruídos a restringir as calorias, enquanto o grupo low carb foi expressamente orientado a comer o quanto quisesse, desde que low carb.

É como se um corredor olímpico fosse competir com um grupo de amadores, mas largasse atrás de todos os outros para dar a eles uma vantagem que diminuísse a óbvia e previsível disparidade de seus desempenhos.

Para que não reste dúvida quanto a isso, eis a descrição dos métodos do artigo: 

Ok, vamos ver o que aconteceu:

Não há um ganhador claro, mas há um óbvio perdedor! Nos primeiros 6 meses, a dieta low carb foi evidentemente mais eficaz. Com o passar do tempo, todas as dietas vão perdendo eficácia, afinal as pessoas tendem a voltar aos velhos hábitos. No entanto, low fat segue sendo pior sempre, até o final do estudo. E, é preciso lembrar O TEMPO TODO: o grupo low carb (roxo no gráfico) podia comer quantas calorias, proteína e gordura bem entendesse. Os outros dois estavam contando calorias. Outra coisa importante é que o grupo low carb foi orientado a aumentar os carboidratos até 120g após os primeiros 2 meses, de modo que é esperado que haja diminuição dos bons resultados.

Os 3 grupos reduziram seu consumo diário de calorias na mesma proporção (low fat e mediterrânea por que contavam calorias, low carb porque estava saciado e sentia menos fome), mas ainda assim low carb perdeu mais peso, e teve a maior redução da circunferência abdominal (low fat foi obviamente o pior nesse quesito também).

Se você reler o estudo de Kekwick, de 1956, não é exatamente esse o resultado esperado? Que, havendo uma redução calórica semelhante, o grupo que consumiu menos carboidratos tivesse o melhor desempenho, e que o grupo que consumiu mais carboidratos tivesse o pior?

E não, a perda de peso não foi de água e músculo, como diz o senso comum nutricional. Todos os 3 grupos tiveram redução de circunferência abdominal, mas observe os resultados por grupo:

  • Low fat: –2.8 (±4.3) cm
  • Mediterrânea: –3.5 (±5.1) cm
  • Low Carb: 3.8 (±5.2) cm

A perda maior de circunferência abdominal no grupo low carb sugere que este foi o grupo que MENOS perdeu massa magra.


Este estudo não avaliou composição corporal diretamente, mas há outro ensaio clínico randomizado que o fez: clique aqui para saber mais.

E como ficou o restante da saúde dessas pessoas? Veja os gráfico a seguir (low carb é roxo, low fat é vermelho):

  • HDL, o colesterol “bom”: Low carb é sabidamente a única estratégia alimentar que aumenta o HDL sistematicamente.

  • Triglicerídeos: quanto menor, melhor. Como os triglicerídeos dependem exclusivamente dos carboidratos na dieta, é evidente que low fat terá resultado pior. O fato de que que os grupo low carb e mediterrânea terminaram os dois anos com os mesmos níveis de triglicerídeos é prova de que o grupo low carb já estava comendo carboidratos demais naquele momento (por isso a piora dos resultados em 2 noas quanto comparado com 6 meses).

  • LDL, ou “colesterol ruim”. Aqui se observa o padrão típico de elevação inicial do LDL em low carb, e normalização com o passar do tempo. Não deixa de ser IRÔNICO que o grupo low fat foi o pior neste quesito também, já que low fat foi inventado nos anos 1960 com o único objetivo de baixar o LDL. A dieta mediterrânea ganha pontos no que diz respeito a LDL, o que indica que uma dieta low carb com ênfase em gorduras naturais insaturadas seja a melhor opção para pessoas dislipidêmicas.

Você pode achar que este resultado é uma aberração na literatura. Não é. O mais recente ensaio clínico randomizado comparando low carb e low fat (2014) demonstrou exatamente a mesma coisa: que uma dieta low carb SEM restrição calórica produz maior perda de peso  e que uma dieta low fat AUMENTA o risco cardiovascular:

  • Neste estudo de 2014, a linha vermelha indica low carb, e a linha azul é a dieta que se ensina nas faculdades de medicina e nutrição (low fat, high carb). Não apenas low carb produz o dobro da perda de peso, mas também o escore de risco cardiovascular de Framingham indica AUMENTO do risco no grupo low fat e REDUÇÃO do risco no grupo low carb (afinal, o grupo low carb teve redução dos triglicerídeos, aumento do HDL e perda de peso).

De fato, a relação colesterol total dividido por HDL é a que melhor prediz o risco cardiovascular:

Que low fat é uma receita para o desastre já foi demonstrado de forma eloquente no ensaio clínico randomizado denominado PREDIMED, com mais de CINCO MIL pessoas, publicado no New England Journal of Medicine em 2013. O grupo de baixa gordura (e, portanto, de alto carboidrato) teve 30% mais desfechos combinados de morte, derrames e ataques cardíacos do que o grupo de dieta mediterrânea (com gordura oriunda de azeite de oliva ou nozes):

A linha preta é a dieta de baixa gordura: 30% mais mortes, derrames e infartos (agora, você já sabe porquê.).

Mas, voltando ao nosso estudo de 2008: eis o comportamento de algumas outras variáveis, de acordo com o tipo de dieta:

  • A proteína C reativa, um marcador de inflamação, foi menor com low carb, e pior com low fat (é um fator de risco para doença cardiovascular).

  • A glicemia de jejum não mudou em quem não era diabético. Contudo, nos diabéticos a dieta mediterrânea foi superior em 24 meses. OBSERVE, porém, que em 12 meses foi igual – o que denota que as pessoas aumentaram seus carboidratos no segundo ano da dieta (como já vimos que de fato ocorreu, como demonstram os triglicerídeos). Observe ainda que a dieta low fat ensinada nas faculdades e prescrita nos consultórios AUMENTOU a glicemia dos diabéticos (o que é óbvio, visto que low fat é high carb).

  • Um fenômeno semelhante é observado no que diz respeito à insulina de jejum: a dieta low carb foi superior pra não-diabéticos, mas a dieta mediterrânea foi melhor para os diabéticos. E low fat foi pior do que as duas.

IMPORTANTE: embora tal resultado não seja apresentado de forma gráfica, está perdido no meio do texto do artigo: a dieta que obteve os melhores resultados em Hemoglobina Glicada nos pacientes diabéticos foi a dieta LOW CARB. Veja (tradução abaixo):

“Entre os participantes com diabetes, a proporção de hemoglobina glicada aos 24 meses diminuiu 0,4% no grupo low fat, 0,5% no grupo de dieta mediterrânea, e 0,9% no grupo Low Carb. As mudanças foram significativas (P<0,05) apenas para o grupo Low Carb.”

Tradução – o grupo low carb, mesmo comendo mais carboidratos do que seria o ideal ao final do estudo, ainda foi o ÚNICO no qual a hemoglobina glicada caiu significativamente. A disparidade entre os resultados superiores de low carb na hemoglobina glicada, mas não na glicemia de jejum, pode ser encontrada aqui.

Tais resultados levantam a hipótese de que uma dieta low carb de tipo mediterrâneo, isto é, com ênfase em gorduras insaturadas (peixe, azeite de oliva, abacate, nozes e castanhas) possa ser o caminho ideal para diabéticos, ao combinar as virtudes de ambas abordagens. Mas isto é apenas especulação de minha parte. Afinal, apenas uma coisa é certa: mais uma vez, a dieta low fat foi a pior – em TODOS os desfechos.

Algumas considerações finais: apenas 8,3% do grupo low carb apresentou cetonúria (metade disso nos outros grupos), o que indica que a dieta não era very low carb (e que, portanto, não precisa ser). Outro achado interessante e que merece estudo é o fato de que as mulheres, neste ensaio clínico, perderam mais peso com dieta mediterrânea do que com dieta low carb. Isso é discutido de forma muito casual no texto do estudo, e não está apresentado como resultado formal (tabela ou figura). Como 86% dos participantes eram homens, tal achado pode dever-se exclusivamente à flutuação estatística (além disso, o estudo não tinha a intenção de investigar este aspecto, e o “data mining” é causa conhecida de vieses). Se for realmente verdade, pode ser que mulheres se beneficiem de uma dieta low carb de estilo mais mediterrâneo, ou com um pouco mais de carboidratos. Ao meu ver, isso dependerá de quão resistente à insulina a pessoa for.

Em resumo: um dos mais bem feitos ensaios clínicos randomizados de longo prazo sobre dieta demonstrou que uma dieta restrita em carboidratos e SEM limitação de calorias é superior às dietas mediterrânea e de baixa gordura (mesmo quando essas duas são restritas em calorias), tanto no concerne à perda de peso, quanto no que diz respeito a virtualmente todos os fatores de risco cardiovasculares, aos componentes da síndrome metabólica e ao eixo insulina/glicose. E isso não é novidade. Já se vão quase 10 anos da publicação deste estudo.

A maior ameaça à saúde no século 21 não é a resistência à insulina; é a resistência à evidência.

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