Para os leitores desse blog, nada de novo.
- Já sabíamos que gordura na dieta não tem relação com doença cardiovascular;
- Já sabíamos que laticínios com toda a sua gordura (mas NÃO os desnatados) estão associados com diminuição do risco de diabetes;
- Já sabíamos, baseado no maior ensaio clínico randomizado já feito sobre o assunto, que a substituição de manteiga por óleo de milho (embora reduza o colesterol) AUMENTA a mortalidade cardiovascular.
Mas, como nos alerta o chefe de Medicina Cardiovascular da Cleveland Clinic, as diretrizes nutricionais são uma Zona Livre de Evidências. Assim, é preciso jogar cada vez mais evidências de nível cada vez mais elevado sobre as mesmas, para tentar forçar a quebra do dogma.
Acaba de ser publicada uma nova metanálise sobre a manteiga. A revista Time repercute o assunto:
Novo estudo não encontrou ligação entre comer manteiga e doença cardiovascular
Parece que a manteiga pode, de fato, estar voltando. O condimento cremoso é um alimento que “está no meio-termo” nutricionalmente falando – melhor do que o açúcar, pior do que o azeite de oliva – de acordo com um novo estudo, que se soma a um crescente corpo de pesquisas que mostram que a moda de dieta de baixa gordura estava errada. O novo estudo analisou 9 artigos, que incluíam mais de 600 mil pessoas, e concluiu que consumir manteiga não está ligado com risco aumentado de doença cardíaca, e pode ser até levemente protetor contra o desenvolvimento de diabetes tipo 2. Isto contraria a orientação vigente de evitar a manteiga porque a mesma contém gordura saturada.
Para ser claro, o novo estudo não disse que a manteiga é um alimento especialmente saudável, mas, ao invés disso, diz que “não parece ser nem muito prejudicial e nem muito benéfica”, diz o autor do estudo Dr Dariush Mozaffarian, diretor da Friedman School of Nutrition Science and Policy da universidade Tufts em Boston. Isto está de acordo com o novo pensamento de um grupo cada vez maior de cientistas da nutrição, que afirmam que cortar a gordura, mesmo a saturada, está causando muito mais danos do que benefícios.
“Na minha forma de ver, a gordura saturada é neutra de uma forma geral”, diz Mozaffarian. “Óleos vegetais, frutas e nozes são mais saudáveis do que manteiga. Mas, por outro lado, carne de peru de baixa gordura, um bagel (espécie de rosca), cereais matinais ou refrigerantes são piores para você do que manteiga”. (no que tange aos óleos vegetais, o Dr. Mozaffarian está equivocado: leia aqui)
No estudo, publicado terça-feira na revista PLOS One, os pesquisadores analisaram o consumo de manteiga das pessoas e o seu risco de doenças crônicas, e não encontraram nenhuma ligação com doença cardiovascular. Em 4 dos 9 estudos, as pessoas que comiam manteiga diariamente tiveram um risco 4% menor de desenvolver diabetes tipo 2. Mais pesquisas são necessárias para entender o porquê, mas isto pode ser em parte devido ao fato de que a gordura dos laticínios também contém gorduras monoinsaturadas, que podem melhorar os níveis de açúcar no sangue a sensibilidade à insulina.
Como a revista Time relatou na história de capa de 2014, a gordura tornou-se “o nutriente mais demonizado da dieta americana”, a despeito da evidência científica que mostra que ela não traz problemas à saúde, nem causa ganho de peso. “A gordura saturada era considerada a inimiga pública número 1”, diz o Dr. David Ludwig, professor de nutrição da escola de saúde pública de Harvard, e autor de Always Hungry. “Nos últimos anos, tem havido pesquisas e comentários em periódicos científicos sugerindo que este foco estava equivocado” (Ludwig não estava envolvido neste mais recente estudo).
De fato, as pesquisas estão-se acumulando no sentido de que a gordura saturada é muito melhor para você do que carboidratos processados, tais como açúcar e pão branco, que têm sido ligados a diabetes, obesidade e doença cardíaca em muitos estudos. Em abril Mozaffarian publicou um estudo na revista Circulation que analisou o sangue de 3333 adultos, e descobriu que as pessoas que tinham níveis mais elevados de três subprodutos da gordura dos laticínios tinham um risco 46% menor de desenvolver diabetes do que as pessoas com níveis mais baixos. Outros estudos também demonstraram que laticínios com a gordura podem ser úteis na manutenção do peso, e para outros aspectos da saúde.
Mozaffarian e seus coautores no novo estudo esperam que a sua pesquisa ajude a afastar as discussões da nutrição dos efeitos de nutrientes específicos na saúde, focando-se ao invés disso nos alimentos que as pessoas comem. “Nós comemos queijo, nós comemos manteiga, nós comemos iogurte, nós bebemos leite, nós comemos carne”, diz Mozaffarian, e não cálcio, gordura e proteína. Além disso, ele acrescenta, apenas porque uma porção de manteiga e um sanduíche de pastrami ambos possuem gordura saturada, não significa que seus efeitos sobre a saúde sejam os mesmos. É a comida, e não seus componentes, que interessa mais. “Carnes processadas podem ter efeitos diferentes no risco de derrame e doença cardíaca não por causa da gordura saturada, mas por causa do sódio e dos conservantes”, diz Mozaffarian. “No fim das contas, tomar as decisões sobre alimentação baseado em uma coisa tal como gordura saturada não é útil”. (No que diz respeito ao sal, o Dr. Mozaffarian pode estar equivocado – veja aqui).
Conseguir que as pessoas sigam esse conselho pode ser difícil. Uma pesquisa, de julho de 2014, da Gallup, mostrou que o dobro de americanos diz estar ativamente evitando gordura, comparado com o número de pessoas que ativamente evitam carboidratos. Mas o movimento em direção à compreensão dos benefícios e riscos dos alimentos, ao invés dos seus nutrientes singulares, pode valer muito a pena.