Low carb é alternativa aceitável para diabetes, segundo a ADA

A postagem anterior reproduz um editorial do JAMA, o periódico oficial da Associação Médica Americana, no qual afirma-se que as diretrizes low fat foram um erro e que low carb é superior, segundo a preponderância da evidência científica atual. O editorialista então salienta que as novas diretrizes nutricionais, na verdade, tacitamente admitem isso, na medida em que, pela primeira vez, foi removido o limite superior da quantidade de gordura permitida na dieta. Contudo, quase ninguém sabe disso, pois a mudança foi feita de forma absolutamente discreta, sem que se tenha admitido publicamente o erro da abordagem anterior. E, em virtude disso, a fobia à gordura segue entranhada na mente do público e dos profissionais. Eis o trecho:

“The focus on replacing dietary fat with carbohydrate did not achieve intended public health goals and arguably produced harm, but these adverse outcomes have not been clearly and consistently acknowledged.Consequently, many people in the United States still actively avoid eating fat. Indeed, national nutrition policy continues to promote fat reduction in schools (eg, by banning whole milk and allowing sugar-sweetened nonfat chocolate milk), in government food procurement programs, and in the line item for total fat on the Nutrition Facts label.”

Em um segundo editorial, desta vez na CNN, o mesmo David Ludwig desenvolve o argumento: 

“Responding to new evidence, the 2015 USDA Dietary Guidelines lifted the limit on dietary fat, unofficially ending the low-fat diet era. But you’d never know it, because a full accounting of this failed experiment has not been made. In the absence of this corrective process, public health harms persist, with the low-fat diet remaining deeply embedded in public consciousness and food policy. In fact, according to a recent Gallup survey, a majority of Americans still actively avoid eating fat. It’s time to acknowledge past mistakes and examine why a focus on calorie balance backfired”

O fato é que, se você procurar BEM, você descobre que outras instituições, assim como a USDA, tacitamente vêm admitindo a mudança de paradigma. Mas de forma muito sutil…

A Associação American do Diabetes (ADA- American Diabetes Association) publica, periodicamente, suas próprias diretrizes. A última atualização das diretrizes da ADA foi em 2013, publicadas no periódico científico da própria ADA, o Diabetes Care:

Evert, A.B. et al., 2014. Nutrition Therapy Recommendations for the Management of Adults With Diabetes. Diabetes Care, 37(Supplement 1), pp.S120–S143. Available at:http://care.diabetesjournals.org/content/37/Supplement_1/S120[Accessed October 23, 2016].

A ADA, nesta sua revisão mais recente da literatura, passou a listar dieta low carb (Low Carbohydrate Diet) como uma das opções terapêuticas para o diabetes tipo 2. Reproduzo, abaixo, slide educativo da própria ADA, com as dietas que podem ser prescritas para pacientes com DM2:

Observe a segunda alternativa, de cima para baixo. Ali se lê: 

  • Baixo carboidrato – alimentos ricos em proteína e gordura; vegetais de baixo carboidrato. Evitar alimentos ricos em açúcar e grãos”.

Sim, a ADA dá a entender que todas as alternativas são igualmente válidas. Eu, ao contrário, penso que low carb é superior (clique aqui para um BOM artigo de revisão sobre as evidências científicas de tal superioridade). Mas – atenção! – simplesmente admitir que low carb é TÃO válido quanto as demais alternativas já é um grande passo para uma instituição como a ADA. E assim como no caso da questão das gorduras, salientada pelo editorial do JAMA, isso está escondido no meio da página 127, sem nenhuma ênfase. Se você não é um pesquisador especialmente focado no assunto, isso tende a passar batido – como de fato passou: a maioria dos profissionais de saúde ainda acha que low carb é uma estratégia “fringe”, uma “dieta da moda”, ignorando que a mesma já consta como uma estratégia OFICIAL (dentre outras) defendida pela ADA.

Para que não reste dúvida, eis o que a ADA define como Low Carb, na tabela 3 do artigo:

  • Low carbohydrate: Focuses on eating foods higher in protein (meat, poultry, fish, shellfish, eggs, cheese, nuts and seeds), fats (oils, butter, olives, avocado), and vegetables low in carbohydrate (salad greens, cucumbers, broccoli, summer squash). The amount of carbohydrate allowed varies with most plans allowing fruit (e.g., berries) and higher carbohydrate vegetables; however, sugar-containing foods and grain products such as pasta, rice, and bread are generally avoided. There is no consistent definition of “low” carbohydrate. In research studies, definitions have ranged from very low-carbohydrate diet (21–70 g/day of carbohydrates) to moderately low-carbohydrate diet (30 to 40% of calories from carbohydrates).

Ou seja, é dieta low carb mesmo, da forma como a tratamos aqui no blog.

Eis os motivos dados pela ADA para que low carb seja uma das estratégias oficiais válidas no manejo do diabetes tipo 2:

“The amount of carbohydrates and available insulin may be the most important factor influencing glycemic response after eating and should be considered when developing the eating plan.
Monitoring carbohydrate intake, whether by carbohydrate counting or experience-based estimation, remains a key strategy in achieving glycemic control.”

***

Em 2011, quando comecei este blog, muito do que aqui se defendia era diferente do que constava nas diretrizes vigentes, muito embora tudo sempre tenha sido baseado em evidências peer reviewed de alto nível, como ensaios clínicos randomizados em metanálises.

Mas, em 2016, já acumulam-se mudanças na postura de instituições e em suas diretrizes. Contudo, tais mudanças são feitas de forma tímida e quase envergonhada. Cabe-nos trazê-las à tona, à luz do dia. Então, reproduzo aqui postagem do ano passado, com outros exemplos de que low carb já é uma abordagem aceita e completamente mainstream. Se algum profissional de saúde diz o contrário, peça-lhe que revise a literatura dos últimos anos, citada nesta postagem (não é mais questão de opinião – as fontes originais estão todas acessíveis nos hiperlinks).

***

Postagem publicada originalmente em junho de 2015:

Para quem acompanha o blog, não é nenhuma novidade. Mas notícias como essa são importantes para ir quebrando a resistência dos profissionais de saúde.

Recentemente, várias instituições muito importantes e tradicionais têm revisado sua postura. Poder mostrar que nossa opinião não é mais minoritária é um passo importante para vencer a desconfiança que o novo provoca.

Exemplos recentes de mudanças de postura:

Joslin Diabetes Center:

Infelizmente, muitos profissionais de saúde e nutricionistas em todo o país ainda recomendam uma dieta de alto carboidrato para pacientes com diabetes, uma recomendação que pode prejudicá-los e contribuir para o aumento de sua obesidade e piora do controle de seu diabetes, consequentemente aumentando sua chance de vir a desenvolver complicações da doença no futuro.”

American Heart Association:

“Há uma concepção errônea de que a Associação Americana de Cardiologia (AHA) apoia uma dieta de baixa gordura“, diz Rachel Johnson, PhD, MPH, RD, professora de nutrição na Universidade de Vermont e última presidente do Comitê de Nutrição da AHA. “Nós não estamos mais dizendo que uma dieta low fat (baixa gordura) é a resposta.

UpToDate

uma metanálise de 2014 não achou associação entre gordura saturada e doença cardiovascular. A metanálise também não achou relação entre o consumo de gordura monoinsaturada e doença cardiovascular, mas sugeriu uma redução com o aumento do consumo de gorduras ômega-3; o benefício de gorduras ômega-6 permanece incerto. Em virtude destes resultados, nós não sugerimos mais que se evitem as gorduras saturadas propriamente ditas, embora muitos alimentos ricos em gorduras saturadas sejam menos saudáveis do que os que contém níveis mais baixos (nota do tradudutor: estão falando de fast food, não de coco ou carne de gado alimentado com pasto). Em particular, nós não achamos mais que haja evidências substanciais no sentido de escolher laticínios desnatados (tais como escolher leite desnatado ao invés de integral).

Academy of Nutrition and Dietetics:

“Deve-se notar que NENHUM estudo incluído na revisão sobre doença cardiovascular identificou a gordura saturada como tendo associação desfavorável com doença cardiovascular
“Nós sugerimos que as próximas diretrizes ajudem as pessoas a adotar dietas que não são as recomendadas até hoje, tais como uma dieta de baixo carboidrato, para ajudá-las as fazer escolhas mais saudáveis dentro deste tipo de dieta.”

Nova proposta de diretrizes do USDA (texto da revista VEJA):
“O documento americano é um cartapácio de 571 páginas. A alforria do colesterol aparece na 17ª e, em pouco mais de discretas cinco linhas, abre o sinal verde, com uma recomendação que desde já começa a fazer barulho pela força de sua assertividade. “Não há evidência disponível que mostre alguma relação significativa entre uma dieta com colesterol e os níveis de colesterol sanguíneo. O consumo excessivo de colesterol não é motivo de preocupação.

Então, é nesse contexto que vem mais um espetacular editorial, num dos principais periódicos médicos peer reviewed do mundo, o JAMA (Revista da Associação Médica Americana)

Diretrizes Dietéticas 2015

Removendo a restrição à gordura da dieta



A íntegra do texto pode ser lida aqui.

Pontos altos:

  • Nas novas diretrizes, não há mais limite de consumo diário de colesterol, pois o colesterol nos alimentos pouco ou nada impacta o colesterol no sangue;
  • “A less noticed, but more important, change was the
    absence of an upper limit on total fat consumption. The
    DGAC report neither listed total fat as a nutrient of concern
    nor proposed restricting its consumption. Rather, it
    concluded, “Reducing total fat (replacing total fat with
    overall carbohydrates) does not lower CVD [cardiovascular
    disease] risk”
    : Uma mudança menos percebida, mas MAIS importante, é a ausência de um limite superior para o consumo de gordura total. O Dietary Guidelines Advisory Committee
    (DGAC – comitê de aconselhamento das diretrizes dietéticas) não listou gordura total como nutriente digno de preocupação nem propôs restringir seu consumo. Ao contrário, concluiu que “reduzir a gordura total (substituindo-a com carboidratos) não reduz o risco de doença cardiovascular.

Há outras pérolas que não tenho agora tempo para traduzir:

  • The complex lipid and lipoprotein effects of saturated
    fat are now recognized, including evidence for
    beneficial effects on high-density lipoprotein cholesterol
    and triglycerides and minimal effects on apolipoprotein
    B when compared with carbohydrate.
    These
    complexities explain why substitution of saturated fat
    with carbohydrate does not lower cardiovascular
    risk. Moreover, a global limit on total fat inevitably
    lowers intake of unsaturated fats, among which nuts,
    vegetable oils, and fish are particularly healthful. Most importantly, the policy focus on fat reduction
    did not account for the harms of highly processed carbohydrate
    (eg, refined grains, potato products, and
    added sugar)—consumption of which is inversely
    related to that of dietary fat.;
  • Randomized trials confirm that
    diets higher in healthful fats, replacing carbohydrate or
    protein and exceeding the current 35% fat limit, reduce
    the risk of cardiovascular disease.
    The 2015 DGAC
    report tacitly acknowledges the lack of convincing evidence
    to recommend low-fat–high-carbohydrate diets
    for the general public in the prevention or treatment of
    any major health outcome, including heart disease,
    stroke, cancer, diabetes, or obesity.;
  • The DGAC report highlights that more than 70% of
    the US population consumes too many refined grain
    products. Many of these foods enjoy a lingering health
    halo or at least a benign reputation, based on years of
    government guidelines and industry promotion.
    Recognizing
    this widespread misunderstanding, the 2015
    DGAC report specifies that, “consumption of ‘low-fat’ or ‘nonfat’ productswith high amounts of refined grains and added sugars
    should be discouraged.” The elimination of the upper limit on total
    fat would make it easier for industry, restaurants, and the public to
    increase healthful fats and proteins while reducing refined grains and
    added sugar.;
  • the Nutrition Facts Panel,
    separately regulated by the US Food andDrug Administration (FDA),
    lists percentage daily values for several key nutrients on packaged
    foods. Remarkably, the Nutrition Facts Panel still uses the older 30%
    limit on dietary fat, already obsolete for more than a decade
    . The
    Nutrition Facts Panel should now be revised to eliminate total fat as
    well as dietary cholesterol from among the listed nutrients and instead
    add refined grains and added sugar.;
  • The current restriction on total fat has implications for virtually
    all aspects of the US diet, including government procurement
    for offices and the military, meals for the elderly, and guidelines for
    food assistance programs that together provide 1 in 4 meals consumed
    in the United States. The focus on total fat also affects other
    policies and guidelines. For example, the National School Lunch
    Program recently banned whole milk, but allows sugar-sweetened
    non-fat milk.;
  • Current National Institutes of Health guidelines on
    healthy diets for families and children recommend “eat[ing] almost
    anytime” fat-free creamy salad dressing, trimmed beef or pork, and
    extra-lean ground beef. Yet it recommends being cautious about
    eating any vegetables cooked with added fat, nuts, peanut butter,
    tuna canned in oil, vegetable oils, and olive oil.;
  • the FDA
    recently issued a warning letter to a manufacturer of minimally processed
    snack bars, stating that these products could not be marketed
    as healthy in part due to FDA health claim limits on total and
    saturated fat, even though the fats in these bars derive predominantly
    from healthful nuts and other vegetable sources.;
  • Based on years of inaccurate messages about
    total fat, a 2014 Gallup poll shows that a majority of US residents
    are
    still actively trying to avoid dietary fat, while eating far too many
    refined carbohydrates;
  • The limit on total fat presents an obstacle to sensible change,
    promoting harmful low-fat foods, undermining attempts to limit intakes
    of refined starch and added sugar, and discouraging the restaurant
    and food industry from providing products higher in healthful
    fats.
  • It is time for the US Department of Agriculture and
    Department of Health and Human Services to develop the proper
    signage, public health messages, and other educational efforts
    to
    help people understand that limiting total fat does not produce any
    meaningful health benefits
    and that increasing healthful fats, including
    more than 35% of calories , has documented health benefits. 

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