A gordura corporal não é necessariamente ruim, desde que esteja no lugar certo (subcutâneo) e em quantidade adequada.
Quando, porém, os adipócitos já estão cheios demais (hipertrofia adipocitária), tornam-se resistentes à insulina (que é, como sabemos, o principal hormônio estimulador dos adipócitos). Como consequência, os níveis de insulina começam a se elevar, e a gordura começa a se depositar onde não deveria. Estes depósitos ectópicos de gordura, isto é, gordura que se deposita diretamente no fígado, no pâncreas, no coração (pericárdio), a chamada gordura visceral, está por trás da temida síndrome metabólica, e retroalimenta a resistência à insulina, conduzindo ao diabetes tipo 2, pressão alta, dislipidemia com HDL baixo e triglicerídeos altos e, e última análise, doença cardiovascular, câncer e Alzheimer.
Desta forma, é evidente que emagrecer é uma coisa boa, mas o que realmente importa é emagrecer nos lugares certos. E não, não me refiro àquela barriguinha – aquilo uma lipoaspiração resolve. O que importa é reduzir a gordura visceral – os depósitos ectópicos de gordura – é essa gordura, do fígado, do pâncreas, do coração – que nos deixa mais perto de comer capim pela raiz.
Mas nem todos os métodos de perda de peso são iguais. Embora seja possível perder gordura com dietas de baixa gordura e alto carboidrato (pirâmide alimentar), trata-se de estratégia sofrida, com restrição calórica voluntária e fome constante. Já sabemos que low carb obtém resultados superiores e com ausência de fome. Mas, será que, no fim das contas, tanto faz? Desde que se perca peso, você perderá gordura visceral, independentemente da estratégia adotada?
Recentemente foi publicado um novo ensaio clínico randomizado para responder exatamente a essa pergunta.
Spoiler Alert: low carb foi MUITO melhor para perda dos depósitos ectópico de gordura (visceral) do que low fat.
O CENTRAL MRI, como foi batizado este estudo, foi conduzido pelo mesmo grupo israelense que, 10 anos atrás, conduziu o hoje célebre Direct Trial (por favor, releia a postagem sobre o DIRECT trial para refrescar a memória), no qual voluntários com sobrepeso foram randomizados para low fat com fome, mediterrânea com fome, ou low carb com comida liberada – e low carb foi superior em quase tudo, mediterrânea em algumas coisas, e low fat foi pior em todos os parâmetros, como soe ocorrer.
Pois bem, os autores resolveram combinar as duas melhores dietas do estudo de 2008 (low carb e mediterrânea) e comparar com dieta low fat, mas dessa vez com ênfase na redução da gordura visceral como um todo, e dos depósitos ectópicos de gordura do fígado, pâncreas e intra-pericárdica em particular.
Este não foi um estudo de perda de peso; ambas dietas foram desenhadas, em termos de calorias, para atingir perdas de peso iguais. A pergunta era: qual seria mais SAUDÁVEL, qual melhoraria mais os fatores de risco cardiovascular, a síndrome metabólica e a gordura visceral: low carb mediterrânea (LC-Med), ou low fat (LF)?
Por fim, cada grupo ( LC-Med e LF), depois dos primeiros 6 meses de dieta, foi randomizado para atividade física (aeróbia + musculação) ou não.
A duração total do estudo foi de um ano e meio, e 139 pacientes foram randomizados para cada dieta. Não é pouca coisa.
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As dietas
Ambas dietas tinham restrição de gordura trans, carboidratos refinados e aumento do consumo de vegetais. Ou seja, low fat aqui não era sucrilhos com leite desnatado, os pesquisadores tentaram montar uma low fat saudável, com restrição de carboidratos refinados.
O almoço foi fornecido a todos os participantes durante toda a duração do estudo (1 ano e meio!), e reuniões periódicas com nutricionista reforçavam a dieta a ser seguida.
Eis a dieta Low Fat (LF): “Para a dieta LF, o objetivo era limitar a ingestão total de gordura a 30% de calorias, com até 10% de gorduras saturadas e não mais de 300 mg de colesterol por dia e aumentar a fibra alimentar. Os participantes foram aconselhados a consumir grãos integrais, vegetais, frutas e leguminosas e limitar o consumo de gorduras adicionais, doces e lanches com alto teor de gordura”.
Eis a dieta Low Carb Mediterrânea (LC-Med): “A dieta restringiu a ingestão de carboidratos para menos de 40 g / dia nos primeiros dois meses (fase de indução) e, posteriormente, um aumento gradual de até 70 g / dia e aumento da ingestão de proteína e gordura, de acordo com o MEDdiet. A dieta MED / LC era rica em vegetais e legumes, e baixa em carne vermelha, com aves e peixe substituindo carne e cordeiro. Este grupo também recebeu 28g de nozes/dia [160 Kcal / 84% de gordura, principalmente PUFA (ácido omega-3-alfa-linolênico)] a partir do terceiro mês.”
Ambos grupos tiveram uma redução média de 26% do seu consumo calórico.
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RESULTADOS
O estudo é muito meticuloso e apresenta muitos resultado. Vou tentar resumi-los:
- O grupo LC-Med reduziu os carboidratos em 14%, e o grupo LF aumentou os carboidratos em 8% (não tem como ser diferente, é isso que acontece quando se foge da gordura na dieta, os carboidratos necessariamente aumentam)
- Todos os grupos tiveram uma perda de peso modesta e semelhante; low carb com exercício foi o melhor, e low fat sem exercício foi o pior, as diferenças não foram significativas, e – como em todo o trial longo de dieta, tendem a desaparecer no final (à medida que as pessoas vão reduzindo sua adesão):
- No entanto, o grupo low carb (LC-Med, em azul) teve uma redução da circunferência abdominal (uma medida indireta de gordura visceral, e um dos critérios da síndrome metabólica) significativamente superior ao grupo low fat (LF, vermelho) – e o resultado foi ainda melhor, neste quesito, nos que fizeram exercício (linhas pontilhadas):
Embora, ao final de 18 meses, não houvesse diferença na perda de peso global, LC-Med produziu o dobro da redução de circunferência abdominal em relação ao grupo LF.
- A pressão arterial sistólica e diastólica reduziram-se mais em LC-Med do que em LF. Abaixo, o gráfico da pressão diastólica (na legenda, PA é “physical activity”: atividade física)
Observe como o exercício não consegue melhorar o lamentável desempenho do do grupo low fat (talvez pelo excesso de carboidratos?); já no grupo low carb, o acréscimo do exercício físico (linha azul pontilhada) melhorou significativamente o resultado.
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AVALIAÇÃO DA GORDURA VISCERAL
Um ponto forte desse estudo foi a avaliação dos depósitos ectópicos de gordura com o método padrão-ouro – a ressonância magnética com quantificação computadorizada. Foram avaliados os depósitos de gordura: intra-abdominal, no fígado, coração, pâncreas, seio renal e gordura intramuscular (na coxa). As seguintes imagens sevem para ilustrar o método e dar uma idea da mudança observada antes e depois da dieta:
À esquerda, nota-se que a gordura subcutânea (azul clara) pouco mudou, mas a visceral (verde) reduziu-se muito; na figura do meio, mais uma vez a gordura subcutânea (amarela) mudou pouco, mas a gordura no fígado (azul) reduziu-se de 27,6% para 5,4%! À direita, nota-se a redução da gordura intra-pericárdica (no coração), marcada em azul claro. |
À esquerda – gordura pancreática em vermelho; no centro, gordura do seio (“miolo”) renal, em azul claro; à direita a gordura intra-muscular (em verde) na coxa. Comer um filé marmorizado pode ser ótimo, mas a SUA carne não deveria ser assim. |
Há quem acredite, erroneamente, que tanto faz a dieta que você adote; desde que você emagreça, os benefícios serão os mesmos. Isso está flagrantemente errado! A hiperinsulinemia afeta diretamente a tendência à deposição ectópica de gordura. Isso não se corrige reduzindo calorias. Isso se corrige reduzindo os alimentos que elevam sua insulina. Compare, por exemplo, estes dois homens, que perderam a mesma quantidade de peso (6,5% do peso corporal), mas um com low fat, e outro com low carb (leia a legenda da figura):
À esquerda, o sujeito azarado, que passou 18 meses com uma dieta de baixa gordura e sentindo fome. A gordura no fígado melhorou? Sim, de 24,1% para 15,9% (compare os tons de azul na figura de cima e de baixo, à esquerda). À direita, o sujeito de sorte, que foi randomizado para o grupo Low Carb mediterrâneo + exercício. Ele perdeu o mesmo peso que o outro, mas além de não passar fome, praticamente ganhou um fígado novo: uma redução de 27,6% de gordura (um verdadeiro foie gras) para 5,4% de gordura (compare as cores, à direita, de cima para baixo) |
Na figura acima, como descrito na legenda, ambos pacientes perderam a mesma quantidade de peso, mas a gordura no fígado (esteatose) do low fat reduziu-se em 34%, enquanto que a esteatose do low carb com exercício reduziu-se 80%!
Não, não é a mesa coisa. Não, não é apenas uma questão de calorias – elas foram iguais entre os grupos. É uma questão de FISIOLOGIA e ENDOCRINOLOGIA. Diferentes alimentos têm diferentes efeitos endócrinos – isso é um fato.
Em resumo, eis o que foi observado (todos os resultados são estatisticamente significativos):
- Low Carb Mediterrâneo (LC-Med) teve maior redução da gordura no fígado do que Low Fat (LF), independentemente da perda de peso;
- LC-Med teve maior redução da gordura no coração (intra-pericárdica) do que LF, independentemente da perda de peso;
- LC-Med teve maior redução da gordura no pâncreas do que LF, independentemente da perda de peso;
- Os grupos randomizados para atividade física perderam mais gordura visceral (total, e em todos os órgãos acima), independentemente da sua perda de peso total;
Entenda: não foi o emagrecimento em si que causou essas mudanças. Houve gente que nem perdeu peso, mas que reduziu o depósito ectópico de gordura nos órgãos. E este efeito foi significativamente maior no grupo low carb. Não é uma questão de calorias apenas. Low carb é superior na reversão da síndrome metabólica.
Algo muito interessante foi observado, porém, na gordura intramuscular e na gordura do seio renal (o seio renal é uma área que normalmente tem gordura, não é como o fígado, que não deveria ter). Nestes locais, não houve diferenças entre os tipos de dieta, ou com o exercício físico! Neste locais, só o que importou foi o emagrecimento.
Eis, então, o fato principal demostrado nesse ensaio clínico randomizado: você pode emagrecer (perder peso) com diferentes abordagens, mas ao contrário da gordura subcutânea ou intramuscular, que responderão igualmente à qualquer restrição calórica, a perda de gordura visceral e nos órgãos, notadamente fígado, pâncreas e coração, é marcadamente superior com low carb, ainda mais quando associado à atividade física. E, caso você ainda não tenha percebido, são os depósitos ectópicos de gordura que geram doenças e encurtam nossas vidas. Não, não é o seu braço gordinho que vai lhe matar.
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Efeitos das intervenções sobre exames.
Embora não fosse o objetivo principal do estudo, você consegue imaginar qual o grupo no qual os exames melhoraram mais?
- LC-Med melhorou os triglicerídeos mais do que LF;
- LC-Med melhorou a relação TG/HDL mais do que LF;
- LC-Med melhorou (aumentou) mais o HDL do que LF;
Os resultados acima foram INDEPENDENTES de perda de peso. Mas foram altamente correlacionados com a redução de gordura visceral e ectópica (que, como sabemos, é superior com low carb)
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Considerações finais
Alguns anos atrás, um professor norte-americano produziu manchetes porque provou que conseguia emagrecer comendo EXCLUSIVAMENTE Twinkies, bolinhos, doritos, sucrilhos e Oreos, a cada 3 horas. Ele contou calorias, e graças a isso emagreceu vários quilos. O que permitiu que ele proclamasse: viu? Só o que importa são as calorias!
Como você acha que ficou o fígado, o pâncreas e o pericárdio desta pessoa? Se uma low fat como a do estudo em tela, saudável e pobre em carboidratos refinados, já foi sub-ótima, que dirá essa bizarrice? Será que perder peso de QUALQUER forma é igualmente saudável? Já vimos que não.
E depois? Como manter? Você vai conseguir passar fome para o resto da vida? Vai comer apenas Twinkies e Oreos, pra sempre, desde que pouco? Quando não aguentar mais, engordará tudo novamente, mas terminará com muito mais gordura visceral e ectópica do que quando começou. A insulina não perdoa.
Low carb não é dieta da moda. Low carb é uma estratégia altamente baseada em evidências como intervenção terapêutica para sobrepeso, diabetes e síndrome metabólica – com a imbatível vantagem de não se acompanhar de fome e basear-se em comida de verdade, o que a torna viável como estilo de vida a longo prazo.
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P.S.: E a carne vermelha?
Os autores reduziram a carne vermelha no estudo por uma opção pessoal, baseado nos resultados do grupo de dieta mediterrânea do DIRECT trial de 2008 que, embora tenha sido inferior ao grupo low carb COM carne vermelha para alguns parâmetros, foi melhor em outros. Infelizmente, é IMPOSSÍVEL avaliar o quanto esta decisão afetou os resultados. Para isso, seria necessário
que houvesse um terceiro braço, de low carb normal. Assim, podemos apenas especular.
Na minha opinião (nível de evidência 5), a carne provavelmente não foi decisiva. Mas não há nada que impeça que você siga uma low carb mediterrânea, com predomínio de carnes brancas. O que realmente importa (nível de evidência 1), se você tem síndrome metabólica ou diabetes, é fugir da dieta low fat.