Há algum tempo vêm surgindo estudos indicando a associação entre Alzheimer e diabetes, pré-diabetes e síndrome metabólica. É cada vez mais evidente que, muito embora possa haver importante componente genético, nossos hábitos influenciam a chance de desenvolver essa doença terrível. Como diz Mark Sisson, a genética coloca as balas na arma, mas o estilo de vida é que puxa o gatilho.
É importante ter me mente que os estudos citados abaixo são OBSERVACIONAIS, isto é, não podem estabelecer causa e efeito. Assim, os motivos para seguir low carb comprovados por ensaios clínicos randomizados seguem sendo o controle do sobrepeso/obesidade, reversão da síndrome metabólica e a melhora e até remissão do diabetes. Se, além de tudo isso, você ainda reduzir seu risco de desenvolver Alzheimer, como os estudos citados na reportagem sugerem, tanto melhor!
Um excelente artigo sobre o assunto foi publicado recentemente na revista The Atlantic, e a Liss Bischoff fez a tradução:
The Startling Link Between Sugar and Alzheimer’s
High-carb diet, and the attendant high blood sugar, are associated with cognitive decline.
by Olga Khazan
A surpreendente ligação entre o açúcar e a doença de Alzheimer
Dieta com alto teor de carboidratos e o concomitante alto nível de glicose no sangue, estão associados ao declínio cognitivo.
Nos últimos anos, a doença de Alzheimer tem sido ocasionalmente referida como diabetes “tipo 3”, embora esse apelido não faça muito sentido. No final das contas, embora as patologias [diabetes e Alzheimer] compartilhem um problema com insulina, diabetes tipo 1 é uma doença autoimune, e diabetes tipo 2 é uma doença crônica causada pela dieta. Em vez de outro tipo de diabetes, está parecendo, cada vez mais, que Alzheimer é outro potencial efeito colateral de uma dieta ocidental cheia de açúcar.
Em alguns casos, o caminho entre o açúcar e a doença de Alzheimer passa pelo diabetes tipo 2, mas como um novo estudo e outros mostram, isso nem sempre é o caso.
Um estudo longitudinal, publicado quinta-feira no periódico Diabetologia, seguiu 5.189 pessoas ao longo de 10 anos e encontrou que pessoas com nível elevado de glicose no sangue tiveram uma taxa mais rápida de declínio cognitivo do que aquelas com glicose normal – independente se os seus níveis de glicose sanguínea tecnicamente os tenham tornado diabéticos ou não. Em outras palavras, quanto maior a glicose sanguínea, mais rápido o declínio cognitivo.
“Demência é uma das condições psiquiátricas mais fortemente associadas com qualidade de vida pobre mais tarde”, disse o autor principal, Wuxiang Xie do Imperial College London, por e-mail. “Atualmente, demência não é curável, o que torna muito importante estudar os fatores de risco”.
Melissa Schilling, professora da Universidade de Nova York, realizou sua própria revisão de estudos conectando diabetes a Alzheimer em 2016. Ela buscou reconciliar duas tendências confusas. Pessoas que têm diabetes tipo 2 são aproximadamente duas vezes mais propensas a ter Alzheimer, e pessoas que têm diabetes e são tratadas com insulina também são mais propensas a ter Alzheimer, sugerindo que a insulina elevada desempenha um papel na doença de Alzheimer. Na verdade, muitos estudos encontraram que insulina elevada, ou “hiperinsulinemia”, aumenta significativamente seu risco do Alzheimer. Por outro lado, se acredita que pessoas com diabetes tipo 1, que não produzem insulina nenhuma, também têm um risco maior de Alzheimer. Como podem ambas as afirmações serem verdadeiras?
Schilling afirma que isto acontece por causa da enzima degradante da insulina (IDE – insulin-degrading enzyme), uma enzima que degrada a insulina e as proteínas amiloides no cérebro – as mesmas proteínas que se aglomeram e levam à doença de Alzheimer. Pessoas que não têm insulina suficiente, como aquelas cuja capacidade do corpo de produzir insulina foi esgotada pelo diabetes, não vão produzir enzimas suficiente para quebrar esses aglomerados no cérebro. Enquanto isso, em pessoas que usam insulina para tratar seu diabetes e acabam com excesso de insulina, a maioria dessa enzima é utilizada para quebrar essa insulina, não deixando enzima suficiente para realizar a quebra dos aglomerados de amiloides no cérebro.
De acordo com Schilling, isso pode acontecer mesmo em pessoas que ainda não têm diabetes – que estão em um estado conhecido como “pré-diabetes”. Simplesmente significa que sua glicose sanguínea é superior ao normal, e é algo que afeta aproximadamente 86 milhões americanos.
Schilling não é pesquisadora clínica; ela faz pesquisa básica e apenas se interessa pelo assunto. Mas Rosebud Roberts, professora de epidemiologia e neurologia na Mayo Clínica, concorda com a interpretação dela.
Em um estudo de 2012, Roberts dividiu cerca de 1.000 pessoas em quatro grupos com base em quanto de sua dieta era proveniente de carboidratos. O grupo que comia a maior quantidade de carboidratos tinha uma chance 80 por cento maior de desenvolver comprometimento cognitivo leve – uma parada no caminho para a demência – do que aqueles que comiam a menor quantidade de carboidratos. Pessoas com Comprometimento Cognitivo Leve, ou CCL, conseguem vestir e alimentar a si mesmas, mas têm problemas com tarefas mais complexas. Intervir no CCL pode ajudar a prevenir a demência.
Rebecca Gottesman, professora de neurologia na Universidade Johns Hopkins, alerta que os achados sobre carboidratos não estão tão bem estabelecidos como aqueles sobre diabetes. “É difícil ter certeza neste estágio, sobre qual seria a dieta ‘ideal’,” ela disse. “Há uma sugestão de que uma dieta mediterrânea, por exemplo, pode ser boa para a saúde do cérebro”.
Mas ela diz que existem várias teorias aí fora para explicar a conexão entre níveis elevados de glicose no sangue e demência. O diabetes também pode enfraquecer os vasos sanguíneos, o que aumenta a probabilidade de que você venha a ter mini AVCs no cérebro, causando várias formas de demência. Uma alta ingestão de açúcares simples pode fazer as células, incluindo as do cérebro, ficarem resistentes à insulina, o que poderia causar a morte das células cerebrais. Enquanto isso, comer demais em geral pode causar obesidade. A gordura extra em pessoas obesas libera citocinas, ou proteínas inflamatórias que também podem contribuir para a deterioração cognitiva, disse Roberts. Em um estudo de Gottesman, a obesidade dobrou o risco da pessoa de ter proteínas amiloides elevadas em seus cérebros ao longo da vida.
Roberts disse que pessoas com diabetes tipo 1, em sua maioria, apenas estão em risco se a sua insulina é tão mal controlada que elas têm episódios de hipoglicemia. Mas até pessoas que não têm qualquer tipo de diabetes devem estar atentas a sua ingestão de açúcar, ela disse.
“Só porque você não tem diabetes tipo 2 não significa que você pode comer tanto carboidrato quanto quiser”, ela disse. “Especialmente se você não é fisicamente ativo.” O que comemos, ela acrescentou, “é um grande fator na manutenção do controle do nosso destino”. Roberts disse que este novo estudo de Xie é interessante porque ele também mostra uma associação entre pré-diabetes e o declínio cognitivo.
Isso é um ponto importante que frequentemente é esquecido nas discussões sobre Alzheimer. Esta é uma doença tão terrível que pode parecer inevitável. E, é claro, existem fatores genéticos e outros fatores não nutricionais que contribuem para a sua progressão. Mas, como ela e outros pesquisadores apontam, as decisões que nós tomamos a respeito dos alimentos são um fator de risco que podemos controlar. E está começando a parecer que decisões nós tomamos enquanto ainda estamos relativamente jovens podem afetar nossa saúde cognitiva futura.
“A doença de Alzheimer é como um fogo que queima lentamente e que você não vê quando começa,” Schilling disse. Leva tempo para os aglomerados se formarem e para a cognição começar a se deteriorar. “No momento em que você vê os sinais, é demasiado tarde para apagar o fogo.”
(Traduzido de https://www.theatlantic.com/amp/article/551528/)