Como atemorizar gestantes com evidência ruim

Essa postagem será um pouco longa. Diz respeito a manchetes sugerindo que restrição de carboidratos possa causas malformações fetais em gestantes. Para entender porque a evidência é de má qualidade, será necessário um pouco de background.

Alguns anos atrás escrevi uma sequência de postagens explicando o que é uma referência bibliográfica aceitável. Afinal, é importante explicar às pessoas que há diferentes níveis de evidência, e que enquanto alguns estudos são efetivamente capazes de refutar teorias, outros servem apenas para levantar hipóteses. Este pode ser um bom momento para reler estas postagens:

https://www.lowcarb-paleo.com.br/2015/04/o-que-e-uma-referencia-bibliografica.html

https://www.lowcarb-paleo.com.br/2015/04/o-que-e-uma-referencia-bibliografica_8.html

https://www.lowcarb-paleo.com.br/2015/04/o-que-e-uma-referencia-bibliografica_12.html

https://www.lowcarb-paleo.com.br/2015/04/o-que-e-uma-referencia-bibliografica_26.html

Como se vê, estudos observacionais são muito problemáticos. Mas os estudos observacionais não são todos iguais. Existe, por exemplo, a coorte prospectiva, na qual exames são feitos e questionários são aplicados, aguarda-se um número de anos, e observa-se o que acontece no futuro. Como causas antecedem consequências, um estudo desse tipo é mais importante do que um estudo retrospectivo, no qual parte-se das consequências em busca de (supostas) causas. Mas existe um delineamento de estudo ainda mais problemático. Tão problemático que até hoje eu não havia sequer escrito sobre ele por aqui. Não achei que precisasse. Mas a mídia provou que eu estava errado. Com vocês, o estudo caso-controle.

Como funciona um estudo caso controle?

É um delineamento bastante simples. Você escolhe um número de pessoas que tem uma determinada doença (casos). Então, você escolhe um número de pessoas que não tem essa doença (os controles), e que você SUPÕE que sejam semelhantes aos casos. Aí, você vasculha o passado das pessoas, e tenta encontrar (supostas) causas para aquela doença. 

Quais os problemas com esse delineamento? MUITOS. Para começo de conversa, a única forma de produzir grupos semelhantes é por sorteio (randomização). Quando você escolhe os controles, eles tendem a ser diferentes dos grupos em aspectos que você nem imagina (e, como não imagina, não tem sequer como medir ou aferir). Além disso, existem infinitas variáveis que você pode vasculhar nestes grupos. Estatisticamente, você SEMPRE irá encontrar, por puro ACASO, algumas variáveis que são diferentes entre os grupos, mesmo que tais variáveis não tenham NADA a ver com a doença estudada. A partir daí,você só precisa de um jornalista que caia na cilada. Qual cilada? A cilada de achar que o mais enviesado de todos os estudos observacionais – o caso-controle – possa produzir ilações de causa e efeito.

Querem um exemplo?

Em 1993, a Super Interessante publicou a seguinte notícia:

Causar câncer? Por acaso alguém fez um ensaio clínico randomizado sobre o assunto? Pois para inferir causalidade, seria necessário partir de um grande número de homens, que tenham sido SORTEADOS (randomizados) para dois grupos, um que faria vasectomia em todos, e outro que não faria em ninguém. Depois de muitos anos, saberíamos se a incidência é maior em um grupo do que em outro. Obviamente, não é possível fazer esse tipo de estudo. Assim, obviamente, não é correto fazer esse tipo de manchete!!

Aí, passam-se alguns anos e a machete muda:

Há anos eu espero pela oportunidade ideal de citar uma frase espetacular do físico austríaco Wolfgang Pauli: “Isto não apenas não está certo; isto não está nem mesmo errado!”. 

Por um lado, a machete alude ao fato de que estudos mais recentes e com metodologia científica mais robusta não conseguiram replicar os achados dos estudos de caso-controle mais antigos sobre vasectomia e câncer de próstata. Por outro lado, a manchete afirma algo logicamente impossível de afirmar: é impossível provar um negativo. Um estudo não “descarta” nada. No máximo, podemos afirmar que “não há evidências”.

Assim, temos que ambas manchetes não deveriam ter existido. A primeira por dar destaque indevido a estudo com metodologia ruim, utilizando uma linguagem que sugere causa e efeito quando isso é impossível e incorreto; a segunda, por afirmar algo sem sentido do ponto de vista lógico: que um estudo possa descartar algo. Afinal, apenas não existe evidência de que vasectomia cause câncer de próstata. Mas não podemos descartar isso, pois é logicamente impossível provar que algo NÃO causa algo. Temos que nos contentar com a natureza estatística de nossas verdades provisórias.

Mas eu divago. Voltando à questão das vasectomias: de onde surgiu a confusão? Estudando-se casos (com câncer de próstata) e controles (sem câncer de próstata), foi identificado que o casos tinham uma chance maior de ter realizado vasectomia no passado. Isso não prova nada, evidentemente. Provavelmente os autores encontraram outras associações matemáticas (pertencer a um determinado time de futebol, por exemplo), mas que não pareciam fazer sentido. Esse tipo de estudo deveria produzir apenas hipóteses, nunca manchetes. E por que, hoje em dia, quase ninguém mais acredita nessa hipótese? Porque a provável variável de confusão foi identificada. A pergunta que se deve fazer é: que OUTRAS características diferenciam homens que fazem vasectomia daqueles que não fazem? Quando eu revelar a resposta, ela deverá soar incomodamente óbvia para você. Do tipo: “Claro! Como eu não pensei nisso antes?”.

Frequentar o urologista. Homens que fazem vasectomia vão no médico. Não apenas qualquer médico, mas um urologista. Que irá aproveitar a oportunidade para fazer um exame de próstata. O que, obviamente, aumenta o chance de diagnosticar a doença. É basicamente a mesma coisa que comparar um grupo de homens que frequentam o consultório de urologistas versus outro composto por homens que frequentam menos, e descobrir que há mais casos diagnosticados de câncer de próstata no primeiro do que no segundo.

Mas o que isso tem a ver com gestantes? Manchetes sensacionalistas baseadas em ciência ruim.

Recentemente, surgiram manchetes tais como:

Que tipo de estudo você imagina que tenha sido esse? Um ensaio clínico randomizado? Uma grande coorte prospectiva? Não. Foi um estudo de caso-controle. Caso-controle, eu disse. 

Os pesquisadores focaram em um tipo de malformação chamada “defeitos do tubo neural”, coisas como anencefalia, espina bífida e meningomielocele. Por que o foco nestas malformações especificamente? Porque elas estão ligadas à deficiência de folato na dieta. 

Mas o que é folato? Folato (vitamina B9, cuja forma oxidada sintética é conhecida como ácido fólico) é uma substância necessária, juntamente com vitamina B12, para o processo de metilação e síntese dos ácidos nucleicos, ou seja, fundamental na embriogênese.

Com o advento do refino da farinha no século 19, tornaram-se muito comuns uma série de deficiências nutricionais (beriberi, pelagra, escorbuto, etc.), visto que a farinha é basicamente amido, desprovida de quaisquer nutrientes. A “fortificação” das farinhas (a adição de vitaminas sintéticas e ferro) foi recomendada como medida de saúde pública para mitigar as deficiências nutricionais oriundas de uma alimentação pobre em nutrientes e rica em farináceos. Apenas para que fique mais claro: a deficiência nutricional não advém da falta de farinha. A farinha, ao deslocar outros alimentos realmente nutritivos, GERA deficiência nutricional. Então, como uma forma de REMEDIAR a carência nutricional de quem se alimenta basicamente de carboidratos refinados, passa a haver a fortificação nutricional obrigatória da farinha, com ferro e ácido fólico. É literalmente a mesma coisa que dizer “você está consumindo algo tão desprovido de valor nutricional que você deve consumir também um suplemento vitamínico. Para que você não esqueça, já mandamos misturar o suplemento diretamente na farinha”.

Pois bem, os pesquisadores formularam a seguinte hipótese: pessoas que consomem menos carboidrato (portanto menos farinha) deverão ter deficiência de ácido fólico, afinal a farinha é fortificada com ácido fólico. E, por isso, deverão ter mais defeitos de tubo neural. Mas, em quais alimentos, na natureza, encontramos folato?

Um detalhe interessante é a origem do nome desta substância, ácido fólico. O nome “fólico” vem de FOLHA. Isto porque o ácido fólico foi originalmente isolado em folhas de espinafre. Não, a vitamina B9 não se chama “ácido farínico”, “ácido carboidrático” ou “ácido biscôitico“. Basicamente qualquer folha verde ou fruta contém ácido fólico. Ah, sim, e vísceras, como fígado, são as maiores fontes. Na verdade, é evidente que uma dieta low carb conterá MAIS ácido fólico do que a dieta ocidental padrão – porque salada é low carb!!

Isto foi estudado, e recentemente publicado: uma dieta low carb típica em uma mulher atinge mais de 550 microgramas de folato por dia, quando a dose mínima recomendada é de 400 microgramas. Afinal, low carb é uma dieta com comida de verdade, composta de  alimentos minimamente processados. Obviamente, são as pessoas consumindo a típica dieta ocidental padrão, pobre em nutrientes e rica e farináceos refinados, que estão em risco de deficiência nutricional – a ponto da suplementação da farinha ser mandatória por lei. Há motivos pelos quais não há leis que determinem a fortificação de vegetais folhosos. Só se “fortifica” aquilo que é  “fraco”, do ponto de vista nutricional.

Mas, então, de onde saiu a ideia deste estudo de caso-controle? Por que alguém imaginaria que pessoas que comem couve e espinafre teriam deficiência de ácido fólico? Simples: ESTE NÃO FOI UM ESTUDO SOBRE PESSOAS FAZENDO DIETA LOW CARB.

Repetindo: não se estudou dieta low carb no estudo em questão. O estudo foi realizado com um banco de dados norte-americano de malformações fetais, com casos e controles. Não se escolheu pessoas que estavam “seguindo uma dieta low carb”. O que se fez foi estudar os questionários de frequência alimentar (aqueles nos quais se pergunta o que e quanto a pessoa comeu nas últimas semanas), e foram selecionadas as 5% que consumiam menos carboidrato, o que correspondeu a menos de 95g de carboidratos por dia – LONGE de ser uma dieta very low carb ou cetogênica portanto.

Mas, repito, não se buscou mulheres que seguiam uma dieta low carb. Partiu-se do princípio de que mulheres que RELATAVAM consumir menos de 95g de carboidratos por dia eram seguidoras de um estilo de vida low carb. Isso são coisas completamente diferentes!!! Primeiramente, porque qualquer mulher que tenha lido algum livro sobre low carb, ou consultado com um nutricionista low carb, consumirá MAIS vegetais, mais folhas e mais folato do que consumia antes de adotar esse estilo de vida. Segundo, porque questionários de frequência alimentar são comprovadamente ruins, MUITO ruins – basicamente pseudociência.

Por fim, quem garante que os grupos são realmente comparáveis no que diz respeito a OUTRAS variáveis que possam realmente influenciar no risco de malformações? Idade, por exemplo?

É possível observar que as mães que consumiam menos carboidratos eram significativamente mais velhas. Idade materna é fator de risco para malformações fetais. E aí? Foi o ácido fólico, ou foi a idade? Sim, os autores controlaram matematicamente para idade. Se você é leitor habitual deste blog, já sabe que isso não elimina os vieses: leia aqui. E tem mais: só podemos controlar variáveis que conhecemos. Mas o que dizer das variáveis que nós não conhecemos? Se, por exemplo, houver um forte viés do paciente bem comportado? Ou seja, num mundo no qual a recomendação oficial é consumir 300g de carboidratos por dia, quem consome menos de 100g pode ser o tipo de pessoa que faz outras coisas que também “não deveria” (beber, fumar, tomar medicamentos, usar drogas durante a gestação, por exemplo). Sem randomização, é simplesmente IMPOSSÍVEL saber ao certo.

***

O delineamento desse estudo (caso-controle), por si só, já deveria gerar extrema cautela e humildade sobre as hipóteses ali geradas. Mas isso vale para qualquer estudo de caso-controle, como vimos no caso da vasectomia.

Mas, tudo indica, o presente estudo tem falhas metodológicas bem mais profundas. Zoe Harcombe, pesquisadora especializada em metanálises e metodologia de pesquisa, fez uma análise mais profunda do artigo. Inconformada com as falhas graves, escreveu uma carta ao editor, dirigida aos autores.

Segue a carta (cujo original está aqui), com tradução de Liss Bischoff e Paty Ayres:


“Um estudo foi publicado na revista ‘Birth Defects Research’ em 25 de janeiro de 2018. Um comunicado de imprensa acompanhou a publicação, alegando que ‘mulheres com baixo consumo de carboidratos são 30% mais propensas a ter bebês com defeitos do tubo neural, quando comparadas com mulheres que não restringem a ingestão de carboidratos’.

Jornais em todo o mundo relataram a história, reiterando o título assustador de que ‘mulheres em dietas low carb podem ter um risco 30% maior de ter um bebê com defeito neurológico e na medula espinhal, de acordo com um novo estudo.’

Uma de minhas leitoras, Belinda Fettke, alertou-me para o artigo e pediu-me para examiná-lo no meu boletim semanal. Então, eu o fiz.

Foi um estudo de caso-controle.

Foi fundamentalmente falho de várias maneiras:

1) A tabela de características comparou o grupo controle com o grupo controle, não o controle com os casos.

2) A tabela ‘correta’ de características estava disponível, como um suplemento, mas nenhuma das duas tabelas incluiu dados importantes relacionados ao estudo – e nem ao menos ingestão de carboidratos e folato/ácido fólico.

3) Consequentemente, o estudo não ajustou adequadamente para diferenças materiais entre os grupos controle e caso.

4) O estudo não poderia ter chegado à conclusão que chegou.

Enviei o email abaixo para os autores no dia 30 de janeiro, e enviei uma cópia ao editor do jornal. Eu queria esperar até receber uma resposta antes de publicar isso abertamente, mas várias pessoas, que sabiam que eu encontrei erros (tão graves que exigiriam a retração do estudo), me pediram para publicar, porque as manchetes geradas por este artigo precisam ser respondidas imediatamente.

A gravidez é preocupante o suficiente para mulheres e homens, mesmo sem invenções como esta  testando assustá-los ainda mais

Prezado Dr Desrosiers,

Atualmente, estou analisando seu artigo, muito interessante, “Dietas de baixo carboidrato (Low Carb) podem aumentar o risco de defeitos no tubo neural”. 

O resumo do artigo informa “Para avaliar a associação entre ingestão de carboidratos e DTNs [defeitos no tubo neural], analisamos dados do Estudo Nacional de Prevenção de Defeitos Congênitos em 1.740 mães de natimortos e interrupções da gravidez de crianças com anencefalia ou espinha bífida (casos) e 9.545 mães de bebês nascidos vivos sem defeitos congênitos (controles) concebidos entre 1998 e 2011. “O artigo relatou que esses números se tornaram 1,559 (casos) e 9,543 (controles) com exclusões válidas. Até aqui, tudo bem. 



A Tabela 1 relatou apenas as características do grupo controle. A Tabela 1 deveria mostrar as diferenças entre os casos e os controles,  para que os ajustes fossem conhecidos. A Tabela Suplementar 1 relatou esses dados. 



1) Por favor, você pode explicar por que a Tabela 1 está no documento principal e a Tabela 1 Suplementar não? 



2) ‎Por favor, você pode adicionar os dados da ingestão de carboidratos à Tabela 1 suplementar e, por favor, você pode adicionar os dados de folato/ ingestão de ácido fólico à Tabela 1 suplementar? Estas são inclusões padrão na tabela de características, para que os leitores possam revisar, a primeira vista, a hipótese que está sendo testada. 



3) ‎Por favor, você pode adicionar os dados de ingestão de calorias à Tabela 1 suplementar? Pois isso foi ajustado, mas não foi relatado em qualquer lugar? 



4) Por favor, você pode fornecer os valores de p (probabilidade de significância) para a Tabela Suplementar 1? 



5) Trabalhando no pressuposto de que as relações caso / controle fora de 0.9-1.1 provavelmente serão estatisticamente significativas, a Tabela Suplementar 1 sugere que os ajustes deveriam ter sido feitos (eu usei um (Y) e um (X) para indicar o que foi/ não foi ajustado): raça / etnia materna (Y); local de nascimento materno (X); educação (Y); renda familiar (X); IMC (X); fumar (X); uso de álcool (Y); uso de medicação do antagonista de ácido fólico (X); e centro de estudo (Y). Por favor, você pode explicar por que os fatores marcados com um (X) não foram ajustados? 



6) Se eu interpretar corretamente a Tabela 2, isso significa que dos 1.559 casos, 93 restringiram carboidratos (6%) e 1.466 (94%) não restringiram, o que significa que 479 casos controles (5%) restringiram carboidratos e 9.064 (95% ) não restringiram. 



O estudo “levantou a hipótese de que algumas mulheres que restringem os carboidratos podem ter níveis de folato sub-ótimo e, posteriormente, podem estar em maior risco de ter uma gravidez afetada por DTN”. 



Não obstante o fato de que você pretende provar uma hipótese (e não refutar a hipótese nula, como seria o correto), você pode por favor, confirmar que não conseguiu comprovar esta hipótese? A Tabela 2 poderia concluir que “94% das gravidezes afetadas por DTN ocorreram em mulheres que não restringiam carboidratos”. A Tabela 2 também poderia concluir que “das mulheres que tiveram a gravidez afetada por DTN, fracionalmente mais (1 em 100) restringiram carboidratos”. A Tabela 2 não pode, na verdade, concluir o contrário – que aquelas que restringiram carboidratos podem estar em maior risco de ter uma gravidez afetada por DTN. 



6) Uma vez que você tenha adicionado a ingestão de carboidratos, ingestão de folato/ácido fólico, consumo de calorias e valores p na Tabela 1 suplementar, você poderia, por favor, ajustar todas as diferenças entre casos e controles e, em seguida, recalcular os odds ratios (razão de chances)  de acordo com as adequações? 



Por favor, você pode então rever e alterar a orientação do que foi comunicado à imprensa e corrigir os artigos de jornal em todo o mundo, que informaram que: “as mulheres que ingerem pouco carboidrato são 30% por cento mais propensas a terem bebês com defeito do tubo neural, quando comparadas com as mulheres que não restringem os carboidratos na dieta”?



Muito Obrigado Atenciosamente – Zoë 

***

Anos atrás, escrevi uma postagem sobre low carb e gestação.  Naquela postagem, escrita há 5 anos, eu já dizia o seguinte:

“Eu não recomendaria nenhuma dieta cetogênica na gestação. Não por que eu acredite que seja perigoso: se fosse, provavelmente a espécie humana estaria extinta há centenas de milhares de anos, visto que nossos antepassados (grávidos ou não) passavam passavam boa parte do tempo em cetose. Além disso, sabemos que as poucas populações atuais que permanecem a vida inteira em cetose, como os esquimós e os Masai, têm excelente saúde e gestações sem problemas. Então, por que eu não recomendo? Porque não há estudos estabelecendo a segurança de uma dieta cetogênica na gestação. Então, embora eu ache que não teria problema, seria irresponsável eu recomendar isso aqui, publicamente.

Mas uma dieta de viés páleo é perfeitamente aceitável. Aliás, nem poderia ser diferente: que dieta poderia ser melhor para uma gestante do que aquela com a qual a espécie evoluiu? É obviamente a dieta que nossos genes esperam encontrar.

E mais, não vejo como seu obstetra vá ser contra uma dieta baseada em:

  • Alimentos naturais, orgânicos e não-processados;
  • Carnes, peixes e aves, de preferência criados soltos
  • Saladas em abundância;
  • Frutas e raizes/tuberosas (SEM restrição);
  • Usar azeite de oliva à vontade;
  • Não comer porcarias, como biscoito recheado, doces, etc. E, por extensão, nada de farináceos;
  • Evitar óleos extraídos de sementes (soja, milho, etc), ricos em ômega 6″

***

“Você pode PROVAR que uma dieta low carb NÃO é perigosa na gestação”?

Desculpa acabar, assim, de forma rude, com a sua inocência, leitor. Mas a verdade é que você não pode “provar” que NENHUMA dieta NÃO é perigosa na gestação. Como eu já disse, não se prova um negativo.

Eu, por exemplo, tendo a achar que comer fast food com coca-cola e milkshake durante a gestação é perigoso. Não obstante, você não verá nenhuma grávida sendo admoestada por esse motivo. As loja de fast food estão cheias delas, e ninguém dá a mínima. Já frango com salada soa realmente teratogênico.

Mas, como médico, devo seguir o princípio da precaução. Por este motivo, há 5 anos eu já não recomendava uma dieta very low carb para grávidas não-diabéticas. Não porque haja evidências de que faça mal – e, pelos motivos expostos exaustivamente na presente postagem, eu não considero que o presente artigo represente tal evidência. No entanto, a falta de estudos longos de coorte, acompanhando gestantes que efetivamente estejam seguindo um estilo de vida low carb, para que se possa avaliar os desfechos, torna necessário bom senso nas orientações nesta população específica – o mesmo bom senso que faltou aos autores do estudo e aos jornalistas. Um bom senso que se traduz por precaução devido ao que ainda não sabemos, a invés de exaltar, como se verdade fosse, o produto de nossa ignorância – como vimos nessa semana.

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