Primum non nocere

Primum non nocere é um dos princípios básicos da medicina. Buscamos fazer o bem, mas, antes de mais nada, primeiramente, evite fazer o mal.

Uma intervenção médica que não traga benefício já é ruim, mas uma intervenção que traga prejuízo é inaceitável. Na dúvida, melhor não fazer nada, do que piorar a situação.

Pois é disso que me lembrei quando recebi esse tocante email de uma leitora do blog. Creio que todos podemos aprender um pouco com o que ela tem a nos dizer.

Os comentários em VERMELHO são meus.

Olá, Rodrigo e Dr. Souto,

Depois de um ano e meio seguindo a estratégia low carb, senti-me encorajada a lhes escrever, afinal, vocês foram responsáveis pelo meu sucesso e até mesmo pela paz de espírito que tenho hoje.

Sou tradutora, tenho 45 anos e vivi uma jornada longa e nada fácil.

Cresci envolvida na cultura do macarrão, já que sou filha de um italiano que chegou adulto ao Brasil e trouxe consigo uma cultura alimentar bastante arraigada. Aprendi a fazer massa em casa ainda criança e comecei a cozinhar lá pelos 8 anos de idade. Por sorte, também herdei da cultura alimentar do meu pai o gosto por alimentos variados e naturais, como frutas, vegetais e todos os tipos de carne (da ova de peixe às vísceras).

Não tínhamos acesso a quase nada industrializado, e isso me ajudou muito a adotar a estratégia low carb e low crap posteriormente.

Comecei a engordar aos 9 anos de idade e, aos 15, comecei a sofrer por ser ridicularizada na escola. Eu era uma menina insegura, e as coisas que os colegas faziam começaram a me afetar mais seriamente. Passei a me isolar e acabei entrando em depressão.

Na época, minha mãe não conhecia outra forma de me ajudar a não ser me levar a um endocrinologista, que não hesitou em me receitar uma fórmula contendo anfepramona e outras substâncias.

Como eu estava determinada a emagrecer, entrei na academia e fazia duas horas de aeróbica por dia, alternando com circuito e cross-training. Eu fazia isso de segunda a sábado, mas, como a academia não abria aos domingos, meu professor de aeróbica me emprestou suas fitas K-7, que copiei para usar em casa, afinal, eu achava equivocadamente que não poderia deixar de me exercitar um dia sequer. (embora seja INDISPENSÁVEL à saúde, o exercício físico é uma estratégia extremamente ineficaz para perda de peso. Leia aqui e aqui)

Além do medicamento e das muitas horas de exercícios, fiz exatamente o que o médico me recomendou: nada de pães, massas, doces, refrigerantes e nada de gordura também. Eu comia alface e peito de frango grelhado, mas isso apenas quando conseguia, pois os medicamentos me tiravam a fome completamente e eu podia passar dias inteiros sem ingerir absolutamente nada.

Bem, dali em diante, tudo desandou ainda mais. Fiquei quase dez anos dependente de remédios para emagrecer. Os médicos me receitavam desde coisas consideradas leves, como sibutramina, até drogas fortíssimas e viciantes, como Hipofagin, cloridrato de anfepramona, etc. Percebi que estava viciada porque não conseguia mais ficar sem os remédios e, quando ficava, eu tinha todos os efeitos colaterais, como se estivesse em abstinência. Tinha taquicardia, boca seca, visão turva, tontura, tremores, extremidades frias e até desmaios. O uso desses remédios acabou levando a uma gastrite erosiva que evoluiu para uma úlcera.

Mesmo fazendo tudo isso, contando calorias, passando fome voluntariamente, me intoxicando com remédios e me exercitando tanto, eu sofria o efeito sanfona. Então, por estar vendo minha saúde tão degradada e por não suportar mais as dores de estômago, fiz um esforço tremendo e abandonei os remédios. Nem preciso dizer que, com isso, engordei o dobro, mesmo mantendo a rotina de exercícios. Voltei a me sentir um fracasso total e a velha “amiga”, a depressão, voltou.

Continuei tentando dietas diversas, mas desistia e acabava voltando a engordar. Tenho tantos livros de dieta que daria para abrir uma pequena livraria. Procurei nutricionistas, que me indicavam comer de três em três horas, comer pão light com requeijão light, tirar a gema do ovo (isso eu nunca obedeci, confesso!), tomar leite desnatado, comer frango grelhado sem pele, evitar carne vermelha, evitar vísceras e frutos do mar por causa do colesterol, etc.

Lá pelos 30 anos, conheci a dieta do Dr. Atkins. Comecei a fazer e via resultado, mas não tinha apoio em casa, além do agravante de eu mesma ter medo de comer gordura. Acabei parando de fazer a dieta porque eu também caí no conto da gordura saturada assassina, que ainda é propagado como verdade absoluta. Eu acreditei na propaganda da margarina com o selinho do coração e nas nutricionistas desatualizadas.

(Aqui volto eu, Souto, escrevendo. Se eu tivesse uma moeda para cada vez que escutei essa história, teria uma jarra cheia: “eu sempre sofri com o peso, até que descobri a dieta Atkins/low-carb, perdi peso sem nenhum esforço, mas os médicos, as nutricionistas, os meios de comunicação e os familiares disseram que eu não podia continuar com isso, pois é uma loucura e eu iria morrer do coração”. E foi aí, exatamente aí, que o DANO foi feito. A história da nossa leitora poderia ter se encerrado no parágrafo acima se nós, profissionais de saúde, ao menos cumpríssemos a nossa função de não prejudicar, primum non nocere. Ela teve sucesso com uma estratégia pela primeira vez na vida. Nunca ninguém teve pruridos de lhe prescrever anfetaminas como se fosse a coisa mais segura do mundo, mas trocar o pão pelo salmão seria verdadeiro suicídio?? Me desculpem, eu não me conformo – tenho vontade de gritar.) 

Por volta dos 33 anos, estava com 130 quilos. Meu IMC chegou a 54,1. Para vocês terem uma ideia da minha compleição física, tenho 1,55, calço 33 e uso anel infantil.

Então, busquei ajuda para a depressão e, sem tomar nenhum remédio por opção pessoal e por receio de me tornar dependente novamente, comecei a terapia. Àquela altura, emagrecer 70, 80 quilos parecia absolutamente impossível. Eu já apresentava várias comorbidades decorrentes da obesidade, como apneia do sono severa com indicação de uso de CEPAP; refluxo com aspiração e, por consequência, asma; desordens hormonais devido à lipotropia, com ciclos menstruais oscilando entre 20 e 60 dias; lesão no joelho e esteatose hepática. Não sei como, mas não desenvolvi DM2.

Busquei uma equipe multidisciplinar que me indicou a cirurgia bariátrica. Refleti muito sobre o assunto, procurei estudar sobre as consequências e, após um ano ponderando e falando sobre isso na terapia, decidi me submeter ao procedimento. Não foi uma decisão fácil. Eu só fiz porque estava numa situação limite, extrema, e me via morrendo a cada microdespertar com sensação de morte. Apneia mata. Eu já havia tentado de tudo, lido todos os livros de dieta disponíveis, seguido as diretrizes, seguido ordens médicas, feito dietas elaboradas por nutricionistas, tomado remédios diversos, feito exercícios diariamente, mas mesmo assim eu acabei com 130 quilos! Quem passa a vida inteira tentando emagrecer de forma dedicada e honesta recorre à cirurgia como último recurso à morte.

Embora eu saiba que haja uma tremenda banalização da cirurgia bariátrica e que existam pessoas que buscam uma solução fácil, endossada por médicos sem ética que até recomendam que os pacientes engordem para fazer o procedimento, esse não foi o meu caso. Nem todo obeso que recorre à cirurgia é simplesmente preguiçoso! Eu tentei com todas as minhas forças emagrecer durante anos. (Nossa leitora fez o que precisava fazer. A bariátrica provavelmente salvou a sua vida. E lhe trouxe uma série de problemas, como veremos abaixo. Mas tudo isso poderia ter sido evitado, lá atrás, quando ela fez low-carb pela primeira vez, e foi DESENCORAJADA a continuar. Que tal APOIAR as pessoas que obtém sucesso com low-carb?)

Mas é claro que eu não vou fazer apologia à bariátrica! Não me xinguem ainda! (NUNCA lhe xingaria, prezada leitora! Pra você, somente elogios! Agora, para os médicos e nutricionistas, SHAME ON YOU. Estavam lá para mandar um obeso comer carboidratos processados de 3/3h e para prescrever anfetaminas, mas não puderam oferecem uma mão amiga e dar os parabéns e o incentivo quando ela perdeu peso com Atkins? Sinto muito, mas mais de 10 anos atrás, já havia ensaios clínicos randomizados indicando a eficácia e segurança de low-carb – a mesma segurança que já se sabia que as anfetaminas não tinham – primum non nocere.)

Em janeiro de 2008, com 130 quilos, fiz a cirurgia. Com ela, eliminei 56 quilos. Aí vem a revelação mais importante que eu sempre conto aos candidatos à cirurgia e que eu vivenciei:

Você vai voltar a engordar, A MENOS que mude sua alimentação para o resto da vida!

Não tem jeito, é exatamente como o Dr. Souto explica no podcast 111.

Os operados podem SIM voltar a engordar ao longo dos anos por diversos fatores. Em primeiro lugar, o paciente pode aprender com o tempo a se tornar um lanchador, ou seja, por não conseguir comer grandes volumes em uma só refeição, passa a fazer lanches, ou pior, come o tempo todo. Isso é uma armadilha! 

Outro fator é que alguns pacientes aprendem seu limite em relação ao dumping e passam a comer alimentos extremamente doces, como leite condensado, em pequenas porções. Mais um tiro no pé: o paciente operado tende a comer alimentos fáceis de ingerir e que não entalam, como purês, massas, arroz, feijão, sopas densas, etc, todos pobres em nutrientes, super engordativos e que causam MAIS fome!

Procuro sempre alertar para um fator crucial: sem ajuda psicológica, nenhuma intervenção física funcionará plenamente.

Mas há mais pontos que eu conto aos candidatos à mutilação estomacal: você vai ter dumping, vai entalar com a comida, vai ter desnutrição crônica, queda acentuada de cabelos, anemia para o resto da vida, vai precisar de injeções intramusculares dolorosas, assim como a suplementação de diversas vitaminas, também para o resto da vida, pode ter desequilíbrio hormonal, perda de massa óssea precoce (eu já tenho osteopenia) e perda de massa magra, além de coisas que a medicina ainda nem sabe!

Às vezes, vejo a bariátrica como uma troca de comorbidades.

Ao final de 2016, eu ainda não havia concluído o processo de emagrecimento e estava com 78 quilos, frustrada e malnutrida. Tomei a decisão de voltar a pesquisar sobre emagrecimento e cheguei ao blog do Dr. Souto. Minha irmã também já estava seguindo suas orientações e já havia emagrecido 27 quilos com low carb, então, li o blog como se não houvesse amanhã. (por sorte essa irmã não foi desencorajada por aqueles que acham que cortar carboidratos é radical, mas que cortar estômago é bem normal.)

Em fevereiro de 2017, comprei o livro Emagrecer de Vez e, em março, o programa Emagrecer de Vez. Eliminei 22 quilos durante o ano de 2017 e mais 6 até o momento, totalizando 28 quilos eliminados, graças às suas orientações. Hoje, aos 45 anos, tenho 50 quilos, peso que eu achava que jamais teria novamente sem remédios. Hoje eu SEI que é possível, pois vocês me mostraram isso. SEI que não precisamos temer comida de verdade e que fomos reféns da indústria de alimentos e até de médicos e nutricionistas falsários ou desinformados. Hoje eu SEI que existe uma saída porque vivencio isso no meu dia a dia, sou mais uma prova de que vocês falam a VERDADE.

Se eu soubesse em 2008 o que aprendi nesse último ano, talvez não tivesse feito a cirurgia. O que sempre digo a quem me pergunta sobre a minha experiência é: não faça cirurgia, faça low carb!

Vocês salvam vidas e acredito que evitem muitas cirurgias também. Não deu tempo para mim, mas, mesmo operada, encontrei a maneira de me alimentar corretamente, me nutrir bem, me manter magra, saudável e muito mais feliz, sem passar fome, sem dores e sem medo da comida. Isso não tem preço!

Fui ao Tribo Forte ao Vivo 2017 e tive o prazer de dar um rápido abraço no Dr. Souto, tirar uma foto com o Rodrigo e de lhes entregar uma pequena lembrança, mas não tinha, e ainda não tenho, palavras suficientes para agradecê-los pelo que vêm fazendo. Vocês estão mudando a nutrição no Brasil e melhorando muitas vidas.

Este ano estarei novamente no Tribo Forte ao Vivo, nos vemos por lá!

Muito obrigada!

 

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