O que a história da compra de leite condensado pelo governo realmente nos diz

O texto abaixo, de minha autoria, foi publicado na Folha de Pernambuco no último dia 15/02/2021, neste link.

Leite Condensado

Recentemente, uma grande celeuma tomou conta das redes sociais e dos portais de notícias, devido à divulgação de que o governo federal gastou mais de 15 milhões de reais na compra de leite condensado em 2020. A ideia de pessoas em Brasília se locupletando com pavês e pudins invadiu o imaginário brasileiro, quiçá atiçada por conhecermos as insalubres preferências alimentares do presidente para o café da manhã. Mas o Ministério da Defesa logo veio a público esclarecer a confusão. O leite condensado não era destinado à Presidência da República, mas sim para a alimentação dos militares (brigadeiros, sim, mas não os que você estava pensando). Em nota, o Ministério explica que a quantidade é compatível com o tamanho do contingente de homens e mulheres das forças armadas, e se justifica pelo alto teor calórico do produto e sua fácil conservação em condições de calor.

Se o problema fosse apenas o custo, estaria plenamente justificado. Mas um detalhe chamou-me a atenção: trata-se de leite condensado light, desnatado. Se o objetivo é oferecer mais calorias, por que retirar do leite sua gordura natural? Leite condensado, no Brasil, não é apenas leite evaporado, concentrado. É leite com grande quantidade de açúcar adicionado, e o açúcar está associado à obesidade, diabetes, síndrome metabólica, gordura no fígado e cáries dentárias (aliás, a justificativa para compra de chicletes pelo governo foi a de facilitar a limpeza dos dentes das tropas). São calorias que custam caro à saúde de quem as consome regularmente.

O objetivo de oferecer nutrição adequada que não necessitasse de refrigeração poderia ser obtido com leite em pó integral, que mantém a gordura naturalmente presente no alimento, sem adição de açúcar. 

A oferta de um produto no qual a gordura foi removida e o açúcar adicionado reflete algo mais profundo: os equívocos da nutrição, advindos de teorias obsoletas dos anos 1970-80. Hoje, há mais de uma metanálise de estudos científicos mostrando que o consumo de laticínios integrais (com a gordura) está associado a menor risco de sobrepeso e obesidade (veja aqui, por exemplo), bem como de diabetes. E há vários estudos mostrando o oposto com o consumo de açúcar adicionado.

As crescentes taxas de obesidade nas Forças Armadas são um problema em todo o mundo. Nos EUA, 70% dos militares do exército estão acima do peso, e 71% dos jovens que se candidatam às Forças Armadas não apresentam aptidão física para tanto (Is U.S. Nutrition Policy Making the Military (and Recruits) too Fat to Fight? — The Nutrition Coalition). Um estudo recente publicado no periódico Military Medicine (New military study: Remarkable results among soldiers on ketogenic diet — Diet Doctor) mostrou que a eliminação de açúcares e amidos da dieta de militares com sobrepeso produziu notáveis melhoras de composição corporal sem prejudicar em nada suas aptidões físicas. 

O leite condensado foi historicamente utilizado para a alimentação de tropas. Mas também é verdade que, no passado, exércitos do mundo todo forneciam cigarros aos seus combatentes, de modo que a simples existência de um precedente histórico não justifica a repetição de erros. Se não quisermos chegar na situação dos EUA, com sua grande rede de hospitais de veteranos saturada pelas complicações do diabetes e da obesidade, é melhor parar de entupir nossos jovens com açúcar. Nossos militares merecem calorias de melhor qualidade.

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