Lipedema

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Na edição premium de hoje, vamos falar sobre Lipedema. Você já ouviu falar em Lipedema?

Lipedema é uma condição que afeta quase exclusivamente mulheres. É pouco conhecida pelos médicos, o que não surpreende, pois até 2021 sequer tinha o código CID (classificação internacional das doenças); com a publicação da versão 11 do CID em fevereiro de 2022, o lipedema finalmente ganhou seu próprio código (EF02.2). Porém, é mais comum do que se imagina. Caracteriza-se por acúmulo de gordura nos membros inferiores, de forma simétrica, e desproporcional, ou seja – não é uma manifestação de obesidade (embora possa coexistir com obesidade e ser agravada por ela). É diferente do linfedema, por exemplo, que pode ser unilateral e, mesmo quando é bilateral, se caracteriza por acúmulo de líquido no subcutâneo. No lipedema as pernas tendem a perder o contorno, e a gordura se acumula em locais atípicos, como a região lateral dos joelhos e os tornozelos mas – importante – poupando os pés (no LINFEDEMA, os pés incham). Muitas vezes as pessoas descrevem as pernas como “troncos”, isto é, grossas de cima a baixo. Outra característica do lipedema é a fragilidade capilar. Em geral, são pessoas que desenvolvem manchas roxas nos membros inferiores por qualquer coisa – é comum que nem se lembrem do que causou a equimose/hematoma. Por fim, o lipedema pode ser doloroso ao toque e à pressão. Para exemplificar, a foto abaixo mostra o lipedema com sua típica gordura no tornozelo – e pés magros:

Fonte: https://www.lipoedeem.info/zslnokycordero.pdf

Um recente artigo no agregador de notícias médicas Medscape abordou o assunto, o que é ótimo, pois trata-se de publicação de grande alcance:

Destaco a seguir alguns pontos:

  • Afeta cerca de 10% das mulheres – não é algo raro, e sim pouco diagnosticado
  • A causa é desconhecida, e muitas vezes é confundido com obesidade, mas afeta desproporcionalmente os membros, quase sempre os inferiores, mas pode afetar os superiores também. Há forte componente genético;
  • Dizem os autores: “Embora não se conheçam os verdadeiros desencadeadores dessa alteração, o estilo de vida tem um papel muito importante no controle dos sintomas. Por isso, é muito importante seguir uma dieta anti-inflamatória. Por outro lado, ainda que não sejam causas, o sedentarismo ou a falta de uma alimentação balanceada podem ser fatores que agravam a situação” (sobre alimentação falaremos mais, abaixo);
  • Tratamento pode incluir cirurgia para remoção de acúmulos localizados de gordura e terapias conservadoras como drenagem linfática, outros tratamentos tópicos e estilo de vida (dieta e atividade física);
  • Dizem os autores: “Como a insulina promove a lipogênese, uma dieta que evite os picos glicêmicos e de insulina pode ser desejável. Por outro lado, a resistência à insulina piora a formação de edema”. Logo após essa interessante constatação, sugerem uma dieta mediterrânea…🤦‍♂️

Veja, uma dieta mediterrânea é certamente melhor do que pizza com refrigerante normal ou batata frita com ketchup, mas se o objetivo é reduzir insulina e picos glicêmicos, A DIETA A SER PROPOSTA DEVERIA SER LOW-CARB, não é óbvio?

Mas ser óbvio não basta. O que diz a literatura sobre low-carb e lipedema? Um estudo piloto foi publicado por um grupo da Noruega em 2021:

Neste estudo pequeno, 9 mulheres com lipedema foram submetidas a uma dieta low-carb cetogênica pot 7 semanas, seguida por mais 7 semanas de dieta tradicional das diretrizes nórdicas. Houve perda de peso média de 4,6 Kg apenas nas semanas low-carb. Houve ainda uma pequena redução da circunferência das panturrilhas (mas não das coxas) – novamente apenas no período low-carb. A DOR teve melhora considerável somente durante o período low-carb, recidivando com a dieta padrão nórdica. Os autores comentam que, ao que tudo indica, a DOR tenha melhorado pela dieta low-carb cetogênica em si, pois a dor voltou com a cessação da low-carb, embora o peso não tenha voltado nas 7 semanas de dieta nórdica. Especulam também que isso possa ter a ver com conhecido efeito anti-inflamatório da dieta cetogênica, visto que é sabido que existe um componente inflamatório na gordura do lipedema.

Mas um estudo piloto não-randomizado com 9 pessoas não é exatamente evidência científica – serve apenas para levantar hipóteses e reforçar que as melhoras que se vê em consultório podem ser mais do que meras coincidências. Eis que foi publicado um ensaio clínico randomizado testando low-carb em lipedema:

Este estudo polonês recrutou 91 mulheres com lipedema que foram randomizadas para 2 grupos: um grupo low-carb high-fat (LCHF) e outro médio-carb médio-fat (vou chamar aqui de dieta “equilibrada”) por 16 semanas. As dietas tinham a mesma quantidade de proteína – diferiam apenas na quantidade de carboidratos e de gordura.

Nas palavras dos autores: “A dieta LCHF (low-carb) foi mais eficaz que a equilibrada na redução do peso corporal, gordura corporal e circunferências dos membros inferiores”. Quando olhamos os resultados, chama a atenção que o grupo low-carb emagreceu muito mais (8 kg, contra apenas 2 kg do grupo de dieta equilibrada). Não que isso seja um problema, até porque a maioria das pacientes era obesa ou tinha sobrepeso. Mas alguém poderia alegar que as pessoas melhoraram apenas porque emagreceram. Para resolver essa dúvida, seria necessário conduzir um novo ensaio clínico randomizado no qual as calorias fossem mantidas iguais entre os dois grupos (fazendo o grupo low-carb comer mais do que deseja e deixando o grupo equilibrado com fome) de modo que o efeito da LCHF possa ser avaliado independentemente de seu efeito no emagrecimento. Por outro lado, para quem sofre de lipedema, essa é uma discussão de interesse apenas acadêmico, pois o que importa é saber que existe uma alternativa que pode trazer alívio para uma condição para a qual ainda não existe uma cura. Interessante salientar que, assim como no estudo piloto citado mais acima, neste ensaio clínico randomizado a dor melhorou apenas no grupo low-carb. Os autores concluem “Pela primeira vez, a dieta com baixo teor de carboidratos e alto teor de gordura foi mais eficaz em pacientes com lipedema em comparação com a dieta de baixo índice glicêmico (“equilibrada”). A redução da gordura corporal dos membros induzida por uma dieta pobre em carboidratos pode ser fundamental para aliviar os sintomas da doença e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Os resultados deste estudo podem ser cruciais na implementação do manejo nutricional em pacientes com lipedema.”

É importante temperar o entusiasmo com os resultados favoráveis de low-carb para lipedema com a realidade de que as pessoas não saem desses estudos com pernas finas. O lipedema segue sendo uma patologia de difícil manejo, na qual comemoramos as eventuais melhoras e a profilaxia da piora. E a dieta, embora seja importante, é apenas parte do tratamento, que pode incluir desde técnicas de drenagem linfática mecânica até cirurgia plástica.


A carne…

Muitos de vocês já devem ter ouvido que, no manejo do lipedema, é necessário reduzir carne vermelha. Neste momento, gostaria que você pausasse e escutasse o seguinte episódio do podcast Comida sem Filtro:

Alternativamente, clique aqui para abrir o episódio 68 do podcast Comida sem Filtro.

Escutou? Ok – acontece que as pessoas têm uma TARA por essa ideia. E isso acaba contaminando o próprio desenho dos estudos científicos! O ensaio clínico randomizado sobre o qual falamos acima – o das 91 mulheres – restringiu carne vermelha NOS DOIS grupos (parabéns aos autores – isso não permite saber se a carne faz diferença ou não🤦‍♂️). O grupo low-carb high-fat foi melhor, e tenho certeza que teria sido igualmente eficiente – e muito mais saboroso – se a carne vermelha tivesse sido liberada. Aliás, é interessante citar aqui que no estudo piloto (o dos 9 pacientes) no qual as pessoas melhoraram somente no grupo low-carb, a carne foi reduzida apenas no grupo que não deu certo – o da dieta nórdica saudável. Dai-me paciência, Senhor.


Falando em podcast, não perca os episódios mais recentes! O episódio de número 80 (caramba, já fizemos 80 episódios!) tenta responder à seguinte pergunta: afinal, dieta Páleo ainda faz algum sentido, ou é algo desacreditado porque não sabemos com certeza o que se comia durante a evolução? Confira!

Alternativamente, clique aqui para abrir o episódio 80 do podcast Comida sem Filtro.

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