Cuidado com o “junk food páleo”

Páleo e low carb estão ficando mainstream. Isso é bom, e isso é ruim. Há 4 anos, quem decidia se aventurar por este caminho enveredava por uma experiência de preconceito e ostracismo que, para alguns, era muito forte para suportar (poucas coisas superam o “peer pressure”). Isso está mudando. Quase todo mundo já ouviu falar em “dieta paleolítica” (embora de forma distorcida). Em centros urbanos maiores e em círculos mais esclarecidos, até mesmo o termo “low carb” já não causa tanta estranheza, sendo relegado ao status de opção alimentar minoritária (como vegetarianismo, por exemplo), e não mais ao equivalente nutricional do Estado Islâmico. Mas de que forma isso poderia ser ruim? Explico.

A popularização desse estilo de vida acabou por criar um mercado – um mercado em rápida expansão. E, como sabemos, novos nichos jamais permanecem vazios. Nos EUA, há uma explosão de produtos páleo, que são encontrados até mesmo em lojas de aeroporto. No Brasil, a indústria (como de hábito) está atrasada, mas a onda está chegando, através de empreendedores individuais.

Acontece que produto industrializado páleo é um oximoro. Páleo significa produtos não-industrializados. Páleo implica uma mudança de hábitos e de estilo de vida. No momento em os hábitos que levaram a pessoa a um estado de saúde sub-ótimo forem reproduzidos com suas “versões páleo”, no momento em que o café da manhã tiver pão páleo, o almoço tiver macarrão sem glúten, os lanches virarem barrinhas de proteína páleo, e a janta for um congelado páleo, estaremos empobrecendo nossa saúde e enriquecendo corporações.

Nos tempos de hoje, a atitude mais subversiva que podemos ter é cozinhar. Produtos páleo devem ser uma opção eventual de conveniência, e não uma forma de preservar nosso estilo de vida anterior, com menos culpa, mais custos e uma boa dose de auto-engano.

Assim, foi com satisfação que li o texto da nutricionista Amy Kubal, no blog de Robb Wolf (cujo livro é leitura obrigatória), que reproduzo abaixo:

“Paleoização”: só porque o rótulo diz “páleo”, não significa que seja saudável

Ok, pessoal, segurem-se. Já faz um tempo desde a última vez em que eu me engajei em um libelo épico sobre alimentação, mas já está na hora. Não estou mudando a minha filosofia, e continuo achando que não há alimentos malignos, MAS há algumas coisas que precisam ser ditas – então segurem-se, pois isso pode doer…

Em nosso pequeno mundo páleo, nós gostamos de ridicularizar e destacar as principais falhas e erros da febre low fat (baixa gordura) e fat-free (sem gordura) que se abateu sobre o nós nos anos 1990 e no início dos anos 2000, e certamente há mérito nisso. As versões sem gordura de queijos, muffins , sorvetes, margarinas; manteiga de amendoim com redução de gordura; biscoitos Snackwell (biscoitos recheados e sem gordura), Lean Cuisine (uma marca de congelados de baixa gordura, vendida nos EUA pela Nestlé); pretzels e até mesmo doces sem gordura como balas de goma ganharam sinal verde, enquanto nozes, abacates, azeitonas e a maior parte das carnes foram relegadas à lista negra. A indústria alimentícia ganhou montanhas de dinheiro, e os americanos ficaram mais gordos. Enquanto nós comíamos todas estas comidas processadas com aura de saudáveis, negligenciávamos as comidas naturalmente baixas em gordura – você sabe, hortaliças, frutas, carnes magras… Então, basicamente o que fizemos foi trocar COMIDA DE VERDADE por lixo processado low fat, embalado, cheio de açúcar, e que não mata a fome – tudo porque nos foi dito que isso seria bom para nós, E que nós poderíamos comer à vontade e sem engordar. Bônus! Bem, isso acabou não dando certo no final, hein? Nós nos afastamos de comidas de verdade em direção a coisas que eram muito gostosas, e que eram rápidas e convenientes (afinal, até mesmo pegar um saco de vegetais congelados e uma caixa de atum já era trabalhoso DEMAIS…).


Voltemos agora à metade dos anos 2000 – finalmente nos demos conta de que a gordura não era o que estava nos prejudicando, e sim os carboidratos refinados e o açúcar. Surgem os heróis páleo Loren Cordain e Robb Wolf, e temos agora um novo movimento. Começamos a comer COMIDA DE VERDADE novamente, tais como carnes de animais alimentados com pasto, vegetais, frutas e gorduras naturais e – QUEM DIRIA – começamos a ficar saudáveis novamente. LOUCURA!! Mas, à medida que a popularidade do movimento páleo explodia, também explodia a popularidade da “paleoização” (vou patentear essa palavra) de comidas que, na idade da pedra, não estariam nem perto das geladeiras e despensas das cavernas… Nós temos agora as versões páleo de guloseimas (cookies, doces, bolos…), granola páleo, barrinhas páleo, pão páleo, proteína em pó páleo, ketchup páleo, molho barbecue páleo, e incontáveis receitas de sobremesas, panquecas, sorvetes, etc. Sério, praticamente todas as comidas comuns na alimentação das pessoas em geral já foram “paleoizadas” e estão disponíveis para venda em uma loja ou website próximo de você.

Ok, mas aqui começa ou meu libelo. Se você pensa, por um minuto, que o destino da páleo será diferente do destino da febre low-fat/fat-free, receio que você estará muito desapontado daqui a alguns anos. Estamos fazendo EXATAMENTE o que eles fizeram. Nós estamos engendrando e criando comidas que se encaixam em nossa pequena lista de regras, e comprando-as e comendo-as como se não houvesse amanhã. Bem – manchete, pessoal! – o seu corpo não reconhece nenhuma diferença entre uma colher da porcaria do açúcar de mesa e 1 colher de açúcar de coco natural e orgânico. Depois que essa mer…a atravessa os seus lábios – é tudo a mesma coisa. O mesmo se aplica a mel, maple syrup, néctar de coco, ou tâmaras e outras frutas empregadas para deixar as receitas doces. A história é a mesma para smoothies e sucos – o fato de você usar o seu liquidificador/juicer de mais de R$ 2.000,00 não o torna necessariamente melhor do que um copo de suco de caixa. É isso mesmo, dar a alguma coisa o halo de “páleo” não significa que quando você comê-lo ou bebê-lo, seu corpo dirá “oh, isso é páleo (ou orgânico, ou feito em casa, etc), então eu vou usar isso para queimar gordura e/ou convertê-lo diretamente em músculo”. NÃO É ASSIM QUE FUNCIONA!! E eu estou de saco cheio de pessoas dizendo que não podem comer um droga de batata, cenoura ou pedaço de fruta porque contêm muito açúcar – MAS, ao mesmo tempo, estão comendo “panquecas páleo” com maple syrup (xarope de bordo) 100% natural no café da manhã, um sanduíche de “pão páleo” no almoço, “biscoitos páleo” e uma xícara de chá com mel no lanche, e “biscoitos páleo” de sobremesa após a janta. Sério?? E você quer me dizer que uma cenoura é ruim??


E (NÃO, eu ainda não terminei), há um ponto a partir do qual calorias contam, sim. NÃO, você não pode tomar duas xícaras de café com manteiga (cada uma com 2 ou 3 colheres de sopa cheias de manteiga de vacas alimentadas com pasto e óleo de coco), meio quilo de bacon, 3 xícaras de nozes, e um contra-filé de 700 gramas como parte de seu cardápio diário (a não ser que você esteja treinando como um animal, ou seja uma aberração genética), e ter esperanças de ficar magro. Sim, sim, é tudo páleo, mas há um limite.


Como indivíduos, e como parte dessa comunidade, nós temos que dar um basta a essa insanidade. Temos que voltar ao essencial – você sabe, COMIDA DE VERDADE. Todo mundo fica discutindo sobre como os homens paleolíticos não cozinhavam grãos e feijões – e provavelmente não o faziam mesmo – mas eles também não estavam fazendo farinha a partir de amêndoas (ou coco), extraindo açúcar de cocos, extraindo o xarope das árvores de bordo ou desidratando frutas de forma a usá-las para assar bolos – nem fazendo “ketchup páleo”. Voltar ao BÁSICO: carnes alimentadas com pasto, muitos vegetais pobres em amido, quantidades moderadas de gorduras naturais, e um pouco de frutas frescas e/ou raízes. Não é complicado, e você não precisa de mais uma receita de muffins ou cookies páleo – essas não são comidas para o dia a dia!


Ok, fim do libelo. Agora, eu não estou dizendo que você deve abdicar de tudo o que tem gosto bom para sempre – CLARO QUE NÃO. Eu tenho a firme crença de que não há comida ruim – mas o excesso de QUALQUER coisa também não é bom, e se você quer pizza ou um biscoito ou uma guloseima, por favor, delicie-se – e já que isso é um mimo, um regalo eventual, e que você não faz isso o tempo todo, mesmo que não seja 100% “páleo” (e desde que não o deixe doente), é totalmente Ok. Coma aquilo que satisfaz o seu desejo, em uma quantidade razoável, e APROVEITE CADA MORDIDA. Mas se você está comendo alimentos “paleoizados” regularmente e não vê os resultados desejados, ou não se sente bem, não é porque “páleo não está funcionando”. Volte atrás e revise o que é, realmente, a dieta páleo (clique aqui), e então diga-me, você mesmo, onde estava o problema.


Aqui vão algumas regras rápidas:

  • Só porque o rótulo ou a receita dizem “páleo” ou porque um site diz que um certo alimento é páleo, isso não significa que seja saudável comer o tempo todo e em grandes quantidades;
  • Se não está vendo os resultados desejados, volte às coisas básicas: COMIDA DE VERDADE E INTEGRAL;
  • Mesmo que um alimento seja compatível com a dieta páleo, isso não lhe dá uma licença para comer feito um louco (caso típico: várias xícaras de nozes, filés gigantescos, quilos de bacon,etc);
  • Páleo não é uma religião, e há espaço para regalos e coisas não-páleo – apenas não em excesso e nem com frequência;
  • APROVEITE CADA MORDIDA daquilo que comer, e coma conscientemente (“mindfully”)

Não seja vítima da “paleoização”. Dê ouvidos ao seu corpo. Faça o que funciona para VOCÊ e o mantém saudável e feliz. Se você fizer isso, não importa o que diz o rótulo.”

*****

Epílogo – eu, Souto, escrevendo novamente. Evidentemente, um muffin páleo é melhor do que o comum, uma barrinha páleo é melhor do que uma barra de cereal. O objetivo da postagem não é negar isso. O objetivo é lembrar do básico: a barrinha e o muffin páleo, o bolinho e a sobremesa continuam sendo junk food. Só que páleo. Seu consumo deve ser eventual, e não uma forma de manter vivos velhos hábitos.

Eu gosto de contrastar essas duas fotos para mostrar a diferença entre o que é comida de verdade e o que não é:

Agora, leitor, reflita: em qual das fotos acima, as comidas “paleoizadas” abaixo encaixariam-se melhor?

Há um ditado em inglês que diz: “a barriga de tanquinho não se faz na academia, e sim na cozinha”. Comida páleo, idem.

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