A Conspiração do Açúcar

O jornal britânico The Guardian publicou uma longa matéria no último dia 07 de abril de 2016, de autoria de Ian Leslie, que é, SEM DÚVIDA, a melhor e mais completa reportagem jamais escrita sobre o assunto de que trata este blog desde 2011.

Com a ajuda de Regiany Floriano, do blog Menos Rótulos, posso oferecer o íntegra do texto traduzido.

Os textos em vermelho são os meus comentários.

A CONSPIRAÇÃO DO AÇÚCAR

Em 1972, um cientista britânico deu o alarme de que o açúcar
– e não a gordura – seria o maior perigo para a nossa saúde. Mas suas
descobertas foram ridicularizadas e sua reputação arruinada. Como é possível que os
maiores cientistas de nutrição do mundo tenham permanecido tão errados por tanto tempo?

por Ian
Leslie

Robert Lustig (veja aqui) é um endocrinologista pediátrico da
Universidade da Califórnia especializado no tratamento da obesidade infantil. Uma
palestra de 90 minutos (legendada aqui) que ele deu em 2009, intitulada “Açúcar: A Verdade Amarga”,
já foi assistida mais de seis milhões de vezes no YouTube. Nela, Lustig
argumentou energicamente que a frutose, uma forma de açúcar onipresente nas
dietas modernas, é um “veneno”, e é culpada pela epidemia de
obesidade dos Estados Unidos.

Cerca de um ano antes do vídeo ser divulgado, Lustig deu uma palestra
semelhante em uma conferência de bioquímicos em Adelaide, Austrália. Depois, um
cientista da plateia o abordou. “Certamente”, o homem disse – “você leu
Yudkin”? Lustig sacudiu a cabeça – “Não”. John Yudkin, disse o cientista, era um
professor britânico de nutrição que deu o alarme sobre o açúcar em 1972, em um
livro chamado “Puro, Branco, e Mortal”. (leia mais sobre Yudkin aqui).

“Se apenas uma parte do que sabemos sobre os efeitos do
açúcar em relação a qualquer outro material usado como aditivo alimentar fosse
revelada, esse material seria prontamente proibido”, escreveu Yudkin. O
livro teve boa tiragem, mas Yudkin pagou um preço alto por isso. Nutricionistas de
destaque uniram-se com a indústria de alimentos para destruir a sua reputação, e sua
carreira nunca mais se recuperou. Ele morreu em 1995, um homem
desapontado e praticamente esquecido.

Talvez o cientista australiano pretendesse dar um aviso de amigo.
Lustig estava certamente colocando sua reputação acadêmica em risco quando embarcou
em uma campanha de de alta visibilidade contra o açúcar. Mas, ao contrário do que aconteceu
com Yudkin, os ventos estão soprando a favor de Lustig. Lemos quase todas as
semanas novas pesquisas sobre os efeitos deletérios do açúcar em nossos corpos.
Nos EUA, a última edição das orientações dietéticas oficiais do governo inclui
um limite máximo para o consumo de açúcar. No Reino Unido, o chanceler George
Osborne anunciou um novo imposto sobre as bebidas açucaradas. O açúcar tornou-se o inimigo nutricional número um.

Isto representa uma mudança dramática nas prioridades. Pelo
menos durante as três últimas décadas, o vilão da dieta tem sido a gordura saturada.
Quando Yudkin estava conduzindo sua investigação sobre os efeitos do açúcar, na
década de 1960, uma nova ortodoxia nutricional estava se estabelecendo. Seu
princípio central era que uma dieta saudável seria uma dieta de baixa gordura.
Yudkin liderava um grupo cada vez menor de dissidentes que acreditavam que o açúcar, e não a
gordura, era a causa mais provável de males como obesidade, doenças cardíacas
e diabetes. Mas, na época em que escreveu seu livro, as posições de comando da ortodoxia nutricional já haviam sido dominadas
pelos defensores da hipótese da gordura. Yudkin encontrou-se lutando numa ação
de retaguarda, e acabou derrotado.

Não apenas derrotado, mas de fato enterrado. Quando Lustig
voltou para a Califórnia, procurou por Puro,
Branco e Mortal
nas livrarias e online, sem sucesso. Finalmente, ele conseguiu uma cópia depois de enviar um pedido para a biblioteca da sua
universidade. Ao ler a introdução de Yudkin, sentiu um choque de familiaridade.

“Caramba”, pensou Lustig, “Esse cara chegou
lá 35 anos antes de mim!”

***

Em 1980, após uma longa consulta com alguns dos mais
importantes cientistas de nutrição dos Estados Unidos, o governo dos EUA emitiu
suas primeiras diretrizes dietéticas. As diretrizes moldaram as dietas de
centenas de milhões de pessoas. Os médicos basearam suas recomendações nelas, as empresas de alimentos desenvolveram produtos que se enquadrassem nelas. Sua influência se estendeu além dos EUA. Em 1983, o governo do
Reino Unido emitiu suas orientações baseadas no exemplo americano.

A recomendação mais importante de ambos governos foi a de
reduzir a ingestão de gorduras saturadas e colesterol (esta foi a primeira vez
que o público foi aconselhado a comer menos de alguma coisa, em vez de o
suficiente de tudo). Os consumidores acataram obedientemente. Nós substituímos
carnes e salsichas por massas e arroz, manteiga pela margarina e óleos
vegetais, os ovos pelos cereais e o leite pelo leite desnatado ou suco de
laranja. Mas em vez de ficarmos mais saudáveis, nós ficamos mais gordos e
mais doentes.

Basta olhar para um gráfico das taxas de obesidade no pós-guerra, e isso fica
bem claro: algo mudou depois de 1980. Nos EUA, a linha sobe gradualmente até
que, no início de 1980, ela decola como um avião. Apenas 12% dos americanos
eram obesos em 1950, 15% em 1980, 35% em 2000. (o gráfico pode ser visto aqui) No Reino Unido, a linha era
plana por décadas até meados de 1980, momento em que também sobe para o céu.
Apenas 6% dos britânicos eram obesos em 1980. Nos próximos 20 anos, isso mais do que triplicou. Hoje, dois terços dos britânicos
são obesos
ou com excesso de peso, tornando este país o mais gordo na UE.
Diabetes tipo 2, que está estreitamente relacionada à obesidade, aumentou juntamente nos dois países.

Na melhor das hipóteses, podemos concluir que as orientações oficiais não atingiram o seu objetivo; na pior das hipóteses, elas levaram a décadas de catástrofes na saúde. Naturalmente, a busca por culpados se seguiu. Os cientistas são, convencionalmente, figuras apolíticas mas, ultimamente, os pesquisadores de nutrição têm escrito editoriais e livros que se assemelham a libelos, transbordando com denúncias indignadas contra as grandes indústrias do açúcar e de fast food. Ninguém poderia ter previsto, dizem, como os fabricantes de alimentos iriam reagir à condenação da gordura – vendendo-nos iogurtes “low fat” (com baixo teor de gordura) carregados com açúcar, e bolos impregnados com gorduras trans destruidoras de fígados.

Os cientistas da nutrição estão
irritados com a imprensa por distorcer suas descobertas, com os políticos por
não lhes dar ouvidos, e com o resto de nós por comermos demais e nos exercitarmos de menos. Em suma, TODOS – empresas, meios de comunicação, políticos, consumidores –
têm culpa. Todos, isto é, exceto os cientistas…

Mas não era tão difícil de antever que a demonização da gordura
poderia ser um erro (veja aqui). A energia do alimento vem para nós sob três formas:
gorduras, carboidratos e proteínas. Uma vez que a proporção de energia que
recebemos na forma de proteína tende a permanecer estável, seja qual for a nossa dieta,
uma dieta com baixo teor de gordura efetivamente significa uma dieta rica em
carboidratos. O carboidrato mais versátil e saboroso é o açúcar, que John
Yudkin já havia circulado em vermelho. Em 1974, a revista médica britânica Lancet soou um aviso sobre as possíveis consequências de recomendar
reduções de gordura na dieta: “A cura não deve ser pior que a doença”.

Ainda assim, seria razoável supor que Yudkin acabou perdendo esta queda de braço simplesmente porque, em 1980, havia mais evidências acumuladas
contra a gordura do que contra açúcar.

Afinal de contas, é assim que a ciência funciona, não é??

***

Se, como parece ser cada vez mais óbvio, as orientações
nutricionais nas quais nos baseamos por 40 anos foram profundamente falhas, isto
não é um erro que possa ser colocado na conta das corporações inescrupulosas. Também não pode ser tratado apenas
como um equívoco científico inofensivo. O que aconteceu com John Yudkin
desmente essa interpretação. Ao contrário, trata-se de algo que
os cientistas fizeram a si mesmos e, consequentemente, a nós.


Nós tendemos a considerar os hereges como sendo pessoas “do contra”, indivíduos com uma compulsão para desdenhar a sabedoria convencional. Mas, às vezes,
um herege é simplesmente um pensador convencional que permanece mirando na mesma direção, enquanto todos os outros ao seu redor mudam 180 graus. Quando, em 1957, John Yudkin lançou
pela primeira vez sua hipótese
de que o açúcar era um perigo para a saúde
pública, isto foi levado a sério, assim como seu autor. Por ocasião de sua aposentadoria, 14
anos depois, tanto a teoria como o autor tinham sido marginalizados e
ridicularizados. Só agora o trabalho de Yudkin está sendo reconduzido, postumamente, ao pensamento científico dominante.

Estas flutuações bruscas no “valor das ações” de Yudkin tiveram pouco a
ver com o método científico, e muito a ver com a maneira não científica com que
o campo da nutrição tem-se conduzido ao longo dos anos.
Esta história, que começou
a emergir na década passada, foi trazida à atenção do público em grande parte
por pessoas céticas de fora, ao invés de nutricionistas eminentes. Em seu livro
meticulosamente pesquisado, The Big Fat
Surprise
(o livro mais importante de nossa década), a jornalista Nina Teicholz reconta a história da hipótese de que
as gorduras saturadas causam doenças cardíacas,e revela o quanto a sua incrível progressão – de teoria controversa para verdade incontestável – deveu-se não a novas evidências, mas sim a algumas personalidades muito influentes – uma em particular.

O livro de Teicholz também descreve como os principais cientistas da nutrição, que àquela época estavam ainda bastante inseguros quanto à sua autoridade médica e paranoicos quanto a ameças à mesma, consistentemente exageravam os argumentos a favor das dietas low fat (de baixa gordura), ao mesmo tempo apontando suas armas contra aqueles que ofereciam argumentos no sentido contrário. John Yudkin foi apenas a primeira e mais eminente vítima.

Hoje, à medida em que os nutricionistas lutam para compreender um
desastre de saúde que eles falharam em prever, e que podem ter provocado, o campo está passando por um período doloroso de reavaliação. Estão gradativamente distanciando-se das proibições contra o colesterol e a gordura (veja um incrível exemplo aqui), e endurecendo suas advertências
sobre o açúcar, apenas cuidando para não ir tão longe a ponto de reverter sua posição em 180 graus. Mas seus
membros veteranos ainda mantêm um instinto coletivo voltado a difamar aqueles que
desafiam declaradamente a sabedoria convencional de forma muito ruidosa, como Teicholz
está descobrindo.

***

Para entender como chegamos a este ponto, é preciso voltar
quase até os primórdios da
moderna ciência da nutrição.

Em 23 de Setembro de 1955, o então Presidente dos EUA,
Dwight Eisenhower sofreu um ataque cardíaco. Ao invés de fingir que nada tinha
acontecido, Eisenhower insistiu em dar detalhes de sua doença para o público.
No dia seguinte, o médico-chefe, o Dr. Paul Dudley White, deu uma conferência
de imprensa na qual instruiu os americanos sobre como evitar doenças do
coração: parar de fumar, e reduzir a gordura e o colesterol. Em um artigo que se seguiu, White citou a pesquisa de um nutricionista da Universidade de
Minnesota, Ancel Keys.

A doença do coração, que tinha sido uma relativa raridade nos
anos de 1920, agora derrubava homens de meia-idade a um ritmo assustador, e os
americanos estavam se lançando em busca de causa e da cura. Ancel Keys forneceu
uma resposta: a hipótese “dieta-coração” (para simplificar, eu
estou chamando-a de “hipótese da gordura”). Esta é a ideia, já
familiar, de que o excesso de gorduras saturadas na dieta, a partir das carnes
vermelhas, queijo, manteiga, e ovos, aumenta o colesterol, o qual se solidifica
no interior das artérias coronárias, causando um endurecimento e estreitamento,
até que o fluxo de sangue fique estagnado e o coração pare.

Ancel Keys era brilhante, carismático e combativo. Um colega que gostava dele, na Universidade de Minnesota, descreveu-o como “direto
ao ponto da franqueza extrema, e crítico a ponto de ferir os sentimentos”.
Outros o caracterizaram de forma menos bondosa.
Ele exalava convicção em um momento em que a auto-confiança era muito bem-vinda. O
presidente, o médico e o cientista formaram uma corrente tranquilizadora de autoridade masculina, e a noção de que os alimentos gordurosos eram insalubres
começou a se solidificar entre os médicos e o público. (O próprio Eisenhower cortou
as gorduras saturadas e o colesterol da sua dieta por completo, até sua morte,
em 1969, por doença cardíaca).

Muitos cientistas, especialmente os britânicos, permaneceram
céticos. O cético mais proeminente era John Yudkin, nutricionista líder do
Reino Unido. Quando Yudkin olhou para os dados sobre a doença de coração, ficou
impressionado com sua correlação com o consumo de açúcar, e não de gordura. Ele
realizou uma série de experimentos de laboratório em animais e humanos, e
observou, como outros tinham feito antes dele, que o açúcar é processado no
fígado, onde ele se transforma em gordura, antes de entrar na corrente
sanguínea.

Ele observou, também, que enquanto os seres humanos sempre foram
carnívoros, os carboidratos só se tornaram um componente importante da sua
dieta há cerca de 10.000 anos, com o advento da agricultura em massa. O açúcar – um carboidrato puro, com toda a fibra e nutrientes removidos – tem feito
parte das dietas ocidentais por apenas 300 anos; em termos evolutivos, é como
se nós tivéssemos, apenas neste segundo, tomado a nossa primeira dose do mesmo (já abordei isso aqui).
As gorduras saturadas, ao contrário, estão tão intimamente ligadas com a nossa
evolução, que estão presentes em abundância no leite materno. Segundo o
pensamento de Yudkin, parecia mais provável que inovação recente, ao invés daquilo que sempre se consumiu desde os tempos pré-históricos, é que estivesse nos deixando doentes.

John Yudkin nasceu em 1910, no leste de Londres. Seus pais
eram judeus russos que se estabeleceram na Inglaterra depois de fugir das
perseguições de 1905. O pai de Yudkin morreu quando ele tinha seis anos, e sua
mãe criou seus cinco filhos na pobreza. Por meio de uma bolsa de estudos para
uma escola secundária local em Hackney, Yudkin chegou à Cambridge. Ele estudou
bioquímica e fisiologia, antes de entrar para medicina. Depois de servir na
Royal Army Medical Corps durante a segunda guerra mundial, Yudkin tornou-se
professor no Queen Elizabeth College, em Londres, onde ele construiu um
departamento da ciência da nutrição com uma reputação internacional.

Ancel Keys estava perfeitamente consciente de que a hipótese
do açúcar de Yudkin colocava uma alternativa para a sua própria. Se Yudkin
publicava um artigo, Keys trucidava – o artigo e seu autor. Ele chamou a teoria de Yudkin de
“uma montanha de tolices”, e acusou-o de fazer “propaganda”
para as indústrias de carne e de produtos lácteos. “Yudkin e os seus
patrocinadores não são intimidados pelos fatos”, disse ele. “Eles
continuam a cantar a mesma melodia desacreditada.” Yudkin nunca respondeu
na mesma moeda. Ele era um homem bem-educado, e não treinado na arte do embate político.

Isso o fez vulnerável ao ataque, e não apenas a partir de
Keys. O British Sugar Bureau (Departamento Britânico do Açúcar) rejeitou a afirmação
de Yudkin sobre o açúcar alegando serem apenas “afirmações emotivas”; a
Organização de Pesquisa Mundial do Açúcar chamou seu livro de “ficção
científica”. Em sua prosa, Yudkin é
meticulosamente preciso e pouco expansivo, assim como ele era em pessoa. Apenas
ocasionalmente ele deixou transparecer como era ter o trabalho de toda a sua vida completamente denegrido, como quando ele pergunta ao leitor: “você pode imaginar como uma pessoa possa às vezes ficar um tanto desapontada, ponderando se realmente vale a pena tentar fazer pesquisa científica em questões de saúde?”

Ao longo da década de 1960, Keys acumulou poder
institucional. Ele assegurou lugares para si e seus aliados nos conselhos dos
órgãos de saúde americanos mais influentes, incluindo a Associação Americana do
Coração e o Instituto Nacional de Saúde (isso é contado aqui). A partir dessas fortalezas, eles
direcionaram fundos para pesquisadores com as mesmas ideias, e emitiram pareceres com o peso da
autoridade para a nação. “As pessoas devem conhecer os fatos”, disse Keys
para a Revista Time. “Então, se eles quiserem comer até morrer, deixe-os.”

Esta aparente certeza
era injustificada: até mesmo alguns defensores da hipótese de gordura admitiam
que a evidência ainda não era conclusiva. Mas Keys detinha um trunfo. De 1958 a 1964, ele e seus
colegas pesquisadores reuniram dados sobre as dietas, estilo de vida e saúde de
12.770 homens de meia-idade, na Itália, Grécia, Iugoslávia, Finlândia, Holanda,
Japão e Estados Unidos. The Seven Countries Study (o Estudo dos Sete Países – comentado aqui) foi
finalmente publicado como uma monografia de 211 páginas em 1970. Ele mostrou
uma correlação entre a ingestão de gorduras saturadas e mortes por doenças do
coração, assim como Keys tinha previsto. O debate científico pendeu decisivamente para a hipótese da gordura.

Keys era o sujeito dos grandes volumes de dados (um
contemporâneo comentou: “Toda vez que você questiona este tal de Keys, ele
diz: “Eu tenho 5.000 casos. Quantos você tem?”). Apesar de sua estatura
monumental, no entanto, o Estudo dos Sete Países, que foi a base para uma
cascata de artigos posteriores por seus autores originais, era uma construção
frágil. Não havia nenhuma base objetiva para os países escolhidos por Keys, e é
difícil evitar a conclusão de que ele escolheu apenas aqueles que suspeitava  que iriam apoiar sua hipótese.
Afinal, é bastante estranho escolher sete nações na Europa, mas deixar de fora a França e a então
Alemanha Ocidental.
Entretanto, Keys já sabia que os franceses e alemães
tinhas taxas relativamente baixas de doenças cardíacas, muito embora de vivessem com uma dieta rica em gorduras saturadas.

A maior limitação do estudo era inerente ao seu método. Estudos epidemiológicos envolvem a coleta de dados sobre o comportamento e a
saúde das pessoas, e busca por padrões. Originalmente desenvolvido para estudar
epidemias, Keys e seus sucessores adaptaram-no para um estudo de doenças
crônicas, que, ao contrário da maioria das infecções, levam décadas para se
desenvolver, e estão entrelaçados com centenas de fatores alimentares e estilo de
vida, efetivamente impossíveis de serem dissociados (aqui é importante parar de ler, ler esta postagem, e depois retornar para este texto).

Para identificar com segurança as causas, ao invés de
correlações, é necessário um padrão mais elevado de evidência: o estudo controlado (ensaio clínico randomizado).
Na sua forma mais simples: recrute um grupo de indivíduos, e designe a metade
deles a uma dieta por, digamos, 15 anos. Ao final do experimento, avalie a saúde
das pessoas no grupo de intervenção, em relação ao grupo controle. Este método
também é problemático: é praticamente impossível supervisionar de perto as
dietas de grandes grupos de pessoas. Mas um estudo bem conduzido é a única
maneira de concluir com alguma confiança que X é responsável por Y.

Embora Keys tivesse mostrado uma correlação entre a doença
cardíaca e a gordura saturada, ele não havia excluído a possibilidade de que a
doença cardíaca estivesse sendo causada por outra coisa. Anos mais tarde, um
dos pesquisadores que conduziu o estudo dos sete países, o italiano Alessandro
Menotti, voltou a avaliar os dados e descobriu que o alimento que mais se
correlacionava com as mortes por doenças do coração não era a gordura saturada,
mas o açúcar.

Mas aí já era tarde demais. O estudo dos Sete Países já tinha se tornado canônico, e a hipótese da gordura já havia sido consagrada nas recomendações
oficiais. A comissão parlamentar responsável pelas diretrizes dietéticas
originais foi presidida pelo senador George McGovern. Ela obteve a maior parte das evidências a partir da
elite nutricional da América: homens de um pequeno grupo de universidades de prestígio, a
maioria dos quais conheciam ou trabalharam uns com os outros, todos eles
concordando que a gordura era o problema – uma suposição de que McGovern e seus
colegas senadores nunca questionaram seriamente. Apenas ocasionalmente foi pedido a eles que reconsiderassem. Em 1973, John Yudkin foi chamado de Londres para depor
perante a comissão, e apresentou sua teoria alternativa da doença cardíaca.

Um McGovern perplexo perguntou a Yudkin se ele estava
realmente sugerindo que uma elevada ingestão de gordura não era um problema, e
que o colesterol da dieta não representava qualquer perigo.

“Eu acredito nestas duas coisas”, respondeu
Yudkin.

“Isso é exatamente o oposto do que meu médico me
disse”, disse McGovern.

***

Em um artigo de 2015 intitulado Será que a ciência avança um funeral por vez ?, uma equipe de
estudiosos do National Bureau of Economic Research (Departamento Nacional de
Pesquisas Econômicas ) procurava uma base empírica para uma observação feita
pelo físico Max Planck: “Uma nova verdade científica não triunfa pelo convencimento de seus adversários e fazendo-os ver a luz, mas sim porque seus oponentes
finalmente morrem, e uma nova geração cresce, familiarizada com ela”.


Os investigadores identificaram mais de 12.000 cientistas de “elite” de diferentes áreas. Os critérios para o status de elite incluíram o grau de financiamento, o número de publicações, e se eles eram membros da Academia Nacional de Ciências ou do Instituto de Medicina dos EUA. Pesquisando obituários, a equipe encontrou 452 que tinham morrido antes de se aposentarem. Eles, então, buscaram saber o que aconteceu com as áreas do conhecimento que foram precocemente abandonadas por estes célebres cientistas, através da análise dos padrões das publicações científicas.

O que eles encontraram confirmou a verdade da máxima de
Planck. Jovens pesquisadores que trabalharam em estreita colaboração com os falecidos cientistas de elite, com artigos em co-autoria com os mesmos, publicavam menos. Ao
mesmo tempo, houve um aumento acentuado nos estudos de cientistas recém-chegados àquele campo de conhecimento,
que eram menos propensos a citar o trabalho do cientista falecido. Os artigos
desses recém-chegados foram substanciais e influentes, e atraíram um grande
número de citações (N.T.: o número de vezes que um artigo é citado por outros artigos indica sua importância no mundo da ciência). Eles produziram um grande avanço em seu campo de estudo.

Um cientista é parte do que o filósofo polonês da ciência Ludwik Fleck chamou de um “coletivo de pensamento”: um grupo de pessoas
que trocam ideias em uma linguagem mutuamente compreensível. O grupo, sugeriu
Fleck, inevitavelmente desenvolve uma mente própria, à medida que os indivíduos
convergem para uma mesma forma de comunicar-se, pensar e sentir.

Isso faz com que a pesquisa científica fique propensa às
regras eternas da vida social humana: deferência aos carismáticos, agrupamento em
direção à opinião da maioria, a punição para quem se desvia e o intenso desconforto em
admitir um erro.
Claro, essas tendências são precisamente o que o método
científico foi inventado para corrigir e, ao longo do tempo, ele faz um bom
trabalho nesse sentido. No longo prazo, no entanto, estaremos todos mortos, possivelmente
mais cedo do que estaríamos se não tivéssemos seguindo uma dieta baseada em
maus conselhos.

*** 

Em uma série de artigos e livros densos em argumentos, incluindo Why We Get Fat (Por que Engordamos, 2010), o
jornalista científico Gary Taubes, construiu uma crítica à ciência da nutrição
contemporânea suficientemente poderosa a ponto de obrigar o campo a prestar atenção.
Uma de suas contribuições foi a de descobrir um conjunto de pesquisas conduzido
por cientistas alemães e austríacos antes da segunda guerra mundial, que tinha
sido ignorado pelos americanos, que reinventaram este campo na década de 1950. O
s
europeus eram médicos praticantes e 
especialistas no sistema metabólico. Os norte-americanos eram em geral epidemiologistas, trabalhando em relativa ignorância sobre bioquímica e
endocrinologia
(o estudo de hormônios). Isso levou a alguns dos erros
fundamentais da nutrição moderna.

A ascensão e queda lenta da infâmia do colesterol é um caso
em questão. Depois que foi descoberto no interior das artérias de homens que
sofreram ataques cardíacos, 
os ovos, cujas gemas são ricas em colesterol, foram colocados na lista de perigo pelas autoridades de saúde pública – sob a orientação de cientistas. Mas é um erro biológico confundir o que uma pessoa coloca na sua boca
com o que aquilo se torna depois de ser engolido. O corpo humano está longe de ser um
recipiente passivo para o que quer que nós escolhemos colocar dentro dele, é
uma fábrica química movimentada, transformando e redistribuindo a energia que
recebe. O princípio que o governa é a homeostase, ou seja, a manutenção do
equilíbrio energético (quando o exercício nos aquece, o suor nos esfria). O colesterol,
presente em todas as nossas células, é criado pelo fígado. Os bioquímicos há
muito tempo sabem que quanto maior a quantidade de colesterol que você come,
menos o seu fígado produz.

Não é surpresa, então, que as repetidas tentativas de provar
a correlação entre o colesterol da dieta e o colesterol no sangue falharam.
Para a grande maioria das pessoas, comer dois ou três, ou 25 ovos por dia, não
aumenta significativamente os níveis de colesterol. Um dos alimentos mais ricos
em nutrientes, versáteis e deliciosos que temos foi desnecessariamente
estigmatizado. As autoridades de saúde passaram os últimos anos lentamente
afastando-se deste erro, presumivelmente na esperança de que, se não fizerem nenhum movimento brusco, ninguém irá notar (veja aqui, por exemplo). Em certo sentido, eles conseguiram: uma
pesquisa realizada em 2014 pelo Credit Suisse constatou que 54% dos médicos dos
EUA ainda acreditam que o colesterol da dieta aumenta o colesterol no sangue (esta pesquisa foi abordada aqui).

A bem da verdade, Ancel Keys deu-se conta ainda cedo de que o colesterol
da dieta não era um problema. Mas, a fim de sustentar a sua afirmação de que o
colesterol provocava ataques cardíacos, ele precisava identificar um agente que
aumentasse os seus níveis no sangue – e o escolhido foram as gorduras saturadas.
Nos 30 anos que se seguiram após o ataque cardíaco de Eisenhower, experimentos após experimentos não conseguiram dar suporte conclusivo à associação que ele afirmou ter
identificado no Estudo dos Sete Países.

O status quo da nutrição não parece ter ficado muito desconfortável pela ausência de provas. Mas, em 1993, concluíram que já não
poderiam mais fugir à uma outra crítica: uma dieta de baixa gordura tinha sido recomendada
para as mulheres, mas nunca tinha sido testada nelas (um fato que é
surpreendente apenas se você não for um cientista de nutrição). O National Heart,
Lung and Blood Institute (Instituto Nacional do Coração, Pulmões e Sangue) decidiu
ir com tudo, colocando em andamento o maior estudo prospectivo e randomizado sobre dietas já
realizado
 (já escrevi sobre isso aqui). Além de atender à outra metade da população, a Iniciativa
de Saúde da Mulher (WHI) esperava destruir quaisquer dúvidas que ainda houvessem sobre os efeitos danosos da
gordura.

Mas não foi o que aconteceu. No final do estudo,
verificou-se que as mulheres que seguiram a dieta de baixa gordura não estavam
menos propensas a contrair câncer ou doença cardíaca do que o grupo controle.

Isto causou muita consternação. O principal pesquisador do estudo, não querendo
aceitar as implicações de seus próprios achados, comentou: “Nós estamos quebrando a cabeça sobre alguns desses resultados.” Um consenso rapidamente se
formou que o estudo – meticulosamente planejado, ricamente financiado,
supervisionados por pesquisadores impressionantemente credenciados – tinha de ter
sido tão falho a ponto de não fazer sentido.
O campo seguiu em frente – ou melhor, não.

Em 2008, pesquisadores da Universidade de Oxford realizaram
um estudo em toda a Europa sobre as causas das doenças cardíacas. Seus dados
mostram uma correlação inversa entre a gordura saturada e as doenças do
coração, em todo o continente. A França, o país com o maior consumo de gordura
saturada, tinha a menor taxa de doença cardíaca. A Ucrânia, o país com o menor
consumo de gordura saturada, tinha a maior.
Quando a especialista em obesidade britânica Zoë Harcombe realizou uma
análise dos dados sobre os níveis de colesterol em 192 países em todo o mundo,
ela descobriu que colesterol mais baixo está correlacionado com taxas mais
elevadas de morte por doença cardíaca.

Nos últimos 10 anos, uma teoria que, de alguma forma, conseguiu sobreviver sem sustentação por quase meio século, passou a ser refutada por várias revisões abrangentes de
evidências, embora ainda siga cambaleante, como um zumbi (veja aqui), nas nossas diretrizes
alimentares e recomendações médicas.

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e
Agricultura, em uma análise
de todos os estudos sobre a dieta de baixa gordura em 2008
, não encontrou
“nenhuma evidência provável ou convincente” de que um alto nível de
gordura na dieta provoque doenças cardíacas ou câncer. Outra notável revisão, publicada em 2010 na Sociedade Americana de Nutrição, e de autoria
de, entre outros, Ronald Krauss, um pesquisador altamente respeitado e médico
da Universidade da Califórnia, afirmou que “não há nenhuma evidência
significativa para a conclusão de que a gordura saturada na
dieta esteja associada
com um risco aumentado de DCC ou DCV [doença
cardíaca coronariana e doença cardiovascular]”.

Muitos nutricionistas recusaram-se a aceitar estas conclusões. O periódico que publicou a revisão de Krauss, com medo de uma revolta entre seus leitores, o prefaciou com um artigo que o refutava, escrito por um homem que foi um braço direito de Ancel Keys, que afirmava que, como os achados de Krauss contradiziam todas as recomendações dietéticas nacionais e internacionais, eles tinham de estar errados. Esta lógica circular é sintomática de um campo que tem uma propensão excepcionalmente alta para ignorar evidências que não se encaixam na sua sabedoria convencional.

Gary Taubes é físico de formação. “Em física,” ele
me disse, “Você procura o resultado anômalo, e então você tem alguma coisa
para explicar. Em nutrição, o jogo é confirmar o que você e seus antecessores
sempre acreditaram”
. Como um nutricionista explicou para Nina Teicholz,
com um delicado eufemismo: “Os cientistas acreditam que a gordura saturada
é ruim para você, e há uma boa dose de relutância para aceitar provas em
contrário”.

***


Quando a obesidade começou a se tornar reconhecida como um
problema nas sociedades ocidentais, a culpa também foi jogada nas gorduras
saturadas. Não foi difícil convencer o público de que, se comermos gordura, vamos engordar
(este é um truque de linguagem: chamamos uma pessoa com sobrepeso de “gorda”;
mas não descrevemos uma pessoa com um corpo musculoso como “proteica”). O racional
científico também foi agradavelmente simples: um grama de gordura tem o dobro
de calorias do que um grama de proteína ou carboidrato, e todos nós podemos
compreender a ideia de que se uma pessoa recebe mais calorias do que gasta na
atividade física, os excedentes terminam como gordura.

O simples não significa certo, é claro. É difícil conciliar
essa teoria com o aumento dramático da obesidade desde 1980, ou com muitas
outras evidências. Nos Estados Unidos, o consumo médio de calorias aumentou
apenas um sexto durante esse período. No Reino Unido, ele na realidade caiu (leia aqui uma análise completa deste aparente paradoxo).
Não houve um declínio proporcional da atividade física, em qualquer país – no
Reino Unido, os níveis de atividades físicas têm aumentado ao longo dos últimos
20 anos. A obesidade é um problema em algumas das partes mais pobres do mundo,
mesmo entre comunidades em que o alimento é escasso. Os ensaios clínicos
controlados têm falhado repetidamente em demonstrar que as pessoas perdem peso
em dietas de baixo teor de gordura ou de baixo teor calórico no longo prazo.

Aqueles pesquisadores europeus anteriores à guerra teriam
considerado a ideia de que a obesidade é resultante do “excesso de
calorias” como sendo comicamente simplista (veja aqui). Bioquímicos e endocrinologistas são
mais propensos a pensar na obesidade como um distúrbio hormonal, desencadeado
pelos tipos de alimentos que começaram a ser muito mais ingeridos quando cortamos
a gordura: os amidos facilmente digeríveis e os açúcares. Em seu novo livro, Always
Hungry
(Sempre com Fome), David Ludwig
 (livro já discutido aqui), um endocrinologista e professor
de pediatria na Harvard Medical School, chama isto de modelo “Insulina – Carboidratos”
da obesidade. De acordo com este modelo, um excesso de carboidratos refinados
interfere com o equilíbrio auto-ajustado do sistema metabólico.

Longe de ser um depósito inerte para o excesso de
calorias, o tecido adiposo funciona como uma fonte de energia de reserva para o
corpo (assunto discutido aqui). Suas calorias são requisitadas quando a glicose está baixa – isto é,
entre as refeições, ou durante jejuns e a fome. A gordura recebe instruções da
insulina, o hormônio responsável pela regulação do açúcar no sangue. Os carboidratos
refinados rapidamente são convertidos em glicose no sangue, fazendo com que o
pâncreas produza insulina. Quando os níveis de insulina sobem, o tecido adiposo
recebe um sinal para remover a energia para fora do sangue, e parar de liberá-la (como explicado aqui).
Então, quando a insulina permanece elevada anormalmente por longos períodos,
uma pessoa ganha peso, fica com mais fome, e se sente cansada. Então nós a culpamos
por isso. Mas, como Gary Taubes bem colocou, as pessoas obesas não são gordas
porque elas comem demais e são sedentárias – elas comem demais e são sedentárias,
porque estão gordas, ou engordando.

Ludwig deixa claro, como Taubes faz, que esta não é uma nova
teoria – John Yudkin a teria reconhecido – mas uma teoria antiga que foi galvanizada
pelas novas evidências. O que ele não menciona é o papel que os adeptos da
hipótese da gordura têm desempenhado, historicamente, no sentido de demolir a
credibilidade de quem a propôs.

***

Em 1972, o mesmo ano que Yudkin publicou Puro, Branco e Mortal, um cardiologista formado na Cornell University chamado Robert Atkins publicou Dr
Atkins ‘Diet Revolution
(A Dieta Revolucionária do Dr Atkins). Seus 
argumentos compartilhavam uma mesma premissa  – que os carboidratos são mais perigosos
para a nossa saúde do que a gordura – embora eles diferissem em alguns detalhes.
Yudkin focou sobre os males de um carboidrato em particular, mas não recomendou
explicitamente uma dieta rica em gordura. Atkins argumentou que uma dieta com alto
teor de gordura, de baixo carboidrato, era o único caminho viável para a perda
de peso.

Talvez a diferença mais importante entre os dois livros tenha
sido o tom. O livro de Yudkin era discreto, educado e razoável, o que era um reflexo de seu
temperamento, e do fato de que ele se via como um cientista primeiro, e depois
como um médico. Atkins, decididamente um médico e não um cientista, não estava limitado pelas convenções cavalheirescas. Ele declarou-se furioso por ter sido
“enganado” pelos cientistas médicos. Sem surpresa, este ataque
enfureceu o establishment nutricional, que revidou com força. Atkins foi rotulado como uma
fraude, e sua dieta de uma “moda passageira”.
Foi uma campanha de sucesso: até hoje, o nome de Atkins traz consigo uma aura de
charlatanismo.

Uma “moda” implica novidade. Mas
dietas pobres em carboidratos e ricas em gordura tinham sido populares mais
de um século antes de Atkins, e foram, até os anos 1960, um método de perda de peso
aprovado pela ciência dominante. No início da década de 1970, isto havia mudado.
Os pesquisadores interessados nos efeitos de açúcar e carboidratos complexos
sobre a obesidade só tinham de olhar para o que tinha acontecido com o principal
nutricionista do Reino Unido para perceber que continuar nesta linha de
investigação seria um terrível passo para suas carreiras.

A reputação científica de John Yudkin foi virtualmente enterrada.
Ele deixou de ser convidado para conferências internacionais sobre nutrição. As
revistas científicas recusaram-se a pubilcar seus estudos. Seus colegas cientistas falavam dele como um excêntrico, um obsessivo solitário. Ele se tornou uma
história de terror. Sheldon Reiser, um dos poucos pesquisadores que continuou a
trabalhar sobre os efeitos de carboidratos refinados e açúcar na década de
1970, disse a Gary Taubes em 2011: “Yudkin foi muito desacreditado. Ele
foi ridicularizado. E se qualquer outra pessoa dissesse algo ruim sobre a sacarose
[açúcar], eles diziam: ‘Este aí é como Yudkin'”.

Se Yudkin foi ridicularizado, Atkins era uma figura odiada.
Apenas nos últimos anos é que tornou-se aceitável estudar os efeitos de dietas
tipo Atkins. Em 2014, em um estudo financiado pelo Instituto Nacional de Saúde
(NIH) (detalhado nesta postagem), 150 homens e mulheres foram designados a seguirem uma dieta por um ano, que limitava ou a quantidade de gordura ou a de carboidratos que poderiam
comer, mas não as calorias. Até o final do ano, as pessoas na dieta baixa em
carboidratos, rica em gordura, tinham perdido cerca de 3,6kg a mais na
média do que o grupo do baixo teor de gordura. Eles também eram mais propensos
a perder peso a partir do tecido adiposo; o grupo do baixo teor de gordura perdeu
algum peso também, mas veio dos músculos. O estudo do NIH é o mais recente dos
mais de 50 estudos semelhantes, que em conjunto sugerem que as dietas pobres em
carboidratos são melhores do que as dietas de baixa gordura para a
perda de peso e controle do diabetes tipo 2. Como um corpo de evidências, está
longe de ser conclusivo, mas é tão coerente quanto qualquer outro na literatura.

A edição de 2015 das Diretrizes Alimentares dos EUA (que são
revisadas a cada cinco anos) não faz qualquer referência a nenhuma dessas novas pesquisas, porque os cientistas, que fizeram parte da comissão – os
nutricionistas mais eminentes e bem relacionados do país – negligenciaram a inclusão de uma discussão sobre as mesmas em seu relatório.
É uma omissão escancarada,
inexplicável em termos científicos, mas inteiramente explicável em termos da política da ciência da nutrição.
Se você está procurando proteger a sua
autoridade, por que chamar a atenção para evidências que parecem contradizer
as afirmações nas quais esta autoridade se fundamenta? Permita que se puxe um fio solto, e corre-se o risco de que tudo comece a se descosturar.

Isto pode já ter começado. Em dezembro passado, os
cientistas responsáveis pelo relatório receberam uma repreensão humilhante do
Congresso (assunto detalhado nesta postagem), que aprovou uma medida propondo uma revisão da forma como o o relatório que informa as diretrizes é compilado. Referia-se a “perguntas … sobre a
integridade científica do processo”. Os cientistas reagiram com raiva,
acusando os políticos de estar nas mãos das indústrias de carne e laticínios
(dada a forma como muitos dos cientistas dependem de financiamento de pesquisas
por parte das empresas de alimentos e farmacêuticas, tal acusação pode ser
caracterizado como no mínimo ousada ou irônica).

Alguns cientistas concordam com os políticos. David
McCarron, um pesquisador associado no Departamento de Nutrição da Universidade
da Califórnia-Davis, disse
ao Washington Post
: “Há um monte de coisas nas orientações que estavam
certas há 40 anos, mas que têm sido refutadas. Infelizmente, às vezes, a
comunidade científica não gosta de voltar atrás”. Steven Nissen, chefe de
 Medicina Cardiovascular da
Cleveland Clinic, foi mais duro, chamando as novas diretrizes de “uma zona livre de evidências”.

A revisão do Congresso ocorreu em parte por causa de Nina
Teicholz. Desde que seu livro foi publicado, em 2014, Teicholz tornou-se uma defensora
das melhores as orientações alimentares. Ela faz parte do conselho da Coalizão da Nutrição, um
corpo financiado pelos filantropos John e Laura Arnold, com o propósito
declarado de ajudar a garantir que a política de nutrição seja baseada na boa
ciência.

Em setembro do ano passado, ela escreveu um artigo para o BMJ
(antigo British Medical Journal), que acusa a inadequação das orientações científicas que servem de base para as diretrizes dietéticas (cuja íntegra traduzida está aqui).
 A resposta do establishment nutricional foi feroz: 173 cientistas – alguns dos quais faziam parte do painel
consultivo, e muitos cujo trabalho tinha sido criticado no livro de Teicholz –
assinaram uma carta ao BMJ, exigindo a retratação do artigo
.

A publicação de uma réplica a um artigo científico é uma coisa;
solicitar a sua total eliminação é outra, convencionalmente reservada para os casos
que envolvem dados fraudulentos. Como um oncologista consultor do NHS,
Santhanam Sundar, destacou em uma resposta à carta no site da BMJ: “Discussão
científica contribui para o avanço da ciência.  Exigir a retratação,
particularmente por parte daqueles em posições eminentes, é uma atitude não-científica e
francamente preocupante”.

A carta lista “11 erros”, que sob uma leitura
atenta acabam por variar do trivial ao totalmente enganoso. Falei com vários
dos cientistas que assinaram a carta. Eles ficaram muito satisfeitos em condenar o artigo em termos gerais, mas quando eu pedi que citassem apenas um dos supostos erros
na mesma, nenhum deles foi capaz disto. Um admitiu que nem tinha lido. Outro me
disse que tinha assinado a carta porque o BMJ não deveria ter publicado um
artigo que não foi revisado por pares (foi revisado por pares). Meir Stampfer,
epidemiologista de Harvard, afirmou que o trabalho de Teicholz é “cheio de
erros”, mas recusava-se a discuti-los comigo.

Reticentes quanto a discutir o conteúdo do artigo, os
cientistas estavam visivelmente mais afiados para comentar sobre sua autora. Eu era
frequente e insistentemente lembrado que Teicholz é uma jornalista, e não uma
cientista (o que importa é a qualidade do argumento, e não o seu autor, como discutido aqui), e que ela tinha um livro para vender, como se isso fosse argumento
suficiente. David Katz, da Universidade de Yale, um dos membros do painel
consultivo, e um incansável defensor dos ortodoxos, me disse que o trabalho de Teicholz
“cheira a conflito de interesses”, sem especificar quais seria esses
conflitos (Dr. Katz, por sinal, é o autor de quatro livros de dieta).

O Dr. Katz não finge que sempre esteve certo  – ele admitiu ter mudado de opinião, por exemplo, sobre o colesterol na dieta. Mas ele voltava o tempo todo ao tema do caráter de Teicholz.
“Nina é chocantemente pouco profissional… Estive em salas cheias com o “quem é quem” da nutrição, e nunca vi tal repulsa unânime como quando o nome da
senhorita Teicholz vem à tona. Ela é um animal diferente de tudo que eu já vi
antes”. Apesar dos meus pedidos, ele não citou nenhum exemplo concreto de seu “comportamento
pouco profissional”. (O ódio derramado sobre Teicholz raramente é dispensado a Gary Taubes, embora eles façam argumentos fundamentalmente semelhantes).

Em março deste ano, Teicholz foi convidada a participar de
um debate sobre a ciência da nutrição na Conferência de Política Nacional de
Alimentos, em Washington DC, apenas para ser prontamente desconvidada, depois
que seus colegas deixaram claro que não iriam compartilhar uma plataforma com
ela. Os organizadores substituíram-na pelo CEO da Aliança pela educação e pesquisa da batatas.

***

Um dos cientistas que pediram a retratação do artigo Nina Teicholz no BMJ, que me pediu para que a nossa conversa não fosse registrada, reclamou que a ascensão das mídias sociais criou um “problema de autoridade” para a ciência da nutrição. “Qualquer voz, por mais louca que seja, pode ganhar terreno”, ele me disse.

É uma queixa conhecida. Ao abrir as portas da publicação a todos, a internet tem achatado hierarquias em todos os lugares que elas existem. Nós já não vivemos em um mundo em que as elites de especialistas credenciados são capazes de dominar as conversas sobre assuntos complexos ou contestados. Os políticos não podem contar com a aura do poder para persuadir, jornais lutam para fazer valer a integridade superior de suas histórias. Não está claro que essa mudança seja, em geral, uma benção. Mas em áreas onde os especialistas têm um histórico de erro sistemático, é difícil ver como isso poderia não ser bom. Se alguma vez houve um caso em que a democratização da informação, mesmo que muito confusa, foi preferível a uma oligarquia da informação, a história das diretrizes nutricionais é este caso.

No passado, nós só tínhamos duas fontes de autoridade
nutricionais: o nosso médico e o governo. Era um sistema que funcionou bem enquanto os médicos e as autoridades estavam informados pela boa ciência. Mas
o que acontece quando não se pode contar com isto?

O establishment nutricional revelou-se, ao longo dos anos,
hábil em liquidar reputações com ataques ad hominem (Wikipédia =
argumento contra a pessoa)
, mas está mais difícil para eles fazer com
Robert Lustig ou Nina Teicholz o que fizeram com John Yudkin. Está mais
difícil também abafar ou desviar-se da acusação de que a promoção das dietas
de baixa gordura foi uma moda passageira de 40 anos, com resultados
desastrosos, concebida, autorizada e policiada por nutricionistas.

O professor John Yudkin aposentou-se de seu posto no Queen
Elizabeth College, em 1971, para escrever Puro,
Branco e Mortal
. A faculdade descumpriu uma promessa de que lhe permitiria continuar
a utilizar as suas instalações para pesquisas. Eles haviam contratado um novo pesquisador, totalmente comprometido com a hipótese da gordura, para substituí-lo, e
já não seria politicamente prudente ter um proeminente adversário da mesma no departamento. O homem
que havia construído o departamento de nutrição da faculdade a partir do zero
foi forçado a solicitar auxílio de um advogado. Finalmente, uma pequena sala
em um prédio separado foi destinada para Yudkin.

Quando perguntei a Lustig por que ele foi o primeiro
pesquisador em anos a focar sobre os perigos do açúcar, ele respondeu:
“John Yudkin. Derrubaram-no de forma tão severa – tão severa – que ninguém
mais quis se arriscar por conta própria”. 

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